Poucos jogadores aceitam a responsabilidade de vencer Mundiais. Pelé, Ronaldo, Beckenbauer e Bobby Charlton são dessa estirpe rara.
Pelé, mas pode chamar de bola
O maior jogador de futebol de todos os tempos, o único jogador a vencer três Copas do Mundo, detentor da marca recorde de 1.281 gols em 1.363 partidas, o maior artilheiro da Seleção Brasileira. Este milagre tem nome: Edson Arantes do Nascimento, Pelé.
A relação de Pelé com as Copas do Mundo é contraditória: quando se põe a apontar favoritos ou arriscar quem serão os craques e as surpresas da disputa, erra longe. Quando esteve em campo, entretanto, mesmo alvejado pela violência dos adversários, pela dor das lesões e pela incompetência dos dirigentes, ainda assim soube ser majestade.
Estreou em 1958, aos 17 anos de idade, sem medo de ser feliz e de dar um chapeuzinho num jogador francês, além de anotar duas vezes na final com a Suécia, marcando o gol final da Copa. Seu choro de adolescente no peito do veterano Gilmar, pouco antes da premiação, lavou a alma do Brasil. Curiosidade: Pelé jogava normalmente com a camiseta, mas a delegação do Brasil não informou a numeração de seus jogadores e o futuro Rei do Futebol acabou com a 10. Camiseta hoje mitológica, por sua culpa.
Em 1962, uma lesão o tirou da competição já na segunda partida. Ao final do desastre brasileiro em 1966, chegou a dizer que não participaria mais de Copas. Não foi para menos: a desorganização da Seleção, a indecisão sobre qual esquema e qual escalação, uma geração em decadência, tudo isso agravado pela violência que caracterizou o certame, era realmente demais. No jogo que selou a sorte do Brasil, contra Portugal, Pelé sofreu uma falta violentíssima, que o fez seguir em campo mancando. O antifutebol venceu Pelé.
No México, em 1970, entretanto, reinou absoluto, consagrado pelos gols que fez - e até pelos que não fez. Lembremos: o chute do outro lado do campo contra a Tchecoeslováquia, e o drible sem bola no goleiro uruguaio Mazurkiewski. Na partida contra o Uruguai, Pelé também mostrou que havia aprendido a ser violento com habilidade, quebrando o nariz de Matosas com uma cotovelada tão bem dissimulada que nem foi marcada falta. Pelé saiu do México como o Rei do Futebol, colocando para todos o eterno desafio de vaticinar quem é o "Pelé" de cada Copa. Pergunta difícil de responder.
Ele disse:
- Se eu pudesse me chamaria Edson Arantes do Nascimento Bola. Seria a única maneira de agradecer o que ela fez por mim.
Ronaldo e uma carreira de retomadas heroicas
Foto: Mauro Vieira, Banco de Dados
Em 2011, Ronaldo Luís Nazário de Lima reconheceu a chegada da aposentadoria dizendo que tinha perdido a luta contra seu corpo. Sua carreira, na verdade, foi uma luta permanente entre talento versus joelhos. Quando o futebol venceu, Ronaldinho foi O Fenômeno, goleador absoluto em Copas do Mundo, com 15 gols, e ainda com o feito de ter jogado em rivais inconciliáveis da Europa - Real Madrid e Barcelona, e Internazionale e Milan, de Milão. Nas Copas, Ronaldo ficou famoso por suas conquistas, mas também por seus fracassos e por seus penteados exóticos.
Em 1994, nem precisou entrar em campo para se sagrar campeão, na Copa que foi de Romário e de Taffarel. Em 1998, chegava com o crédito de ter sido eleito por duas vezes melhor jogador do mundo, mas as exigências de patrocinadores, assédio da imprensa e problemas emocionais desencadearam uma convulsão algumas horas antes de ele entrar em campo na final com a França. Até hoje não se sabe realmente o que ocorreu no quarto em Lésigny, mas desta vez parece ter sido a cabeça de Ronaldo que não aguentou.
Em 2002, recuperando-se de lesões, o Fenômeno estava sob suspeita. E, aí, sob o comando forte de Felipão, e com a companhia de Rivaldo, Nazário fez os dois gols da final e foi eleito novamente o melhor jogador do mundo. Em 2006, ele já não era o protagonista: o quadrado mágico de Parreira tinha Ronaldinho Gaúcho como estrela, mais Kaká e Adriano. Fracasso novamente contra a França, com direito a Ronaldo levar um chapeuzinho de Zidane. Depois, a decadência física, a retomada heroica, mesmo que por pouco tempo, à frente do Corinthians. Até que o corpo venceu.
