Em alusão à semana da Consciência Negra, GaúchaZH apresenta nesta sexta-feira (23) uma homenagem a personagens negros que marcaram a história da dupla Gre-Nal. Jogadores, artistas e torcedores, famosos ou não, que ajudaram a escrever e a contar a história das duas maiores paixões do futebol gaúcho em mais de um século de história.
Bombardão
Independentemente da época, todo clube de massa possui torcedores-símbolo que acabam se tornando o rosto da massa que lota os estádios ao menos duas vezes por semana. Entre eles, o primeiro torcedor-símbolo de que se tem notícia no Grêmio é negro. Bombardão, como era conhecido, foi figura carimbada nos jogos realizados no Estádio da Baixada, entre os anos 1920 e 1950, aproximadamente. Bombardão também era conhecido por quebrar o silêncio na rua da Praia, no Centro da Capital, com um forte grito de "Grêmiooooo!!!". Por este motivo, sempre que adentrava a Baixada, o ilustre torcedor era recebido por outros torcedores com pedidos de "grita, Bombardão!".
Lupicínio Rodrigues
Dentre as inúmeras paixões de Lupicínio Rodrigues, apenas uma foi chamada por ele de imortal. Nascido em 16 de setembro de 1914 (um dia após o aniversário de 11 anos do Grêmio), no antigo bairro da Ilhota, em Porto Alegre, Lupicínio Rodrigues se tornou um dos maiores compositores do Brasil por suas músicas, especialmente pelos sambas que retratavam momentos de melancolia e decepções amorosas, e que ficaram consagrados pelo termo dor-de-cotovelo. Lupi, como era chamado pelos amigos, traduziu o sentimento do torcedor gremista nos versos que se tornaram o hino definitivo do clube. O apoio incondicional, o sentimento de imortalidade, a devoção aos grandes ídolos, o desejo de estar com "o Grêmio onde o Grêmio estiver" formam uma declaração de amor que até hoje é cantada pelos mais de 6 milhões de tricolores espalhados pelo Brasil e pelo mundo.
Em sua coluna Roteiro de um Boêmio, publicada no jornal Última Hora, em 6 de abril de 1963, Lupi afirma que decidiu torcer para o Grêmio por causa de seu pai, o funcionário público Francisco Rodrigues. Segundo Lupi, seu pai e um grupo de amigos criaram em 1907 um clube para participar da Liga de Porto Alegre. Nascia ali o Rio Grandense. No entanto, o clube teria sido impedido de participar da competição justamente por causa de um voto do Inter, o que teria feito com que seus membros torcessem para o Grêmio e criassem uma liga própria, que ficou conhecida popularmente como Liga da Canela Preta.
Lupicínio Rodrigues morreu em Porto Alegre, em 27 de agosto de 1974, aos 59 anos, com problemas no coração.
Everaldo
Se o autor do hino tricolor é negro, pode-se dizer que parte da bandeira ostentada pelos torcedores também é. Everaldo Marques da Silva, conhecido apenas pelo primeiro nome, foi o primeiro atleta gaúcho a vencer a Copa do Mundo. O lateral-esquerdo, conhecido pelo estilo de jogo objetivo e de forte marcação, integrou o esquadrão brasileiro que conquistou o tricampeonato mundial em 1970. O feito rendeu homenagem que lhe eternizou como a estrela dourada na bandeira do Grêmio. Pelo Tricolor, Everaldo foi tricampeão gaúcho nos anos de 1966, 1967 e 1968. Já pela Seleção, além do Mundial, ele também conquistou a Copa Rio Branco, em 1967, e a Copa Roca, em 1971.
A importância de Everaldo para o futebol gaúcho é tão grande que ultrapassou as cores azul, preto e branco e acabou por unir gremistas e colorados nas arquibancadas do Estádio Beira-Rio. Em 1972, bastou o lateral não ser convocado por Zagallo para representar o Brasil na Copa Independência para que o Rio Grande do Sul iniciasse uma nova revolta contra o Brasil. Desta vez, dentro das quatro linhas. No dia 17 de junho 1972, a seleção gaúcha, formada por um combinado de jogadores da dupla Gre-Nal, empatou em 3 a 3 com a Seleção Brasileira, em um dia em que aproximadamente 100 mil torcedores deixaram a rivalidade Gre-Nal e torceram lado a lado por 90 minutos.
