Entre 1988 e 27 de julho de 2023, ninguém na América do Sul correu os 100m mais rápido do que Robson Caetano. Em uma única prova, o recorde que durava 35 anos foi batido por três atletas. Na final do Campeonato Sul-Americano de Atletismo, disputada em 27 de julho, o surinamês Assinga Issamade chegou em primeiro com o tempo de 9s89, seguido pelo brasileiro Erik Cardoso (9s97) e o colombiano Ronald Mosqueira (9s99).
A tarde histórica viu Erik se transformar no homem mais rápido do Brasil. Junto com a honraria, o velocista de 23 anos conquistou índice para os Jogos Olímpicos de 2024. A marca para ser batida era exatamente o recorde anterior.
Os critérios de classificação das provas olímpicas do atletismo permitem até três atletas por país. Os 9s97 deixam a sua ida para Paris próxima, mas não garantida. Ele faz parte de uma geração em que mais atletas devem baixar a marca de 10s. Felipe Bardi, Paulo André e Renan Gallina são as principais ameaças a Erik.
O recordista está, no momento, em Portugal para um período de treinos onde se prepara para o Mundial de Budapeste, entre 19 e 27 de agosto. De terras lusitanas, Erik atendeu a reportagem de GZH para falar sobre seu recorde, o futuro e o seu início no esporte.
Como é ser o homem mais rápido do Brasil?
Então, graças a Deus e Nossa Senhora a gente vem trabalhando duro. O nosso objetivo, eu como atleta e quanto equipe, eu e meu treinador e todos que estão com a gente, era de melhorar o nosso resultado. No caso, a gente sempre quis melhorar a marca. Comecei na casa dos 11s, aí entrei nos 10 segundos. Corri 10s30, 10s20. Depois, 10s10 e 10s01 e depois também 9s97. Então, o objetivo sempre foi ir melhorando as marcas pessoais e as posições em ranking. As competições internacionais vinham como consequência.
Quando você começou a achar que quebrar a barreira dos 10s era alcançável?
Lá em 2021. Naquela competição corri 10s01 (Brasileiro de Atletismo Sub-23), o que foi uma surpresa para mim. Então, desde aquela época. Como eu disse, nosso objetivo foi sempre melhorar a nossa marca pessoal. Eu sabia que qualquer coisinha que pudesse melhorar, eu poderia correr em 10s ou 9s99. Então, graças a Deus estava próximo.
Agora que a marca dos 10s foi quebrada, até onde dá para evoluir? Tem algum tempo que é teu tempo-alvo a partir de agora?
Acho que agora é continuar o trabalho. Só Deus sabe o quanto eu posso correr, o meu limite. Acredito que com o trabalho duro eu vou melhorar as marcas para, como eu disse na primeira pergunta, sempre melhorar a marca pessoal. A gente vai trabalhando duro para conseguir melhorar os resultados.
Estamos a um ano dos Jogos Olímpicos de Paris. Ter alcançado o índice com tanta antecedência vai te deixar mais leve para as competições que estão por vir até os Jogos? Temos ainda um ano. Como você disse, dá tranquilidade de entrar nas competições. Mas toda competição que tiver a gente entra firme para melhorar nossa marca porque tem muitos atletas ainda para correrem esse índice. Tem o Felipe Bardi, que treina comigo, entre outros atletas que você vê no cenário nacional. Então, a gente não tem espaço para descansar.
O recorde do Robson Caetano durou muito tempo. Quais as razões de ter tanta gente que apresenta capacidade para correr abaixo dos 10s?
Realmente não sei. Temos muitos brasileiros com potencial de correr. É só ver as marcas, praticamente todas estão na casa de 10s00 ou qualquer coisa assim. Então, acho que é um espirrãozinho que quando for da vontade de Deus (vai acontecer), acredito que eles também vão conseguir fazer essa marca. É uma questão de tempo para outros atletas também correrem (abaixo de 10s). Vamos cada vez mais entrar nessa disputa com todo mundo evoluindo junto para cada vez mais também levar o nosso país para o cenário mundial.
