Eles não se conhecem. Moram em cidades diferentes. Trabalham nos bastidores de clubes rivais. Ainda assim, comungaram de um mesmo sofrimento. Em maio viram suas paixões e suas primeira e segunda casas serem devastadas pela enxurrada de água que caiu do céu no Rio Grande do Sul. A vida ainda não voltou a ser como era antes daqueles dias de chuva. O Gre-Nal 443 será mais um tijolo colocado na reconstrução do antigo cotidiano.
Petterson Pedroso Santos estará nos corredores do Beira-Rio no clássico de sábado (19) auxiliando na solução de problemas estruturais que possam acontecer. Luis Fernando Cardoso se posicionará na porta do vestiário do Grêmio para garantir a segurança de atletas e dirigentes tricolores no jogo das 16h. Auxiliar de manutenção do Inter, Petterson viu sua casa, em Eldorado do Sul, ser engolida pela enchente. Fernandão, chefe de segurança do Grêmio, preferiu não ver o primeiro andar de sua residência, em Canoas, ser consumido pela enchente.
— Minhas três paixões, minha família, minha casa e o Inter (foram atingidos). Perdi tudo. No serviço também aconteceu essa fatalidade, que a gente reconstruiu tudo de novo — conta Petterson.
Há cinco anos no setor de manutenção do Inter, realizou jornada dupla para deixar o Beira-Rio apto para sediar partidas e o CT Parque Gigante para receber treinos. Quando o estádio reabriu seus portões para abraçar os colorados, no começo de julho contra o Vasco, o clube homenageou 114 dedicados funcionários que permitiram a volta para casa. Petterson foi escolhido pelos colegas como o símbolo de esforço.
— Me arrepiei todinho. Mais de 35 mil torcedores batendo palma. Uma coisa muito emocionante. Muito emocionante mesmo. Eu tenho a plaquinha ao lado da minha cama. Todo dia quando eu vou dormir, eu olho para a placa — conta.
Petterson encontrou cenários semelhantes nas dependências do Inter e em sua casa, em Eldorado do Sul. Quando saiu para trabalhar, a água batia na canela. Quatro horas depois, recebeu ligação da mãe. Do outro lado da linha vinha a informação de que a casa estava quase submersa. Ao retornar, a água batia no seu peito.
— Sai só com o que tinha no corpo.
Morou em abrigos por quase dois meses. Ainda em maio, conseguiu um barco para ver o cenário. Enxergou apenas o telhado da casa. Da porta para dentro nado se salvou.
Fernandão não olhou para trás. Saiu da sua casa de dois andares, em Canoas, quando viu a água descendo pela rua. Foi morar com o filho. Voltou apenas 28 dias depois. Sequer tem imagens da devastação. No primeiro piso de onde mora pouco restou.
— Foi instinto, acho. De sair antes do que acontecesse. A imagem de chegar em casa é como se alguém tivesse pegado tudo o que tinha dentro da casa e revirado. Estava a sala na cozinha, a cozinha na sala, estava tudo trocado. Como se alguém tivesse entrado lá e tivesse feito uma mudança — relata.
São 24 anos protegendo os jogadores gremistas. Nesse período de serviços prestados, evitou brigas, separou tantas outras, trabalhou na Seleção Brasileira, em Copa do Mundo e Olimpíada. Apesar do corpanzil, não teve forças para evitar a destruição da natureza.
— Tem coisas que não tem o que fazer. As coisas da natureza, nós temos que olhar, rezar e tentar ajudar quem precisa — pondera.
Depois de tantas dificuldades, Fernandão, nas entrelinhas, gostaria de ter pouco trabalho no sábado.
— Eu acho que vai ser bacana. Espero que tudo transcorra da melhor maneira possível. Que não tenha nenhuma adversidade. Que só tenha jogo — almeja, o que talvez seja um tijolo grande demais para a normalidade de um Gre-Nal.
No Globo Esporte desta quarta-feira (16), às 13h15min na RBS TV, confira mais detalhes sobre as histórias de Petterson e Fernandão. E suas expectativas para o primeiro clássico em Porto Alegre após a enchente. Torcedores e dirigentes serão retratados também até sexta-feira (18).