Um balanço do Ministério da Justiça aponta que o Rio Grande do Sul está entre os Estados que mais entregaram armas de fogo nos quatro primeiros meses deste ano, atrás apenas da Bahia e de Alagoas. Com base em dados da terceira campanha nacional de desarmamento, iniciada em 2011, os gaúchos são os que mais entregaram armamentos, proporcionalmente à população.
O recuo do Estado em 2013, se comparado com os números acumulados desde o início da campanha Tire uma Arma do Futuro do Brasil, não é motivo de preocupação, avalia o secretário-adjunto da Segurança Pública, Juarez Pinheiro. Para ele, o período analisado é restrito, e os dados precisam ser analisados como um todo. Desde o início da nova campanha (as outras ocorreram em 2003 e 2008), o Estado aparece no topo da lista, com mais de 8,5 mil armas entregues.
O número, ressalta Pinheiro, mostraria uma mudança de comportamento dos gaúchos a respeito do tema. No referendo sobre a proibição da venda de armas em território nacional, o Rio Grande do Sul foi o Estado com maior rejeição à iniciativa - 86,83%, enquanto a média nacional foi de 63,94%.
- Duas razões nos levaram a esta liderança. A primeira é que houve uma releitura da sociedade, de que possuir uma arma de fogo não traz mais segurança para a pessoa, ao contrário, traz mais risco à vida. A segunda é porque nós fizemos uma grande rede entre delegacias e quartéis da Brigada Militar, além da Polícia Federal, para receber as armas. Nós temos 231 pontos - afirma o secretário-adjunto, lembrando que episódios como o massacre em uma escola em Realengo, no Rio, em abril de 2011, provocaram uma reflexão sobre a atitude de ter uma arma de fogo em casa.
Êxitos da atual campanha são atribuídos, entre outros fatores, ao anonimato de quem faz a entrega, à inutilização do equipamento no momento em que é deixado em um posto de coleta e à rapidez em que se recebe a indenização.
Apesar de preocupante, o número de armas legais que vão parar nas mãos da criminalidade não é o único foco da campanha. Os acidentes domésticos ajudam a fazer do Brasil o país que mais mata por arma de fogo no mundo. A secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, afirma que as famílias são instigadas a refletir sobre o perigo de ter arma em casa e que o fim de muitas discussões poderia ser pacífico.
- O cidadão brasileiro vem respondendo ao debate da cultura de paz se desarmando. Os números ascendentes de entrega de armas nos últimos seis meses refletem essa disposição - avalia a secretária.
Professor de Criminologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Augusto Jobim do Amaral defende que, de maneira isolada, a campanha não chega a ser uma solução. Mas acredita que a iniciativa busca mudar a cultura da violência no país:
- Os estudos mais sérios feitos a respeito disso mostram que a maioria dos homicídios no Brasil é praticada com armas de fogo. Ao contrário do que a gente pode pensar, tem a ver com impulsos, vinganças pessoais, violência doméstica, motivos banais. E a gente não pode esquecer que a questão da segurança pública faz a população demandar por arma. Vivemos numa sociedade mergulhada no medo.
Os números
- 627.725 armas foram entregues no Brasil desde 2004
- 74.865 foram recolhidas desde 2011, ano em que começou a terceira campanha do desarmamento
- 8.593 armas foram entregues no RS entre maio de 2011 e fevereiro de 2013
Como é a entrega
- Para entregar uma arma de fogo, o dono deve se dirigir a um ponto cadastrado (no Rio Grande do Sul, há postos de Brigada Militar, Polícia Civil, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal habilitados). É importante retirar uma guia de trânsito para transporte da arma no site da Polícia Federal.
- A arma deve ser entregue descarregada e embalada. As munições, pelas quais não se recebe indenização, devem ser carregadas separadamente. A identificação de quem quiser entregar a arma não é obrigatória.
- As armas serão inutilizadas no ato da entrega nos postos credenciados. Posteriormente, serão encaminhadas ao setor especializado da Polícia Federal para o descarte total, que poderá ser feito por meio da queima em fornos industriais de alta temperatura.
- Para receber a indenização, é necessário fazer um cadastro no posto de entrega antes de receber um protocolo do Banco do Brasil, para onde levará o documento. A indenização fica disponível para saque 24 horas após a entrega da arma e permanece por 30 dias.
- O valor varia de R$ 150 a R$ 450, conforme a arma de fogo. Em caso de impossibilidade no recebimento da indenização, deve-se preencher um formulário no site Entregue a sua Arma e aguardar contato do Ministério da Justiça.
Mais mortes do que em países em conflito
O Mapa da Violência 2013 aponta que são vários os motivos que explicam os elevados níveis de mortalidade por arma de fogo no Brasil, entre eles a facilidade de acesso (o arsenal nas mãos da população é estimado em 15,2 milhões), a cultura da violência e a impunidade.
Esses fatores, explica o professor de Criminologia da PUCRS Augusto Jobim do Amaral, fazem com que a população lance mão da arma para resolver conflitos. Uma informação apresentada no relatório é que, entre 1980 e 2010, registros do Ministério da Saúde contabilizam um total de 799.226 cidadãos vítimas de armas de fogo no país. Desses, 450.255 tinham entre 15 e 29 anos.
- O dado estarrecedor é que, no Brasil, o número de mortes decorrentes de arma de fogo é maior do que o dos últimos 12 conflitos armados no mundo inteiro. Ou seja, a gente mata mais do que os conflitos armados - salienta Jobim.
Conforme o secretário-adjunto da Segurança Pública, Juarez Pinheiro, aproximadamente 72% das mortes violentas no Rio Grande do Sul são por armas de fogo. Ao defender o desarmamento, ele usa uma pesquisa do FBI (a polícia federal americana) mostrando que, em cada êxito no uso para proteção pessoal, ocorrem 185 mortes:
- Outro dado muito significativo é que 30% das armas que são adquiridas de forma legal acabam nas mãos da criminalidade.