Everaldo morreu em 1974 após um acidente de trânsito. Ele retornava de um comício em Cachoeira do Sul para Porto Alegre quando colidiu contra um caminhão. No acidente, morreram também sua esposa, Cleci, sua irmã Romilda e sua filha Deise.
Paulo Lumumba
Muitos jogadores têm seus apelidos inspirados em personagens da música, da televisão, do cinema ou até mesmo em outros atletas. Mas o sergipano Paulo Otácilo de Souza decidiu se inspirar na luta negra contra o colonialismo europeu no continente africano ao adotar o sobrenome do político e líder congolês Patrice Lumumba. Nascia, então, Paulo Lumumba, centroavante que marcaria época no Tricolor. Foram seis títulos vestindo a camisa do Grêmio, entre eles um Campeonato Sul-Brasileiro; seis Campeonatos Gaúchos e uma Copa Rio da Prata. O título brasileiro bateu na trave, em 1963, quando o Grêmio foi derrotado pelo Santos de Pelé na final da Taça Brasil.
Além de jogador, Lumumba também atuou como auxiliar-técnico e técnico no Olímpico. Ele morreu em 2010, aos 74 anos.
Tarciso Flecha Negra
José Tarciso de Souza, o Tarciso, é um dos maiores nomes que já vestiram a camisa gremista. Além dos 226 gols marcados em 13 temporadas, o números que o qualificam com o segundo maior artilheiro da história gremista – atrás apenas de Alcindo. Ele é o jogador que mais atuou pelo Grêmio. Foram 721 jogos disputados em 13 anos. Entre os títulos conquistados estão a Copa Libertadores e o Mundial de Clubes, ambos em 1983.
Como todo bom goleador que se torna ídolo, Tarciso logo recebeu um apelido: "Flecha Negra", devido a sua grande velocidade em campo. As boas atuações no Grêmio também lhe renderam algumas convocações à Seleção Brasileira. Com a ascensão de Renato Portaluppi, Tarciso acabou perdendo a titularidade na ponta. Hoje, ele é político, ex-vereador da Capital, além de empresário.
Dirceu Alves
Dirceu Alves foi o primeiro negro a ser contratado oficialmente pelo Inter, em 1925, após se destacar na Liga da Canela Preta. Contudo, sua primeira atuação com a camisa colorada ocorreu somente no segundo semestre de 1928. Apesar de não ter obtido grande sucesso no clube, Dirceu abriu caminho para a chegada de outros negros ao Inter, o que resultou em uma das épocas mais vitoriosas da história colorada.
Florindo
Zagueirão do segundo rolo compressor, o Rolinho, Florindo foi um dos maiores defensores da história do Inter. Pentacampeão gaúcho pelo clube, ele participou de uma das mais importantes vitórias coloradas em clássicos Gre-Nal, o 6 a 2 na inauguração do Estádio Olímpico. Quatro dos seis gols foram marcados por Larry, que teve a contratação indicada por Florindo. Seu nome de batismo é Flávio Pinto, mas ele também ficou conhecido como o Gigante de Ébano após a conquista da Seleção Brasileira no Pan-Americano de 1956, quando a seleção nacional foi representada por um combinado dos times gaúchos. Oito jogadores atuavam no Inter.
Escurinho
O homem que costumava entrar e decidir as partidas no lendário time dos anos 1970. Afinal, era comum nesta época que o meia Luís Carlos Machado, o Escurinho, saísse do banco para marcar gols de cabeça e dar a vitória ao Colorado. Foi essa a estratégia utilizada pelo técnico Rubens Minelli para tornar o time mais ofensivo e superar o Grêmio no primeiro jogo da final do Campeonato Gaúcho de 1975, no Estádio Olímpico. O Tricolor vencia a partida por 1 a 0 até Escurinho entrar e marcar um gol de cabeça aos 45 minutos do segundo tempo, abrindo caminho para o sétimo título gaúcho consecutivo do Inter. A estratégia seguiu na campanha do bicampeonato nacional, em 1975 e 1976, e o meia se tornou um reserva de luxo.
Exímio cabeceador, Escurinho participou de um dos gols mais espetaculares da história colorada. Após receber a bola no meio-campo, ele tabelou de cabeça com Falcão até a conclusão do camisa 5 dentro da área do Atlético-MG na semifinal do brasileiro de 1976.
