Neymar se mete entre os zagueiros, prende, demora a acionar o companheiro. Fica encaixotado na marcação, preso pelo próprio egoísmo. Perde a bola e o odiamos, como quando escorrega em uma declaração ou tem ataques de fúria que tiram cartões vermelhos dos bolsos dos árbitros.
Mas também domina uma bola que vai lá no alto e a deixa ao seu lado, depois faz um zigue-zague improvável entre os defensores, leva-os à loucura e toma uma pancada. E se levanta. E se prepara. E coloca a bola onde só ele sabe, na popular coruja, com direito a toque no travessão, que é para dar mais drama. Nos leva a um alegre delírio e, de repente, o amamos, como no sábado, quando nos deu nosso primeiro ouro olímpico.
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É difícil gostar de Neymar, mas também é fácil. Não se passaram nem duas semanas de um tempo em que riscar seu nome da camisa do Brasil fazia todo sentido. Por que mesmo?
Porque ele era arrogante, não sabia lidar com as críticas. Porque as arrancadas davam em nada, ficava perdido em um mar de pernas adversárias que eventualmente brecavam seu avanço. E se irritava, parecia um menino mimado, como parece muitas vezes.
Só que olha lá: ele deu um tapa na bola e agora corre feito um papa-léguas pela esquerda, sendo que o pobre coiote é um assustado lateral alemão. Dá pra "desriscar" a camisa? Ele tirou outro alemão pra dançar e deu um chute colocado, do lado da trave. Traz essa caneta pra cá.
Mas o jogo está no final, empatado, ele domina e o Douglas Santos passa livre do lado esquerdo. É só tocar, o lance é como o de Pelé para Carlos Alberto na Copa de 1970, só que ele quer ser o herói do ouro, não basta servir de garçom. Resolve chutar e manda prensado na defesa.
Vêm os pênaltis. E lá vai ele, caminhar a caminhada longa do meio-campo até a goleira. É só fazer que é campeão, é só errar que vira uma Geni. Vai, você vai nos redimir.
Ele que caminha meio manco porque um pique na prorrogação terminou com mão na perna e cara de dor. Ele que, mesmo assim, bate preciso, faz estufar a rede e dá início à mais explosiva comemoração do novo Maracanã. E chora, chora e chora. Chora com as mãos no rosto enquanto ouve que "é campeão", algo com que deve ter sonhado ouvir há dois anos.
Já o amamos de novo. É nosso herói. É uma lenda. Até o próximo deslize, o próximo fracasso, a próxima camisa riscada.