A internação involuntária de usuários de drogas, que permite retirar dependentes químicos das ruas mesmo sem ordem judicial, deverá ser votada quarta-feira na Câmara dos Deputados.
De autoria do deputado federal gaúcho Osmar Terra (PMDB), o projeto de lei facilita a remoção de pessoas para instituições de tratamento mediante a decisão de um médico. Além de enfrentar a votação dos parlamentares, para sair do papel a proposta também terá de superar polêmicas.
Com 22 artigos, a proposta apresentada em 2010 que trata do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas é considerada controversa por estender ao dependente químico um tipo de internação até hoje restrito para casos de doença mental. A proposta entra em votação após ter seu regime de urgência aprovado, no último dia 12, por 344 votos a 6.
Além das internações voluntária e compulsória (determinada por um juiz) já existentes, a medida prevê uma terceira forma de internação, chamada de involuntária. Ela seria imposta ao dependente químico por um médico após solicitação feita por um familiar ou, na "absoluta falta" de um parente, por um servidor público na ausência do primeiro. Esse procedimento atualmente é restrito a pacientes com doenças mentais.
- É um procedimento de desintoxicação que tem de acontecer em ambiente hospitalar - explica o deputado Osmar Terra, ex-secretário de Saúde do Estado.
Uma das críticas à proposta é de que ela poderia deflagrar um processo de limpeza social das ruas, retirando de circulação usuários de crack que se aglomeram nas chamadas cracolândias. Sobre a questão, Terra pondera que cada procedimento terá de ser notificado ao Sistema Nacional de Informações sobre Drogas para evitar distorções:
- A internação terá duração média entre 15 e 45 dias. Em seguida, o usuário desintoxicado receberá alta e poderá decidir sobre sua vida.
Pelo projeto, o controle a partir do cadastro nacional será feito não apenas pelo governo federal, mas por instituições como o Ministério Público e conselhos de políticas sobre drogas. Os dados serão sigilosos. Para Terra, o dispositivo minimiza a chances de o procedimento de internação involuntária ser usado indiscriminadamente.
Na visão do psiquiatra Angelo Campana, integrante do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Drogas, a internação involuntária pode, sim, auxiliar a resgatar pessoas que, por causa da drogadição, perderam os laços familiares e vivem agora nas ruas:
- Sempre ajuda, pois a pessoa vai ganhar saúde. Mas o problema é que a questão vai além da dependência. Não adianta desintoxicar e a pessoa voltar para aquele mesmo ambiente.
Sobre a possibilidade de a internação ser assinada por qualquer médico, e não apenas psiquiatras, Campana pondera a medida está amparada pela legislação médica que não restringe o ato a especialistas.
- É claro que um psiquiatra tem mais condições de avaliar o paciente, do que um clínico, mas essa medida tenta atender a uma questão: estamos falando de Brasil, onde em algumas cidades menores, no Interior, não existem psiquiatras - avalia.
A posição de Campana é compartilhada pelo psiquiatra forense Rogério Cardoso, que destaca que a internação imposta já acontece no Estado por meio de decisões judiciais. A diferença agora é que a decisão passará apenas pela análise médica. Ele, no entanto, ressalta que o procedimento deve ser pensado como um dos recursos do ponto de vista de política pública, mas não o mais importante. Segundo ele, outras ações intermediárias, como ampliação dos Centro de Atenção Psicossocial para álcool e drogas (Caps), são indispensáveis.
São Paulo já pratica internação involuntária
Embora o projeto de lei a ser votado amanhã inclua a internação involuntária -autorizada por médico e sem ordem judicial - na legislação nacional antidrogas, esse tipo de hospitalização já é utilizado em Estados como São Paulo. Desde o começo do ano, a força-tarefa montada pelo governo paulista já encaminhou 65 internações involuntárias a partir do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) montado em parceria com Ministério Público, Tribunal de Justiça e Ordem dos Advogados do Brasil.
Isso ocorre porque o governo paulista aplica a lei de saúde mental, que já prevê essa possibilidade para os casos de transtorno psíquico, também para os usuários de entorpecentes em situação de risco. Nesse caso, encaminha o paciente para o hospital e apenas notifica o Ministério Público conforme a legislação prevê.
- A dependência é um transtorno psiquiátrico. Por isso, já usamos a lei de saúde mental para fazer a internação involuntária. Mas são apenas cerca de 10% das 503 internações que já promovemos no Cratod. Na grande maioria, são hospitalizações voluntárias - afirma a secretária estadual da Justiça e de Defesa da Cidadania de São Paulo, Eloísa de Sousa Arruda.
Apesar disso, a iniciativa é alvo de críticas de que tem como objetivo "limpar as ruas".
- O problema é que investem na internação como única medida salvadora e deixam de investir na rede de atendimento, como Caps e residências terapêuticas. Aí o dependente volta para a rua sem assistência e volta a usar drogas - avalia o diretor do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo Tiago Barbosa dos Santos.
- Fazemos um trabalho de acolhimento social que não se resume à internação - afirma Eloísa.