Colorado desde criança, Escurinho iniciou sua trajetória na base do clube aos 11 anos. Ele deixou o Inter em 1978 e rodou por clubes do país e do continente. Também compôs e gravou sambas, tendo como parceiros nomes como Wilson Ney e Bedeu. Sempre ligado ao Inter, Escurinho morreu em 2011, vítima de uma parada cardíaca.
Valdomiro
Ponta-direita veloz, dono de um potente chute e especialista em cruzamentos. Estas eram algumas das credenciais de Valdomiro Vaz Franco. Foi dele o cruzamento para o gol de Figueroa no 1 a 0 sobre Cruzeiro, jogo que deu o primeiro título brasileiro ao colorado. No ano seguinte, a conquista do bicampeonato também passaria por uma de suas jogadas. Desta vez, na bola parada. Valdomiro bateu a falta, a bola tocou a trave e morreu no fundo da meta corintiana. 2 a 0. Ainda pelo Inter, Valdomiro conquistou oito Campeonatos Gaúchos, tornando-se o único jogador a atingir a marca. Atleta com mais atuações pelo Inter, Valdomiro jogou durante 14 anos no clube.
Valdomiro também foi titular da Seleção Brasileira na Copa de 1974, na Alemanha Ocidental, quando marcou um gol contra o Zaire na primeira fase.
Tinga
Poucos jogadores podem se orgulhar de terem feito história nos dois clubes da dupla Gre-Nal. Paulo César Tinga é um deles. Quando chegou ao Beira-Rio, em 2005, Tinga já havia sido campeão da Copa do Brasil e gaúcho pelo Grêmio, onde era chamado de "motorzinho" do time. Volante de vigor físico e de boas atuações, Tinga conquistou a torcida colorada e virou símbolo do controverso vice-campeonato brasileiro, em 2005, quando foi expulso após sofrer um pênalti não marcado contra o Corinthians. A justiça para Tinga e os demais colorados viria no ano seguinte, quando o volante aparou de cabeça o passe de Fernandão para o fundo das redes do São Paulo no gol do título da primeira Libertadores colorada.
Após passagem pela Europa, o volante retornou ao Beira-Rio em 2010 e conquistou o bicampeonato da Libertadores. Colorado declarado, o jogador não descarta retornar ao clube como dirigente.
Especial
Tesourinha
Sem dúvida, Tesourinha merece um capítulo à parte na história da dupla Gre-Nal. Osmar Fortes Barcellos saiu da Liga da Canela Preta para fazer história no Inter, nos anos 1940. Consagrou-se no time conhecido como "Rolo Compressor", formando um dos ataques mais letais da história colorada, o que resultou no hexacampeonato estadual. Seu apelido teve origem em um bloco carnavalesco da Capital, mas também virou sinônimo de seus cortes nos adversários dentro de campo.
Tamanha habilidade fez com que Tesourinha fosse vendido por altas cifras para o Vasco e, então, chegar à Seleção Brasileira. Vestindo a camisa da Seleção, ele conquistou a Copa América, mas uma lesão acabou lhe tirando da Copa de 1950. Entre as muitas lendas do folclore futebolístico, há quem diga que a história teria sido diferente se Tesourinha estivesse em campo naquela fatídica tarde de 16 de junho, no Maracanã. Sorte de Obdulio Varela.
Se os deuses do futebol não permitiram a Tesourinha mudar a história da Copa de 1950, permitiram a ele mudar a do Grêmio. Hoje, jornalistas e historiadores comprovam a presença de atletas negros no Grêmio desde os anos 1920. Em seu livro Somos Azuis, Pretos e Brancos, o jornalista Léo Gerchmann afirma que o primeiro negro a atuar pelo Tricolor foi Adão Lima, entre 1925 e 1935, aproximadamente 23 anos antes da chegada de Tesourinha. Contudo, a contratação de Tesourinha pelo Grêmio foi o marco definitivo para a entrada expressa e publicizada de negros no clube. Um pouco mais velho, Tesourinha não repetiu no Grêmio o desempenho de outros tempos. O fato é que, depois dele, muitos outros negros puderam somar esforços e colocar seus nomes na história do Grêmio. Seja pelos gols de Tarciso, pela habilidade de Ronaldinho, pelo gol de Anderson nos Aflitos, pelas táticas de Roger ou pelos gols de Pedro Rocha no Mineirão. A história segue sendo escrita.