Contestada até mesmo pelo jornal Olé, tradicionalmente um intransigente defensor dos interesses dos clubes argentinos, a expulsão de Dedé, do Cruzeiro, na partida contra o Boca Juniors, nesta quarta (19), evidencia que a tecnologia do VAR ainda não foi assimilada na América do Sul. A opinião é de Leonardo Gaciba, comentarista de arbitragem da Rede Globo, que definiu como "inaceitável" o cartão vermelho dado ao zagueiro, que chocou-se no ar com o goleiro argentino Andrada. Com fratura no maxilar inferior, Andrada foi operado ontem e ficará dois meses sem poder atuar.
— Faltou personalidade ao árbitro (o paraguaio Eber Aquino) por olhar a imagem e não ratificar a decisão de campo. E também ao de vídeo (Mario Diaz de Vivar, também paraguaio), por sugerir a expulsão — analisou Gaciba, que, antes de ser contratado pela Globo, foi eleito, por quatro anos consecutivos, o melhor árbitro brasileiro.
Conforme Gaciba, a decisão dos dois árbitros só foi tomada porque os dois se assustaram com o sangramento do goleiro e entenderam que precisariam tomar alguma atitude.
— Foi um lance natural, um acidente de jogo, algo completamente natural. Não houve violência excessiva, nem mesmo involuntária. Dedé iria cabecear. E só não o fez porque o goleiro tirou a bola de sua cabeça — avalia o comentarista.
Também comentarista da Rede Globo, Paulo César de Oliveira define como absurda a expulsão, considerado o tempo que Eber Aquino teve para rever o lance. Ele sugere aos clubes brasileiros que exijam árbitros mais experientes em suas partidas na Libertadores, de modo especial as disputadas fora de casa. E, por fim, usa a jurisprudência para dar uma esperança ao Cruzeiro de reverter o cartão vermelho de Dedé.
— Já houve reversões em campeonato paulista, campeonato francês e na Libertadores— lembra Paulo César.
No campeonato paulista, o volante Gabriel, do Corinthians, foi expulso em 2017 em clássico contra o Palmeiras, mas a decisão foi revertida. Na França, o zagueiro brasileiro Diego Carlos, do Nantes, recebeu vermelho ao trombar sem querer com o árbitro, em decisão igualmente anulada mais tarde. Na Libertadores, a expulsão revertida foi a de Romagnoli, do San Lorenzo-ARG, em jogo contra o Cruzeiro, em 2014.
— O Cruzeiro pode reivindicar, sim (a anulação do cartão), até porque há o consenso de que a decisão foi totalmente equivocada e ainda com o agravante do VAR. Existe esperança — entende Paulo César.
O ex-árbitro Renato Marsiglia concorda com Gaciba ao afirmar que o sangue gerado pelo choque entre os dois jogadores influenciou na decisão de Eber Aquino. O erro, diz o comentarista da Rede Globo, foi ele ter referendado o entendimento do VAR:
— O árbitro não tem a obrigação de cumprir a orientação. O VAR é um auxiliar, como se fosse um assistente ou um quarto árbitro. A decisão é do árbitro de campo, que tem o feeling do jogo. Uma coisa é ver o lance lá de cima, no ar condicionado da cabine. (Eber Aquino) tomou a decisão mais radical possível. E equivocada.
Marsiglia não acredita que a decisão venha a ser anulada. Diz que a expulsão ocorreu dentro da regra. Decisões de fato, sustenta o comentarista, são irrecorríveis.
— Se o árbitro interpreta mal a regra do jogo ou não foi competente para enxergar da forma mais correta, é outra discussão. O que pode acontecer é ele ficar fora das próximas escalas — entende Marsiglia.
Sem esconder a decepção, Leonardo Gaciba lamenta que o VAR, cujo objetivo é reparar injustiças no futebol, tenha permitido que uma delas fosse cometida quarta-feira. O analista desconfia que a tecnologia esteja gerando insegurança entre os árbitros. Nesse sentido, cita o colombiano Wilmar Roldán, que atuou em Tucumán e Grêmio e deixou de dar cartão vermelho direto ao argentino Núñez, por pisão nas costas de Alisson, optando por rever a imagem.
— Desde o surgimento do VAR, eu sustento que os árbitros não estão preparados para usá-lo. Não irão aprender em um cursinho de três horas ou três dias. É preciso muito mais treinamento — alerta Gaciba.