Em 100 dias, uma cena histórica correrá o mundo e fará com que bilhões de espectadores espalhados de norte a sul, leste a oeste, liguem seus televisores. Em 26 de julho, o Rio Sena será palco da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris, a primeira fora de um estádio, e cerca de 326 mil pessoas assistirão ao desfile de mais de 10 mil atletas em 180 barcos.
Com pouco mais de três meses para começo oficial do evento — as competições se iniciam dois dias antes —, Paris tenta superar vários desafios para entregar a Olimpíada prometida assim que foi anunciada como sede do maior evento multiesportivo do mundo.
Além da infraestrutura, principalmente de obras na cidade, a França terá de lidar com diferentes questões sobre a presença de atletas russos, ameaças terroristas e protestos espalhados pelo país. Ainda assim, os franceses garantem que estão preparados para sediarem os Jogos pela terceira vez na história (antes, foi sede em 1900 e 1924).
Obras e pouco entusiasmo
Se a expectativa no Brasil e em outros países é grande pelo começo dos Jogos, a situação na França é diferente. Uma pesquisa do instituto Ipsos, publicada recentemente, mostrou que apenas 53% dos franceses se dizem "interessados" nos Jogos, o que representa queda de oito pontos nos últimos seis meses.
A maioria dos entrevistados se diz "preocupada" com a capacidade da França de garantir que "tudo dê certo" nas Olimpíadas. Há pouco tempo também, a revista L’Obs relatou pouco entusiasmo dos franceses com o evento multiesportivo que se avizinha.
“Os Jogos de Paris estão se aproximando, mas o entusiasmo popular demora a surgir, e os medalhistas franceses estão arruinando a atmosfera”, escreveu em suas páginas.
O Brasil deve bater seu recorde de medalhas em Paris
Confira a coluna
O comentário da publicação vai ao encontro com que Teddy Riner, tricampeão olímpico de judô, falou ao canal de TV France 2, no final de fevereiro.
— A França não é um país para o esporte — disse um dos maiores nomes do esporte francês no último século.
Mas a fala do judoca é apenas uma das manifestações de esportistas na França. O nadador Florent Manaudou e a ex-velocista Christine Arron fizeram críticas nos últimos meses ao incentivo dos governantes franceses ao esporte. Tudo isso se reflete no interesse dos cidadãos de Paris na Olimpíada.
— A expectativa dos franceses é um pouco ruim. Primeiro que não estão falando muito nos Jogos. Segundo que estão se queixando de que vai estar cheio de gente, os preços vão estar mais caros e muita gente vai viajar no período. Nota-se que já tem mais decorações dos jogos na cidade. A Hotel de Ville (prefeitura) está decorada desde o início do ano, tem mais lojas e comerciantes pela cidade vendendo os produtos das Olimpíadas. Então, apesar das queixas, a cidade está cada vez mais no clima dos Jogos — conta o gaúcho Matheus Bebber, professor na Université Paris-Nanterre, que reside em Paris.
O pouco entusiasmo pode também ter a ver com as obras que Paris faz para receber os cerca de 7 milhões de turistas que estarão na cidade para os Jogos. Faltando 100 dias, existe a chance de a capital francesa não entregar todas as remodelações previstas.
— Logo que uma obra acaba, surge outra. Algumas linhas de metrô ainda estão fechadas no fim de semana para as obras. Tem bastante rua fechada também. Eu já escutei gente falando que vai ter obra que não será finalizada a tempo da Olimpíada, mas eles precisam parar com elas até um prazo "x” — completa o brasileiro.
A expectativa dos franceses é um pouco ruim. Primeiro que não estão falando muito nos Jogos. Segundo que estão se queixando de que vai estar cheio de gente, os preços vão estar mais caros e muita gente vai viajar no período
MATHEUS BEBBER
Professor na Université Paris-Nanterre e residente em Paris
Desde que o projeto olímpico de Paris foi divulgado, uma das questões fundamentais para os organizadores era a mobilidade. Segundo informações do COI, 100% dos atletas treinarão a menos de 20 minutos da Vila Olímpica e 60% deles trabalharão dentro do principal local em que residirão os atletas.
Além disso, 85% deles serão acomodados a menos de 30 minutos do local da competição. As autoridades asseguram, no entanto, que estão preparadas para receber o público previsto para os Jogos, especialmente em Paris e região, entre 26 de julho e 11 de agosto.
O plano da IDFM, a entidade regional dos transportes, prevê milhares de linhas especiais, assim como o reforço de linhas de metrô e ferroviárias que atendem os arredores da capital, com 15% a mais de trens, em média, em comparação com um verão normal.
