Candidatíssimo ao título da Copa Paulo Sant'Ana, o Cruzeiro-RS poderia ter um time ainda mais forte do que esse, dono da melhor campanha da primeira fase e agora semifinalista, diante do São José. Em seu grupo, treina há mais de dois meses o lateral Anderson Pico. Por um trâmite burocrático, não conseguiu ser inscrito na competição. Mas está, para usar suas palavras, "99% certo" para reforçar o time no Gauchão do ano que vem.
É um recomeço de carreira 10 anos depois de surpreender o Rio Grande do Sul, quando ganhou suas primeiras chances no time titular do Grêmio. Depois de suas primeiras exibições, era dado como futuro convocado da Seleção com iminência para virar um milionário de times grandes europeus. Destro, tinha facilidade para bater na bola também com a perna esquerda. Mas de seu pé bom saíam cruzamentos "com efeito procurante" que consagraram atacantes. Além disso, foi um dos precursores de uma moda atual: cobrar lateral direto para a área.
Nada disso se confirmou. Porque mais do que o talento, a força e a surpreendente velocidade, o que mais chamava a atenção em Anderson Pico era a forma física. Ele sempre pareceu acima do peso.
— As pessoas ouvem falar no Anderson Pico e já saem perguntando: "ele tá gordo?". Não estou. O peso nunca foi meu problema. Tem vários jogadores que estão acima e pouca gente fala. Mas isso sempre recaiu sobre mim — diz o lateral, agora com 28 anos, de volta ao Brasil após uma experiência frustrante na Europa.
Aliás, o Dnipro, da Ucrânia, seu último time, é uma ilustração perfeita de sua carreira. Mas, antes, é melhor contar como ele foi parar — e saiu de lá
Após surgir como uma solução de luxo para as baixas de Bruno Telles e Lúcio, em 2007, sob comando de Mano Menezes, Pico teve contrato renovado com o Grêmio. Deslumbrou-se. A titularidade, a fama e o dinheiro lhe deram uma vida que não conhecia. Saiu mais do que podia, dormiu menos do que deveria e, definitivamente, comeu mais do que lhe convinha.
Na pré-temporada de 2008, chegou quase 10 quilos acima do peso. Conseguiu emagrecer. Em uma forma mais adequada, conseguiu ser aproveitado primeiro por Vágner Mancini e depois por Celso Roth. Perdeu espaço ao longo do ano. Apresentou-se novamente fora de forma em 2009 e foi parar no Figueirense. Começou como titular, ganhou espaço e no meio do ano, uma desavença com Roberto Fernandes, acabou separado do grupo.
No ano seguinte, seu destino foi o Santo Ângelo. De lá, encaminhou-se ao Brasiliense. Pouco tempo depois, afastado, acertou-se com o Juventude. Após a Serra, jogou no São José, em Porto Alegre.
Quando não se esperava mais que voltasse à Série A, Vanderlei Luxemburgo deu-lhe nova chance no Grêmio, em 2012. Aproveitou aquele Brasileirão, mas no ano seguinte, novamente não estava em boa forma física. Esgotou a paciência dos tricolores.
Passou pela Chapecoense e voltou ao Rio Grande do Sul. Pelo Novo Hamburgo, conseguiu mais uma reviravolta e chamou a atenção do Flamengo, novamente com Luxemburgo. Como sempre, começou bem, mas aos poucos foi perdendo espaço.
Então surgiu a chance de realizar um sonho. Ir para a Europa foi possível graças a uma proposta do Dnipro. Na Ucrânia, fez golaço de falta, ganhou espaço. E — bem, a essa altura vocês já entenderam — não deu sequência.
Voltou ao Brasil, foi especulado em alguns clubes (até no Inter) mas não acertou com nenhum.
Tomou uma decisão radical. Não trabalha mais com empresários. Tudo passa por ele e por um advogado. Acha que ouviu gente demais e "nem todo mundo queria o melhor para ele".
Talvez seja um dos motivos para treinar em Cachoeirinha. Mas apesar de uma aparente diminuição na carreira de quem esperava jogar na Seleção ou brilhar na Europa, vê no Gauchão de 2018 uma nova chance para retomar sua história no futebol:
— No São José, apareci e voltei para o Grêmio. Do Novo Hamburgo consegui ir para o Flamengo. Quem sabe o Cruzeiro não me abre mais portas?