Ronaldo acumula títulos, quilos e polêmicas - envolve-se com travesti, mas é empresário bem-sucedido; faz e desfaz casamentos, mas ainda é adorado pelas torcidas do mundo, saudosas de suas arrancadas; participa de realitys shows de emagrecimento e agencia outros fenômenos como o lutador Anderson Silva.
Ele disse:
- Assim como dizem que eu estou gordo, dizem que o presidente (Lula) bebe pra caramba. Tanto é mentira que ele bebe pra caramba como é mentira que eu estou gordo.
Beckenbauer inventou uma posição
Franz Anton Beckenbauer nasceu em 1945, em meio a uma Munique devastada pela II Guerra Mundial. Talvez por isso tenha sido tão natural para ele inventar uma coisa nova, um corredor novo no campo, uma posição moderna de jogo: Beckenbauer redefiniu a condição de líbero, que, sob o regime daquele que foi chamado o Kaiser, jogava atrás dos zagueiros, mas tinha toda a liberdade, e o dever, de aparecer no ataque surpreendentemente.
Tendo construído sua carreira quase que exclusivamente no Bayern de Munique, foi no palco das Copas do Mundo que ele se inscreveu como um craque completo. Em 1966, coube ao novato marcar o consagrado Bobby Charlton a Inglaterra bateu a Alemanha na final, e Beckenbauer depois afirmou que a vitória ocorreu porque Charlton "jogou um pouco mais que ele". Em 1970, a Alemanha parou nas semifinais, superada pela Itália em um jogo dramático que Beckenbauer jogou parte do tempo com o braço em um tipoia pois tinha deslocado a clavícula.
Em 1974, havia a obrigação de a dona da casa vencer a Copa, naturalmente. Beckenbauer chamou a si o compromisso de engripar a Laranja Mecânica na finalíssima. Com a ajuda de Overath, Müller e Breitner, o Futebol Total de Cruyff e companheiros sucumbiu à disciplina germânica. Em 1977, seguindo a trajetória de Pelé, o Kaiser foi encher os bolsos no futebol do Novo Mundo, no Cosmos. Ainda tentou voltar à seleção em 1978, sem sucesso.
A volta do parafuso foi em 1990, quando, dirigindo a seleção da Alemanha Ocidental, Beckenbauer superou a Argentina de Maradona na final. Só o Kaiser e Zagallo têm o orgulho de dizerem que levantaram a taça como jogadores e como técnicos.
Ele disse:
- Para se ter sucesso como jogador, treinador ou dirigente é preciso ter muita disciplina, bastante sorte e nascer no país e no momento certos.
O cavalheiro Bobby Charlton
Há quem nasça para jogar e muito bem futebol. Mas Robert Charlton, ou Bobby Charlton, nasceu duas vezes com esse talento. Primeiro, foi em 11 de outubro de 1937, com consta na certidão. Mas a segunda vez foi em 6 de fevereiro de 1958, e foi bem mais dramática: Bobby foi um dos poucos sobreviventes do desastre que atingiu o avião que levava a equipe do Manchester United. A aeronave se incendiou próximo à cabeceira da pista de pouso do aeroporto de Munique, desestabilizada pela neve na pista e pelo mau tempo. Bobby teve três meses para se recuperar e ir à Copa da Suécia mas nem chegou a tocar na bola, até porque se ressentia do trauma de ter perdido oito colegas de time no desastre.
Na Copa de 1962, Alf Ramsey estava mais preocupado em armar a equipe para a Copa da Inglaterra, mas já se podia confirmar os talentos de Bobby Charlton: lançamentos longos e precisos, fintas desconcertantes, uma percepção exata de onde estavam seus companheiros em campo, os chutes de média e longa distância. Chegou 1966, uma Copa que se diz marcada pela violência, pelo pouco brilho técnico. Coube a Bobby Charlton comandar a Inglaterra em um exercício incansável de disciplina tática, e brilhar especialmente na partida contra a surpresa Portugal. Na final contra a Alemanha, coube ao jovem Beckenbauer marcar de forma impiedosa ao craque inglês - e vice-versa.
Na Copa do México, em 1970, já com 32 anos, Bobby assumiu uma posição em campo mais contida, começando a partida contra o Brasil, mas sendo substituído. Em 1974, recebeu o título de Sir da Rainha Elizabeth II - nada mais justo, Bobby sempre foi um cavalheiro, um romântico do esporte, cordato com o adversário, disciplinado com o juiz e, principal, generoso com o público, a quem ofereceu seu futebol de passadas e passes largos.
Ele disse:
- Para mim, um dia com futebol é como se fosse o dia de Natal para uma criança.