O último capítulo da série "Cadê o esporte no RS?" é dedicado à modalidade em que o Estado tem maior destaque. O futsal gaúcho é referência mundial. Desde sempre. Uma das versões do início do "futebol do salão" diz que os primeiros chutes em quadras fechadas foram dados no Uruguai nos anos 1930. Dali a cruzar a fronteira foi um passo.
O esporte cresceu e se desenvolveu por aqui, entrou na rotina dos gaúchos e, praticamente todos os finais de semana, lota ginásios em todas as regiões do Rio Grande do Sul. Coleciona títulos nacionais, continentais e mundiais. Tem um fortíssimo campeonato regional. Faz pulsar o Interior.
Mas e na Capital? Não há futsal em Porto Alegre desde a metade da década passada. Atualmente, nem mesmo um campeonato municipal oficial é organizado, e clubes tradicionais, como Inter e Grêmio, que chegaram a ter times fortíssimos e campeões, não dão mais espaço para a modalidade.
O futsal é o Rio Grande do Sul que dá certo nos esportes, além do futebol. Proporcionalmente, inclusive, é correto afirmar que a modalidade é mais forte do que o próprio futebol, tamanhos sucesso e tempo no topo. São oito títulos de Taça Brasil, nove da Liga Nacional, oito de Libertadores, seis do Mundial de Clubes e oito brasileiros de seleções estaduais.
Internamente, o cenário também é positivo, ainda que haja uma divisão. A Federação Gaúcha de Futsal (FGFS) viu surgir uma concorrência quando diversos clubes se uniram e criaram a Liga Gaúcha. Assim, há duas correntes. De um lado, a FGFS tem 18 times participando da Série Ouro. A Prata e a Bronze ainda não começaram. Entre as mulheres, são quatro equipes. Do outro, a Liga Gaúcha tem 43 equipes divididas em três séries, mais oito times femininos. Isso na categoria livre, adulta. Somando com a base, a Liga Gaúcha tem mais de 100 representantes de 85 cidades diferentes, cobrindo todas as regiões do Estado. São mais de 3,5 mil atletas.
— Não tenho medo de afirmar: o Rio Grande do Sul é o maior centro de futsal do país. É referência, atrai nomes do Brasil inteiro. Exporta talentos, e não só na quadra, técnicos e preparadores também. Forma craques. E disputa sempre em altíssimo nível — elogia o presidente da Liga Gaúcha, Nelson Bavier, ele também um personagem dessa história já que, carioca, veio para o Estado jogar em Casca e nunca mais saiu.
A maior referência gaúcha é a ACBF. A equipe de Carlos Barbosa é uma grife internacional do futsal, maior campeã de Liga Nacional (cinco títulos), seis vezes vencedora de Libertadores (ao lado de Jaraguá) e dona de três títulos mundiais. E essas são as conquistas, não estão computadas as vezes em que o time esteve perto de erguer o troféu, mas acabou perdendo nas fases finais. Há mais de duas décadas, o clube se mantém na elite da modalidade.
Isso se dá, principalmente, graças a dois fatores: o apoio da comunidade e o patrocínio forte. O ginásio fica frequentemente lotado, a torcida incentiva os jogadores, compra produtos e colore de laranja a cidade da Serra. A Tramontina mantém sua marca ligada ao clube desde sempre, aumentando os investimentos na década de 1990. Apaixonado por futsal, o empresário Clóvis Tramontina apostou na ACBF para encerrar a rivalidade entre Real e River, de um primo seu (e que sempre vencia as finais). Depois da união, a nova associação ficou 20 anos sem ganhar o Estadual. Mas a partir do momento em que injetou mais dinheiro e profissionalizou o departamento, em 1996, empilhou títulos. E ainda há outro motivo de orgulho.
— Hoje, temos mais de 400 crianças nas escolinhas, além dos atletas das categorias de base, que são preparados para ingressar no time principal. O grupo de 2019, por exemplo, tem 18 atletas, sendo que sete foram formados na nossa categoria de base — frisa Tramontina.
