Lojas de portas fechadas e rodovia bloqueada foram marcas do protesto realizado nesta terça-feira por produtores rurais e comerciantes, no Norte, contra demarcações de terras indígenas. A situação regional é só uma parte do problema que causa tensão e incerteza em cidades e no campo.
No Estado, estima a Procuradoria-Geral, 60 mil hectares são reivindicados por indígenas, o que provocaria impacto econômico e territorial nos municípios e exigiria dos cofres R$ 2 bilhões para indenizações. A revolta dos 1,2 mil produtores rurais da região é resultado do risco de perder suas terras, especialmente após a publicação de uma portaria pelo Ministério da Justiça delimitando a área indígena Mato Preto, que abrange áreas em Erechim, Getúlio Vargas e Erebango, no Norte.
O procurador do Estado Rodinei Candeia, que atua no caso, contesta a decisão do ministério e diz que ingressará com medidas judiciais para anular o processo e a portaria, já que ela foi publicada antes que o Estado pudesse encaminhar defesa. Conforme Candeia, o processo ingressado pelo Ministério Público Federal para executar a sentença deveria ter incluído o Estado como parte e não o fez, o que é passível de anulação. Para o procurador, os laudos que embasaram a demarcação da área são uma fraude:
- O laudo antropológico foi feito por uma pessoa ligada direta e intimamente aos interesses indígenas.
O procurador salienta que existem hoje no Estado 41 reivindicações de áreas feitas por indígenas. Destas, 12 já estão em estudo pela Funai e outras cinco, que são regularizadas, têm pedidos de aumento de área. Os 60 mil hectares pedidos pelos índios equivalem a cerca de 72 mil campos de futebol. Ao preço médio de R$ 30 mil o hectare, estima Candeia, o valor pode significar R$ 2 bilhões em indenizações de terras. O total não inclui benfeitorias, cuja responsabilidade caberia à União. Nesse caso, o custo seria mais alto.
Confira alguns locais:
Terra Mato Preto - Abrangendo um perímetro de 30 quilômetros de Getúlio Vargas, Erebango e Erechim, passa para os indígenas 4.230 hectares de terras.
Terra Rio dos Índios - Em Vicente Dutra, a área já declarada como indígena abrange 711,7 hectares, onde funciona um balneário turístico com águas termais que recebe 15 mil visitantes por ano. Os indígenas da área residem em dois hectares dos 711 declarados.
Terra Mato Castelhano - A área reivindicada é de 22,5 mil hectares abrangendo terras dos municípios de Mato Castelhano, Ciríaco, Gentil e Marau. Além de milhares de hectares de terras agricultáveis de 1,3 mil propriedades rurais e parte do perímetro urbano dos municípios, a área deve tomar os 1.327 hectares da Reserva Ambiental Instituto Chico Mendes, de preservação permanente.
Uma reforma "às avessas"
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag) classifica as demarcações como uma reforma agrária às avessas. Muitas famílias que terão que deixar as terras vivem e produzem nestas áreas há mais de três gerações.
- Não somos contra os direitos dos índios, mas não podemos tirar o agricultor da terra onde ele está trabalhando há anos - afirma o vice-presidente da Fetag Carlos Joel Silva.
A maior preocupação da federação é a transparência dos laudos antropológicos. Um sociólogo foi contratado para ajudar a entidade a revisá-los. O diretor jurídico da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Nestor Hein, salienta que as demarcações atingem principalmente produtores com menos de 10 hectares e que este processo instalou a insegurança entre agricultores do Estado, nas áreas reivindicadas.
Funai quer liberação da área
Se depender da Fundação Nacional do Índio (Funai), em sete meses os agricultores que moram nos 4,2 mil hectares da área delimitada como Mato Preto devem deixar as terras, para que 14 famílias de guaranis tomem posse das propriedades.
Com a publicação da portaria e sentença judicial, a Funai agora terá 90 dias de prazo para demarcar fisicamente a área e mais 120 dias para que União e Estado indenizem os agricultores. Ao final de tudo, faltaria apenas o decreto de homologação da Presidente da República.
Conforme a assessoria da Funai em Brasília, a partir da publicação da portaria, os 1,2 mil agricultores que vivem na área precisam se retirar, pois sua permanência já seria considerada ilegal. A assessoria do Incra informou que o instituto e o Governo do Estado constituirão um grupo de trabalho para realizar o levantamento dos não indígenas interessados no reassentamento. Com base nesse trabalho, será elaborado um cronograma de realocação dos agricultores.