É uma questão de tempo para outros atletas também correrem (abaixo de 10s). Vamos cada vez mais entrar nessa disputa com todo mundo evoluindo junto para cada vez mais também levar o nosso país para o cenário mundial
ERIK CARDOSO
Recordista brasileiro dos 100m
O Brasil sempre teve tradição no revezamento 4x100. Parece que o time que vocês estão montando nesse ciclo é mais um time forte que pode disputar as primeiras posições nas Olimpíadas?
Esse é o caminho. A gente está trabalhando duro para isso. Inclusive, estamos em um camping internacional em Portugal. Vamos treinar 10 dias aqui e depois seguimos para o Mundial, em Budapeste. Lógico, já com olhar para Paris também. Nosso time do Brasil tem uma tradição de anos. A gente está trabalhando duro para poder estar entre os melhores lá nos Jogos Olímpicos de Paris.
O que você acha que fez vocês darem esse salto de maneira integrada?
Em 2018, um treinador americano chamado Loren Seagrave auxiliou bastante o Comitê Olímpico do Brasil com os velocistas e treinadores da época. Isso com certeza ajudou bastante. O Darci vem trabalhando duro com a gente, com os ensinamentos desse cara, assim como os outros treinadores também tiveram acesso. Então é um processo de evolução, temos vários brasileiros podendo correr essa marca.
O que o Loren Seagrave agregou no treinamento que vocês estão fazendo?
Acredito que na postura de corrida ajudou bastante. Foi isso, principalmente na postura de corrida. Nos 100m temos fases, e elas ficaram mais claras as posturas que deveríamos fazer nas determinadas fases, o que ajudou bastante.
Voltando a questão do recorde. Ele era um pouco incômodo para atletismo brasileiro. Vocês se sentiam pressionados a bater essa marca do Robson Caetano?
Com certeza tinha o pessoal que criava uma expectativa diante deste recorde de vários anos. Mas meu objetivo foi sempre melhorar a minha marca. Principalmente quando a gente é criança, quando se está toda competição melhorando a marca. Entre aspas, a pressão que eu criava era em cima de mim mesmo, de correr perto do meu melhor resultado e melhorar o meu resultado pessoal. Como consequência, veio o recorde.
Você comentou que no começo as marcas melhoram rapidamente. No momento atual, como é o trabalho mental para o trabalho duro para baixar o tempo?
Quando a gente inicia, tem muita, mas muita coisa para melhorar. O nosso corpo tem que maturar ainda, além da parte técnica. No começo, a gente erra praticamente tudo, quando acerta uma coisinha baixa bastante o tempo. Quando a gente fica um pouco mais velho, aí são mais detalhes a melhorar. Diante desses detalhes, a gente tem de se concentrar bastante para melhorar nosso resultado. Um detalhezinho faz toda a diferença. A psicologia ajuda bastante a gente a se concentrar no que tem de fazer. De se concentrar da melhor forma possível para que a gente possa realizar determinada ação e concentrar nesses detalhes para que a gente possa melhorar nossa marca. Com certeza, tem toda uma questão de concentração, uma questão de coragem, uma questão de fé. A psicologia ajuda bastante a gente.
A pressão que eu criava era em cima de mim mesmo, de correr perto do meu melhor resultado e melhorar o meu resultado pessoal. Como consequência, veio o recorde.
ERIK CARDOSO
Recordista brasileiro dos 100m
Conta um pouco da tua história. Você não começou correndo, é isso?
Comecei com 12 anos de idade no Sesi-SP (clube que ainda defende), o Darci e a Rosana (técnicos de Erik) sempre falam que o atletismo é correr, saltar e lançar. Então, corria, fazia saltos, arremessos, lançamentos, fazia de tudo. Chegou um momento na minha carreira em que comecei a me especializar um pouco mais. Me especializei nos lançamentos e arremessos e na corrida, lá pelos 15, 16 anos. Fazia lançamento e arremesso e ainda corriam um pouco. Ajudou bastante esse lance de eu ocorrer, de eu saltar. No período em que comecei a lançar e arremessar, fui criando cada vez mais força, cada vez mais potência. O que me ajudou na hora de correr. Transferi a força para a corrida. Ajudou bastante esse desenvolvimento que tive na base de correr, saltar, lançar, arremessar. A diversidade me auxiliou no momento em que me especializei na corrida, que foi por volta dos 16 anos, quando entrei na casa dos 10s.