A rotina e as prioridades passaram por mudanças drásticas. Mas o fato de ter sido uma das seis sobreviventes da tragédia aérea que vitimou 71 pessoas na Colômbia (a maioria delas integrantes da delegação da Chapecoense) continua marcado em Ximena Suárez. Ao jornal LANCE!, a ex-comissária de bordo da LaMia falou sobre como tem sido lidar com traumas e lembranças em torno do acidente, que completa dois anos nesta quinta-feira (28).
Você já foi requisitada várias vezes para dar entrevistas sobre o acidente. Como é ter de lidar com estas memórias há tanto tempo?
No começo, era muito difícil falar do que tinha acontecido. Agora, já conto normalmente as coisas pelas quais passei. Graças a Deus, aos poucos fui superando algumas coisas, tendo também a ajuda da minha família para que eu melhorasse. Passei a mostrar minha experiência para que as pessoas abram os olhos, creiam que Deus existe e é misericordioso. Afinal, o que passou comigo foi um milagre. Eu fui um milagre, assim como os demais sobreviventes são exemplos de um milagre.
Quais lições ficaram para você depois do acidente?
Mudei minha vida totalmente. Eu era uma pessoa que dava prioridade para sair, ficar com amigos. Agora, prefiro estar com minha família, sair com meus filhos (Gabriel, de 8 anos, e Thiago, de 4 anos), me superar como pessoa, como profissional, estudar. Sou mãe, sou mulher, sou uma pessoa entregue a Deus, que busca sempre fazer algo de bom e não cometer erros.
Falando sobre os momentos que antecederam o acidente. Você lembra como estava o clima no avião?
Era um ambiente de festa, tão feliz. As pessoas (da delegação da Chapecoense) estavam muito eufóricas, com gana de vencer a partida.
Entre os comissários de bordo, chegaram a sentir que havia algo errado no voo?
Eu estava na parte posterior da cabine. Não chegaram a nos avisar de nada. A gente também não chegou a escutar se havia ou não problemas. Eu esperava uma aterrissagem segura que, infelizmente, não aconteceu. Sentimos em uma fração de segundos apagando os motores, as luzes e veio tudo...
No mesmo dia em que aconteceu o acidente na Colômbia, houve divulgação de que a seleção da Argentina reclamou da viagem com a LaMia. Você tinha ficado a par disto antes?
Eu cheguei a escutar que outras equipes tinham reclamado. Mas, de qualquer forma, estavam contentes com o meu serviço, que era de tripulante de cabine. Pelo que eu vi do resultado, a empresa cometeu erros. Mas quem sou eu para julgar?
Você chegou a ter contato com os familiares das vítimas da Chapecoense? Como foi?
Tive, sim. Com as mulheres dos jornalistas e dos jogadores, que vieram em busca de resposta sobre o seguro (da LaMia). Contei tudo o que sabia, mas lamentavelmente todos voltaram sem resposta. Também já tive contato com o Neto (zagueiro) e o (jornalista) Rafael Henzel, que sobreviveram ao acidente.
Você fez uma tatuagem nas suas costas em homenagem às vítimas da Chapecoense. Acha que é uma forma de cicatrizar o que passou em 29 de novembro de 2016?
Esta tatuagem é um símbolo do que passei. Uma ferida aberta. Ferida que, lamentavelmente, nunca vou curar por completo, sempre vai estar ali. E também uma forma de homenagear cada pessoa que estava neste voo. Afinal, o avião está indo para o céu, que é onde Deus quer que eles estejam.
Esta tatuagem chega a ser um símbolo também de superação de tudo o que você passou?
Sim, superei algumas coisas, mas não por completo. Eu ainda que quero voltar a fazer viagem de avião, trabalhando, como digo no meu livro (intitulado "Volver a Los Cielos", lançado em novembro de 2017). Adoro voar, sempre foi minha vocação, mas não consegui ainda.
Mas você segue trabalhando em companhia aérea?
Voltei a trabalhar em aeroporto, mas no meu trabalho não cheguei a subir em um avião ainda. Sou agente de tráfego aéreo em uma companhia na Bolívia, faz alguns meses.
Quais são seus próximos planos?
Tenho muitos. Transmitir minha experiência para ajudar as pessoas, seguir com meus estudos, seguir com minha vida, meu trabalho no aeroporto. E voltar a ser tripulante.