Cerimônia de Abertura
Talvez a maior questão de Paris nos próximos 100 dias seja a cerimônia de abertura dos Jogos. Depois da certeza de que ela seria realizada no Rio Sena, a incerteza passou a predominar nos mais altos escalões franceses. A expectativa é de que ela realmente seja nas águas que atravessam a cidade, ao ar livre pela primeira vez na história.
A rota prevista começará em Pont d'Austerlitz e irá até Pont d'Iéna, passando ao lado de pontos turísticos como a Catedral de Notre-Dame, o Museu do Louvre e a Place de la Concorde. Ao longo da travessia haverá intervenções artísticas. Estima-se que 326 mil pessoas assistirão pessoalmente à cerimônia, bem mais do que seria possível em um evento tradicional em estádio.
Na última segunda (15), no entanto, enquanto realizava o início da contagem dos 100 dias para Paris, Emmanuel Macron, presidente da França, falou pela primeira vez que o local da cerimônia de abertura pode ser modificado em função do nível da ameaça terrorista.
— Esta cerimônia de abertura é inédita no mundo. Podemos fazê-la e vamos fazê-la. Faremos uma análise em tempo real dos riscos — disse Macron em entrevista ao canal BFMTV e à rádio RMC. acrescentou.
Esta cerimônia de abertura é inédita no mundo. Podemos fazê-la e vamos fazê-la. Faremos uma análise em tempo real dos riscos
EMMANUEL MACRON
Presidente da França
A primeira opção seria realizar a cerimônia de abertura no Trocadero. Outra possibilidade é que o evento aconteça no Stade de France, em Seine Saint Denis, nos arredores de Paris.
Investimento francês
Paris tinha pretensão de fazer Jogos com menos gastos, também pela pouca construção de estruturas para receber as modalidades. A ideia do Comitê Organizador Local e do Comitê Olímpico Internacional é aproveitar vários pontos turísticos da cidade como cenário para jogos e competições. Segundo a organização do evento, 14 locais excepcionais compõem um conceito compacto, com 24 esportes olímpicos (de 32) localizados a 10 km da Vila.
Apesar disso, os gastos devem superar o que estava previsto quando a França foi escolhida como sede do maior evento multiesportivo do planeta. Conforme o Tribunal de Contas da França, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris poderão ter um custo de até 5 bilhões de euros, equivalente a R$ 27 bilhões, para o governo francês. O valor foi apontado pelo presidente do órgão, Pierre Moscovici, que apresentou os números em caráter de estimativa.
— Ainda não sabemos o custo certo. O tribunal de contas irá auditá-las depois dos Jogos — disse Moscovici, em entrevista à rádio France Inter.
A estimativa inclui apenas os gastos públicos para a realização do grande evento. Na soma total dos custos, incluindo o investimento feito pela iniciativa privada, as cifras devem alcançar os 9 bilhões de euros, algo em torno de R$ 48,6 bilhões.
As diferentes administrações públicas francesas já investiram mais de 2,4 bilhões de euros (cerca de 13 bilhões de reais) em infraestruturas, trabalho urbano, mas também no laboratório antidoping, por exemplo.
Desconhece-se por enquanto o montante final, no qual será preciso incluir o custo de segurança e os bônus pagos aos funcionários públicos, entre eles os policiais.
Segurança em alerta
O terrorismo e os ataques cibernéticos tornaram-se os grandes desafios dos Jogos Olímpicos de Paris, principalmente desde outubro, quando um homem matou um professor em uma escola no norte do país. Dois meses depois, uma pessoa morreu e outras duas ficaram feridas depois de um ataque a turistas no centro de Paris, perto da Torre Eiffel. Além disso, alertas de bombas em atrações turísticas como Museu do Louvre e Palácio de Versalhes aumentaram.
A França, no fim de março, elevou o nível de alerta de segurança para o máximo após o atentado da semana passada em uma casa de shows de Moscou, que deixou ao menos 143 mortos. A soma desses fatores fez com que as autoridades francesas pedissem para outras nações apoio na segurança, algo comum em eventos deste porte.
"Várias nações estrangeiras vão reforçar a segurança em algumas áreas críticas, como as capacidades de gestão de cães, onde as necessidades são enormes durante os Jogos Olímpicos", afirmou o Ministério da Defesa.
Para a cerimônia de abertura, as autoridades da França anunciaram o envio de 45 mil agentes de segurança para a região de Paris. Durante os Jogos, 18 mil soldados franceses serão destacados, além de outros 35 mil agentes de forças de segurança.
Conforme Gérald Darmanin, ministro do Interior, a polícia, a força de segurança nacional e os serviços de inteligência franceses "estarão prontos" para garantir a segurança do evento.