Faça um exercício de imaginação. Desconsidere que o Rush tem lançado uma média de um CD/DVD ao vivo a cada dois anos desde 2003 e finja que Time Machine 2011 - Live in Cleveland é o primeiro desde, digamos, Exit... Stage Left, de 1981, registro da turnê do grande álbum Moving Pictures, também daquele ano.
Pois Time Machine é o retorno, 30 anos depois, ao mais bem-sucedido disco de estúdio da banda canadense, cujas sete faixas são executadas entre as 26 do show - o mesmo setlist apresentado em São Paulo e no Rio de Janeiro em 2010.
Já na primeira música, The Spirit of Radio (que também abre Exit... Stage Left), uma diferença: Geddy Lee não canta com a mesma naturalidade (confira também Red Barchetta e Closer to the Heart). Mas o Rush está tecnicamente apurado como sempre. Remanescentes do tempo em que era preciso ser um músico bem acima da média para se destacar no rock, Lee (baixo), Alex Lifeson (guitarra) e Neil Peart (bateria) são o que pode se encontrar de melhor em suas searas.
Não deixa de ser curioso que o show, do título à cenografia, trate da questão do tempo. É sempre triste o momento em que os fãs devem admitir que sua banda favorita vive mais do passado do que do presente. Mas não há nada mais frustrante do que o momento em que a própria banda reconhece isso, retornando a Moving Pictures.
Time Machine é o retrato mais fiel que se pode fazer do Rush hoje: uma banda que continua afiadíssima no palco, mas que perdeu a capacidade inventiva. Boa parte do repertório - como a sequência que vai de Time Stand Sill a BU2B, que estará no próximo disco de estúdio - é da fase menos inspirada, ou seja, de meados da década de 1980 para cá. Claro que os fãs discordarão, mas os bons momentos desde então têm sido exceções. É verdade que as composições dos anos de ouro têm sido bem contempladas nos diversos registros ao vivo recentes, o que não invalida a constatação de que o setlist deste lançamento é irregular.
Apesar de tudo isso, o Rush ainda sabe dar ao público o que ele quer: um show inspirado, pontuado por clássicos como Freewill, 2112 (Overture e Temples of Syrinx), La Villa Strangiato e Working Man (estas duas no bis) e sempre otimista - Geddy Lee anuncia a chata Faithless, do disco Snakes & Arrows (2007), como uma de suas favoritas. Isso sem contar o sempre aguardado solo de oito minutos de Neil Peart.
É claro que o grande momento de Time Machine é o set com as músicas de Moving Pictures, com destaque para a sempre emocionante sequência com Tom Sawyer, Red Barchetta, YYZ e Limelight e para a pouco tocada The Camera Eye - mesmo que o som das vinhetas que precedem cada música no show se atravesse inexplicavelmente no início delas. Impossível negar: Moving Pictures é um disco raro na história do rock, que se pode ouvir em looping incansavelmente.
A cidade do show - Cleveland, no estado de Ohio - foi escolhida por ter sido, de acordo com o material de divulgação, a primeira a transmitir a música do Rush no rádio (o que justifica encerrar o show com Working Man, do primeiro disco, de 1974). Conhecidos por sua devoção, os fãs da banda ajudam a tornar este um bom DVD (o CD segue o mesmo setlist). Os rapazes das primeiras filas acompanham todas as músicas com air drums (o gesto de tocar uma bateria imaginária), performance na qual são acompanhados - surpresa - até por garotas. É a revanche da banda que ficou conhecida por ser objeto de culto de jovens nerds e hoje parece ter ampliado e diversificado seu público. Cantando inclusive as menos conhecidas, as gatinhas clevelandesas fazem o Rush parecer surpreendentemente... sexy.
O DVD ainda traz curiosidades como curtas-metragens que contam uma falsa - e divertida - história da trajetória banda, com a participação dos próprios músicos em caracterizações bizarras, e duas apresentações da década de 1970: Need Some Love, com a primeira formação da banda, e Anthem, já com Neil Peart na bateria. Mesmo em uma filmagem precária, dá gosto de ver o Rush no frescor da juventude. O desafio de uma banda longeva não é se equiparar ao passado de glória, mas renovar sua relevância no cenário da música atual. Quanto a isso, não há muito o que ser dito em benefício do Rush. Mas o solo de guitarra de Closer to the Heart - tocado igual à versão de estúdio de 1977 - continua lindo, trinta e cinco anos depois.
Lançamento
Rush homenageia álbum clássico no CD e DVD ao vivo "Time Machine"
Trio volta aos anos 1980 e resgata o bem-sucedido "Moving Pictures"
Fábio Prikladnicki
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