Cansado das reclamações dos jogadores, Rubens Minelli resolveu não dizer nada. Passou 45 minutos calado. Se aquele time do Inter, campeão brasileiro de 1975, achava que o esquema tático era rígido demais, que atuassem como quisessem. No intervalo, o clube gaúcho perdia por 2 a 0.
— Vamos combinar uma coisa? Com a bola, façam o que vocês quiserem. Sem a bola, façam o que eu mando! — pediu o treinador. O placar final foi 3 a 2 para o Inter.
Em seu apartamento próximo à Avenida Paulista, em São Paulo, Minelli se diverte ao contar histórias como essa. Às vezes, ele perde a linha de raciocínio, mas as lembranças fluem, assim como as opiniões de quem passa os dias assistindo às partidas pela televisão. A última vez em que esteve em um estádio de futebol aconteceu em janeiro. Foi homenageado pelo Palmeiras, o clube onde, meio sem querer, começou a carreira.
Quatro vezes campeão brasileiro por três clubes diferentes e revolucionário tático do futebol nacional, Minelli continua curioso e todo esse interesse faz com que perca a paciência. Seja com a qualidade dos jogos ou com as queixas dos técnicos do país pela vinda de profissionais do Exterior:
O futebol está feio, não é? É uma mesmice muito grande. Sem falar na violência, falta de respeito
RUBENS MINELLI
— O futebol está feio, não é? É uma mesmice muito grande. Sem falar na violência, falta de respeito. Aí você olha o futebol europeu e é tudo totalmente diferente. Veja os jogos do Inglês. Parece que os jogadores estão lutando por um prato de comida. O problema dos técnicos brasileiros é que antigamente eles tinham mercado e trabalhavam no Exterior. Hoje não tem mais. E, para completar, os estrangeiros chegaram e estão na frente no Brasileiro — lembra, citando o português Jorge Jesus, do líder Flamengo, e o argentino Jorge Sampaoli, do segundo colocado Santos.
Entre os campeões nacionais, apenas Vanderlei Luxemburgo e Lula (cinco conquistas cada) venceram mais do que Minelli, ganhador em 1969 (Palmeiras), 1975, 1976 (ambos pelo Internacional) e 1977 (São Paulo).
A memória não trai o veterano técnico para lembrar como suas equipes jogavam ou o quanto trabalhava. Os jogos, treinos e viagens para observar adversários fizeram com que perdesse os oito primeiros aniversários de sua filha.
Anotava as informações em cadernetas, várias ainda existentes. Em época sem computadores, ser metódico o fez montar banco de dados de esquemas preferidos pelos treinadores e características de atletas que lhe davam vantagens em confrontos futuros.
As viagens de férias à Espanha eram usadas para renovar a biblioteca com livros sobre futebol, uma paixão tardia de Rubens Francisco Minelli, formado em Economia.
Funcionário dos Correios, foi chamado para trabalhar nas divisões de base do Palmeiras por Canhotinho, ex-ponta esquerda que havia conhecido o treinador quando este comandava times da Faculdade de Ciências da USP.
O técnico paulista pode ser apontado como o mais vencedor da história do futebol nacional a não ter dirigido a Seleção Brasileira. Ele era a unanimidade em 1977, quando Oswaldo Brandão, um dos seus mestres, foi demitido. Seu discípulo era bicampeão brasileiro pelo Inter. Naquele ano, conquistaria o tri, mas pelo São Paulo.
A então CBD (Confederação Brasileira de Desportos) escolheu o preparador físico Claudio Coutinho, que tinha pequena experiência como técnico, nenhum título e comandava o Flamengo. Minelli perdeu a chance de ir à Copa de 1978, na Argentina.
Era a época em que ele estava na moda por causa do seu Inter de inovações táticas, como o triângulo no meio-campo. Dois jogadores formavam a base da pirâmide no ataque quando o time tinha a bola. Na marcação, dois ficavam na defesa. A peça móvel era o volante Paulo Roberto Falcão. Os rivais não tinham resposta para essa novidade.
Também não sabiam como responder à linha de impedimento. Foi com o Minelli que o futebol brasileiro viu pela primeira vez um time sair em bloco da área para deixar os rivais em condição ilegal.
— Eu copiei isso da Juventus, da Itália. Mas aqui ninguém sabia que existia. Comecei a treinar e deu certo — afirma.
Aposentado há 20 anos, o técnico continua como referência. Foi chamado para dar palestra aos jogadores da Seleção durante a Copa de 2014. Contou a eles a história de quando pensou em contratar Luiz Felipe Scolari para o Inter porque o zagueiro tinha a liderança que a equipe precisava.
Não fechou negócio. Preferiu Marinho Peres, nome que sempre aparecia nas convocações para a Seleção. Mas citou jogo contra o Caxias em que Felipão foi para o ataque nos acréscimos em um escanteio e chamou todos os seus companheiros para a área buscar o empate. O Inter fez a linha do impedimento e dez jogadores rivais ficaram impedidos.
— Agora você me f..., hein? — lhe cochichou Scolari, ao ver os atletas rindo da história.
Campeão gaúcho pelo Grêmio em 1985, Minelli chegou a ser cotado para substituir Evaristo de Macedo na seleção. A CBF contratou Telê Santana.
— O Grêmio só foi campeão em 1985 porque o Renato Gaúcho operou o joelho e ficou 60 dias afastado. Naquele período, ganhamos o título. Ele era uma m... para o grupo — detona Minelli.
Ele acredita ser imperdoável o astro que não se sacrifica pela equipe. E quando teve chances de agir com relação a isso, não pensou duas vezes. Uma das vítimas foi o meia uruguaio Pedro Rocha, um dos maiores craques da história do São Paulo, em 1977.
— Graças a Deus nunca treinei Sócrates e Rivellino. Sempre jogaram para eles, não para o time — afirma.
O Grêmio só foi campeão em 1985 porque o Renato Gaúcho operou o joelho e ficou 60 dias afastado. Naquele período, ganhamos o título. Ele era uma m... para o grupo
RUBENS MINELLI
A pergunta é inevitável para quem acompanha tão de perto o futebol atual e tem tanta experiência: e Neymar?
— É um jogador estragado pelo pai, que botou na cabeça do filho que este tem de ser malandro. Só que ele virou um malandro-trouxa.
Ele começa então a contar longa história de quando treinou a seleção paulista e dividiu concentração com o Corinthians. Viu de perto como Sócrates passou a noite fora, chegou atrasado para o treino da manhã seguinte, quase não se mexeu em campo e ainda brincou como goleiro.
— Só que no jogo do dia seguinte, o Corinthians ganhou por 2 a 0. Dois gols dele.
E como ele acredita que o técnico de um time deve encarar uma situação como essa: um craque indisciplinado, que acredita mandar na equipe, mas resolve na hora da partida? O que fazer?
Rubens Minelli sorri largamente:
— Agradecer.
O futebol está feio, não é? É uma mesmice muito grande. Sem falar na violência, falta de respeito.