Em 4 de outubro o futebol gaúcho viveu uma de suas noites mais tristes. O árbitro Rodrigo Crivellaro entrou em campo caminhando e saiu de ambulância na partida entre Guarani-VA e Rio Grande, em Venâncio Aires. Ele foi vítima da ira do meia Willian Ribeiro, da equipe da Zona Sul do estado, em jogo válido pela Divisão de Acesso do Gauchão. Após receber cartão amarelo, o jogador desferiu um soco em Crivellaro, que caído no chão foi atingido por um chute na cabeça e ficou desacordado.
O personal trainer de 29 anos deixou o hospital usando um colar cervical, seu companheiro pelos últimos três meses. Recuperado das sequelas da agressão, retomou a vida normal apenas no começo do ano. Abaixo, confira a entrevista em que Crivellaro conta como foi a sua recuperação, o que ele sente sobre aquela noite e a retomada da carreira de árbitro.
Como está a vida depois de tudo o que aconteceu?
Tudo voltou ao normal, graças a Deus. Voltei a apitar na várzea, em eventos solidários. Tudo normal. Voltei a trabalhar presencialmente também, tenho minha carreira de personal trainer.
Quanto tempo durou a recuperação?
Durou os 90 dias bem exatamente. Deu ali no início do ano. Em 4 de janeiro fechou os 90 dias e voltei a trabalhar.
Financeiramente, como foi esse período sem poder trabalhar?
O árbitro é autônomo. Tive todo o auxílio da Federação Gaúcha de Futebol e do Sindicato dos Árbitros. Eles me deram um auxílio financeiro nesses meses para me ajudar porque presencialmente eu não podia trabalhar. Me ajudaram e eu pude sobreviver financeiramente. Tive que parar total.
Como foi voltar a apitar?
Apitei um jogo aqui em Santa Maria, na várzea. Foi supertranquilo. Não tive nenhum receio, nenhum medo. Pelo contrário, estava bem seguro e à vontade dentro do campo. Deu tudo certo. É o meu hobby, mas eu amo fazer.
O que tu pensa em fazer daqui para frente em relação à arbitragem?
Vou seguir me dedicando como sempre me dediquei. Espero ter oportunidades nos próximos anos de alavancar a carreira, chegar na Série A do Gauchão e, quem sabe, mais longe. Mas sem deixar de lado a minha profissão. O meu trabalho é de profissional trainer. Me dedico bastante à arbitragem, estudo. Toda semana estou correndo, semana que vem tem o teste físico. Estou dando o meu máximo para passar no teste, mesmo depois de tanto tempo parado.
Como tu tens saído nessa preparação para o teste?
Uma semana parado a gente já perde de 10% a 20% de força e condicionamento físico. Imagina ficar mais de 60 dias parado. Só depois que comecei a fisioterapia e a me mexer um pouquinho. Então, praticamente, estaca zero. Estou no limite. Vou para o teste físico sem estar 100% fisicamente, mas quase lá. Vai dar para passar, mas não vai ser fácil. Fiquei muito tempo parado. Se não conseguir, tem o reteste físico em fevereiro.
Tu eras um árbitro em ascensão, já conversou com a Federação para voltar?
Me deram todo o apoio. Disseram para eu não desistir e seguir fazendo o que estava fazendo. Naquele jogo fatídico em que aconteceu tudo, eles estavam me analisando e fui muito bem no jogo, até acontecer o que aconteceu. Eles dizem que apostam em mim. Vão seguir me analisando para, quem sabe, me darem uma chance no futuro.
Apitei um jogo aqui em Santa Maria, na várzea. Foi supertranquilo. Não tive nenhum receio, nenhum medo.
RODRIO CRIVELLARO
Árbitro
Tu tens um projeto para ter uma chance no Gauchão?
Sempre acreditei nisso. Tudo na vida tem que acreditar. Senão, nunca vai dar certo. Acho que ano que vem, em 2023, eles me chamam para a pré-temporada que tem em Flores da Cunha. Se me chamarem, talvez eu esteja na Série A do Gauchão como quarto árbitro no primeiro ano.
Antes daquele dia tu já tinha tido confusão dentro de campo, dizem que na arbitragem o batismo é sair escoltado pela polícia?
Escoltado pela polícia já, mas agredido, não. No profissional, nunca. Só a questão da polícia que às vezes acontece. Na várzea, já tomei uns petelecos, mas nada tão grave quanto o que aconteceu em Venâncio (Aires).
O que ficou daquela situação em Venâncio Aires?
Aprendizado. Mudei minha cabeça. Estou muito mais forte mentalmente. Cresci como profissional e como pessoa. Esse tempo parado deu para pensar muito na vida, no meu futuro. Tudo que acontece de ruim, vem para que algo melhor aconteça no futuro. Então, coisas melhores virão pela frente.
De que maneira a situação te transformou?
É pensar mais na família. Esse foi o aprendizado maior. Pude ficar mais tempo com o meu filho (Alexandre, de um ano e cinco meses). Pensar mais em família e menos em trabalho. Às vezes a gente quer trabalhar e ganhar dinheiro e acaba esquecendo um pouco da família, que é o bem maior e o que a gente mais ama nesse mundo. Esse foi o maior aprendizado.
Tu ainda pensa naquele lance?
Não digo todo dia, mas toda semana vem na mente alguma coisa, vem algum lance. Não tem como não ser assim. Mas não me deixa mal. Superei isso. Vida que segue.
O que tu pensa sobre o Willian Ribeiro?
Já falei com psicólogo e com várias pessoas. Não sei como é a vida dele. Devia estar num estado de estresse emocional muito grande para fazer o que ele fez. Precisa procurar ter autocontrole, vai precisar de tratamento psicológico, psiquiátrico, como estou tendo. O emocional às vezes é inexplicável. Foi um "boom", como se diz, que aconteceu na hora e ele fez o que fez. Claro que ele exagerou. Vai precisar melhorar o autocontrole se quiser voltar a jogar bola.
Toda semana vem na mente alguma coisa, vem algum lance. Não tem como não ser assim. Mas não me deixa mal.
RODRIGO CRIVELLARO
Árbitro
Ficou algum ressentimento em relação a ele?
Nenhum, sendo bem sincero. Se eu ver ele em campo de futebol de novo, vou continuar fazendo o trabalho da mesma forma que sempre faço, sendo imparcial, cumprindo a regra do jogo.
O que tu buscaste no tratamento psicológico?
A psicologia me ajudou a controlar o estresse. Imagina, um cara superativo que ficou 90 dias parado em casa? Isso gera um estresse, muda toda a rotina. E para voltar com a mente mais forte quando voltar à arbitragem. Melhorar a mente, é nisso que a psicóloga está me ajudando.
Não ficou nenhum tipo de trauma?
Não. Como falei, o jogo que apitei foi supertranquilo, sem receio, nada. Claro que, daqui a pouco, no profissional, valendo, não sei qual será minha reação. Em abril começa a Divisão de Acesso. Sempre fui tranquilo dentro de campo. Nunca fui de me estressar e gritar. Talvez eu cuide um pouco mais para dar um cartão e não virar o rosto.