SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A pausa no futebol forçada pela pandemia do coronavírus tem servido, ao menos, para encher de nostalgia o telespectador dos canais esportivos, que ganhou a oportunidade de relembrar com as seguidas reprises alguns jogos históricos.
Neste sábado (11), a partir das 17h30, o SporTV exibe o duelo entre Brasil e Itália na Copa do Mundo de 1982, capítulo final de uma série de retransmissões daquela campanha brasileira que começou na última terça-feira (7) e terminará, assim como o próprio Mundial canarinho há 38 anos, na derrota para os italianos.
Das memórias revividas pelos torcedores nas últimas semanas, a chamada "Tragédia do Sarriá" ainda causa dor e, paradoxalmente, saudade em muitos torcedores brasileiros, atados emocionalmente ao futebol de outrora e, particularmente, àquela seleção comandada por Telê Santana.
Já na lembrança dos vencedores e futuros campeões do mundo, é claro, não há paradoxo algum e muito menos dor ao recordar aquele 5 de julho em Barcelona.
"Para muitos italianos, o futebol nasceu e morreu ali. De fato, nada tão belo aconteceu de novo. Nós ainda temos a memória indelével daquela tarde de verão", diz à reportagem o escritor italiano Piero Trellini, autor do livro "La Partita" (A Partida) e que tinha 12 anos quando viu, pela TV, os três gols de Paolo Rossi que derrubaram o Brasil.
Trellini reconstrói nas 624 páginas de sua obra os acontecimentos daquele Itália 3 x 2 Brasil. Na busca pelos porquês que levaram ao triunfo da Azzurra, o autor voltou cem anos antes do 5 de julho de 1982 para tentar entender, nas sociedades italiana e brasileira, as origens do Sarriá.
"Um evento, seja lá qual ele for, é também um ponto de chegada."
Apesar de seu envolvimento emocional com o fato, ele diz que seu livro, lançado em 2019, "não tem um lado".
Essa busca pela imparcialidade no relato está, por exemplo, na tentativa de desmistificar alguns lugares-comuns da explicação brasileira para a derrota e que, de tanto serem repetidos, acabaram virando verdade também para os europeus.
"O livro simplesmente conta as histórias sem considerar todos os clichês relacionados ao jogo. Aquela foi a única derrota do goleiro Waldir Peres com o Brasil. Serginho [Chulapa], considerado por alguns como o elo fraco, era um goleador irresistível, que ainda permanece como o maior artilheiro da história do São Paulo", afirma.
No livro, além de discutir os mitos que foram eternizados como desculpa para a queda no Mundial da Espanha e a pesquisa sobre a sociedade tupiniquim, a composição do lado brasileiro da história não se limita aos jogadores, alguns deles entrevistados pelo autor.
Piero Trellini também trouxe para a sua narrativa figuras que estão, direta ou indiretamente, associadas à memória coletiva do Brasil naquela Copa do Mundo, como o então jovem José Carlos Vilella, que estampou com cara de choro a histórica capa do "Jornal da Tarde"; Pacheco, o torcedor símbolo, e o jornalista brasileiro João Batista Scalco, à época fotógrafo da revista "Placar", que registrou o grito de Falcão no segundo gol contra os italianos e, internado às pressas na Espanha, não pôde fotografar a final -Scalco teria uma série de complicações de saúde e morreria em 1983.
Trellini conta que o sucesso italiano em 1982 marcou uma espécie de ruptura, mesmo que momentânea, no futebol do país. O técnico Enzo Bearzot abandonou o tradicional jogo defensivo do "catenaccio" para adotar uma estratégia mais ofensiva -ao menos para os padrões italianos- que perduraria por mais algumas Copas.
Auxiliares de Bearzot na Espanha, Azeglio Vicini e Cesare Maldini seguiram com essa corrente quando assumiram o comando da seleção e levaram a equipe, respectivamente, à semifinal de 1990 e às quartas de 1998. Ambos foram eliminados nos pênaltis, assim como a Itália de Arrigo Sacchi, na final de 1994, justamente contra o Brasil.
A Azzurra só voltaria a levantar a taça de campeã mundial na edição de 2006, na Alemanha, com um futebol mais afeito às tradições nacionais.
"Foi emocionante vencer em Berlim, mas não como em 1982", diz o escritor.
A impressão do autor italiano é, de certa forma, a visão que se tem do futebol brasileiro entre o tri em 1970, que encantou o mundo e eternizou o que é considerada a maior seleção da história, e a conquista do tetra em 1994, com um futebol mais pragmático e europeizado.
Porém, de todos os fracassos mundiais nesses 24 anos, talvez somente o de 1982 seja de certa forma perdoado como o time que, apesar de ter perdido, não deveria ter jogado outro futebol senão o que por fim jogou.
"Impossível não ficar entristecido com o destino daquele esplêndido Brasil [de 1982]. Porque era belo como um Deus e somente como uma divindade poderia ter um calcanhar de Aquiles. E não era um jogador. Sua fraqueza estava na própria condição da beleza. A fragilidade. No fim das contas, a memória faz justiça àquele Brasil porque a beleza não é esquecida. Fica para sempre", completa Trellini.