Nas divisões inferiores, também há uma retomada. Em Pelotas, por exemplo, o início da terceira divisão da Liga Gaúcha teve um Bra-Pel improvisado. Porque o "Bra" não é de Grêmio Esportivo Brasil, mas de Associação Brasil de Futsal, que tem logo e cores inspirados no Xavante e foi abraçado pela torcida. O "Pel", sim, é de Esporte Clube Pelotas. Eles fizeram um "clássico" que lotou o ginásio do DC Esportes, na cidade da Zona Sul, e terminou com vitória do Lobão por 11 a 7. Um dos destaques foi Daniel Carvalho, ex-craque do Inter, do CSKA e da Seleção, que começou sua vida esportiva nas quadras.
Mas e em Porto Alegre?
Fora do cenário principal há quase 15 anos, a Capital já foi tradicional na modalidade, tanto que é a cidade recordista de títulos estaduais, com 16 conquistas (oito com Inter, três com Wallig, dois com Cruzeiro, dois com Caixa Econômica Estadual e um com Gondoleiros). Mas desde que o projeto de futsal de Inter e Ulbra terminou, não houve mais uma força do município. A universidade de Canoas ainda mandou algumas partidas no Tesourinha, mas foram só em decisões esporádicas.
Houve grandes momentos, como o Gigantinho pulsando para a final da Liga Nacional de 1996, vencida pelo Inter sobre o Vasco, de Caxias do Sul, e do título mundial colorado sobre o Barcelona no ano seguinte. Antes, quando o Grêmio tinha uma equipe de futsal, os clássicos também levavam multidões aos ginásios e movimentavam as torcidas.
— Naquele nosso projeto, que começou como uma forma de aproveitar o Gigantinho, a parceria com a Ulbra foi fundamental. Eles investiram e decidiram montar o melhor time do país. Então, contratamos a seleção brasileira. A equipe deu tão certo que chegou a ser chamada de Inter/Ulbra, uma raridade em termos de marketing — recorda Larry Pinto de Faria Júnior, então diretor de futsal colorado.
Segundo ele, a repercussão interna foi excelente. O futsal virou case de sucesso em uma época de vacas magras no futebol. Externamente, os torcedores usaram os títulos da modalidade como uma motivação e uma injeção de ânimo em uma autoestima abalada. Para a Ulbra também foi positivo, já que, disputando o Estadual, espalhou sua marca em rincões que não era conhecida.
— Hoje, me parece mais fácil. Os clubes já foram campeões, estão organizados, têm uma condição financeira melhor. Investir nesses esportes pode dar um retorno interessante — reforça Larry.
Atualmente, a maior grife da Liga Nacional é o Corinthians. O time disputa também a Libertadores da modalidade. E, de acordo com o gerente de futsal Edson Sesma, a aposta vale a pena.
— No aspecto financeiro, todas as propriedades da camisa foram comercializadas, e alguns destes parceiros estão há muitos anos com o futsal, legitimando a exposição efetiva das marcas e o bom negócio. O futsal fortalece a marca Corinthians, é exposto em vários canais e atrai um grande público nos jogos no Parque São Jorge — aponta Sesma, que recorda, ainda: — O futsal está conectado ao futebol, principal esporte do clube, como uma fonte de captação de jovens e talentosos atletas, e ter uma equipe de futsal forte serve de estímulo e referência para o clube atrair os melhores jogadores da base, que em algum momento podem migrar para o futebol ou seguir carreira nas quadras.
O Flamengo, que já tem time de basquete, ginástica artística, judô, natação, remo e vôlei, deve entrar também no futsal até a próxima temporada. Ainda não há informação sobre investimento, mas especialistas afirmam que, com um orçamento de R$ 1,5 milhão anual (mais R$ 800 mil para comprar uma franquia na Liga Nacional), é possível montar uma equipe para ser campeã brasileira.
Apesar do preço acessível para clubes grandes e do sucesso registrado no Interior, não há previsão para Grêmio e Inter ingressarem no esporte. Nenhum deles tem nem mesmo departamentos organizados para futsal ou outros esportes.
A esperança para porto-alegrenses, então, está em um projeto da Liga Gaúcha, que pretende organizar um campeonato municipal escolar e, a partir dele, montar um time que represente a cidade. Primeiro, como base. Depois, se possível, no profissional.
A Capital não enxergou mais o resto do Rio Grande do Sul que dá certo.