Era por volta das 3h da madrugada de 29 de novembro de 2016 quando meu celular tocou no chão, ao lado cama, em Porto Alegre.
— Lopes, vamos para Medellín?
Desorientado, demorei alguns segundos para identificar a voz do editor Nilson Vargas:
— Caiu o avião da Chape.
Avião? Chape? Medellín? Levei ainda outros longos segundos para ligar, mentalmente, o carinhoso apelido como a equipe catarinense é chamada com a ideia de avião e sua conexão com a cidade dos andes colombianos. Por força do hábito, acostumado a ser convocado para missões jornalísticas mundo afora, meu cérebro, depois de pegar no tranco, no meio da madrugada, costuma imediatamente se perguntar: que horas sai o primeiro voo? Como chegar mais rápido ao destino?
Por uma conjunção de fatores, que envolvem sorte, a rápida tomada de decisão de viajar, que coloca em movimento uma azeitada equipe de apoio de GZH, responsável pela logística, eu e o repórter fotográfico Bruno Alencastro em poucas horas estaríamos pousando na mesma pista que o avião da Chape não alcançara.
Do aeroporto de Medellín, tomamos um táxi e rumamos para o mais próximo possível do local da tragédia. Já testemunhara guerras, terremotos, furacões em minha vida de repórter, mas o que vivenciaria a partir daquele telefonema me marcaria de forma diferente. Pela primeira vez, eu cobria fora do Brasil uma tragédia envolvendo brasileiros. E isso faz muita diferença.
Depois de nos embrenharmos por cercas de arames farpados, abrindo porteiras e caminhando no mato, eu e o Bruno avistamos do alto de uma colina os destroços do avião, que repousava como um pássaro abatido no meio do descampado. Os corpos já haviam sido recolhidos, mas restavam ali objetos que contavam a história de cada um dos passageiros — ou, ao menos, o que faziam na hora que o horror se abateu sobre eles: uma Bíblia perto do que sobrara da turbina, uma prancheta mais próximo da cauda e coolers daqueles utilizados à beira do campo, com isotônicos para repor líquidos e sais minerais dos atletas, jogados a alguns metros da fuselagem.
Esse foi nosso primeiro contato com a tragédia. Viriam outros momentos impactantes naqueles dias seguintes em que a simples informação de que éramos procedentes do sul do Brasil provocava, na reação dos colombianos, palavra de conforto, como se nós, jornalistas, fôssemos também parte de uma família enlutada.
No dia marcado para o jogo com o Atlético Nacional, decidi que subiria degrau por degrau a escada que liga os vestiário ao gramado do Estádio Atanasio Girardot. Era minha humilde homenagem aos jogadores da Chape que não poderiam cumprir aquele trajeto. Ao vivo, na Rádio Gaúcha, iniciei uma contagem:
— Um, dois, três, quatro, cinco…
E fui subindo. Quando pisei no gramado, uma multidão de torcedores do Nacional gritava o nome da Chape. Meus olhos percorreram os 360 graus da arquibancada, e a emoção tomou conta a ponto de eu não conseguir continuar a narração na Gaúcha. Engasguei. Pedi desculpas aos ouvintes. Naquele momento, ato mais esperado de uma partida que nunca ocorreu, os mais de 4 mil quilômetros entre Chapecó e Medellín desapareceram. Todos os colombianos eram, naquela noite, chapecoenses.