Neste sábado (14), Lucas Pretto vai acordar no meio da madrugada e cair na água para nadar por quase uma hora. Na sequência, pedalará por cerca de cinco horas, possivelmente contra ventos que podem superar os 70km/h. Para finalizar, ainda correrá uma maratona sob um calor úmido e sufocante, na casa dos 30°C.
E, acredite, o empresário e preparador físico contava os minutos para chegar a este dia de provações. A partir das 7h (14h de Brasília), ao lado de mais de 2 mil atletas, entre profissionais e amadores, o gaúcho de 35 anos largará para a prova de Ironman mais importante do planeta, em Kona, no Havaí.
Ex-atleta profissional de resultados modestos, Pretto compete hoje pelo puro prazer de desafiar seus limites – e, claro, pela oportunidade de vender o seu peixe. Proprietário de uma academia no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, ele também prepara competidores para a extenuante modalidade que combina disputas de longa distância de natação, ciclismo e corrida em uma mesma prova.
– O que me motiva a participar do Ironman é a superação pessoal. Chegar perto dos meus limites desenvolve o autoconhecimento, o controle. Também é um modelo para outros atletas que me procuram para treinar. Como sou treinador, uma boa performance minha chama a atenção – afirma.
Já na condição de atleta amador, Pretto participou pela primeira vez do Ironman no Havaí – que tem status de Campeonato Mundial – em 2014. A mística que envolve a disputa em um dos cenários turísticos mais cobiçados do mundo está viva em suas lembranças.
– Os melhores triatletas do mundo estarão em Kona. É como participar de uma Olimpíada – compara.
Para voltar ao Havaí, Pretto buscou na edição da prova de Florianópolis, em maio, uma das 13 vagas brasileiras na categoria que reúne competidores de 35 a 39 anos – considerada a mais difícil das 13 faixas de idade do Ironman (de jovens a partir dos 18 anos a octogenários).
Na etapa catarinense, cravou 3h5min na maratona e superou a meta de baixar a marca de 9h no total. Metódico, pratica sessões de análise e de meditação para ajudar a conciliar os exaustivos treinos no período que precede as competições às outras atividades do seu dia a dia.
– O que aprendi no esporte é fazer o melhor possível. Se estabelecer uma meta muito alta, que te coloca muita pressão, isso pode trabalhar contra ti. Então, quando vou para uma competição, tenho sempre uma sequência de objetivos para me motivar. Nesse ano, no Ironman Brasil, minha primeira meta era baixar a marca de 9h, o que consegui (completou a prova em 8h58min). Se acontecesse algum percalço e eu tivesse qualquer diminuição do ritmo, meu plano B seria chegar entre os 10 primeiros da minha categoria. O plano C era fazer o tempo de 9h30min. E o plano D era terminar a prova.
Na preparação para o Ironman, Pretto reserva até 20 horas por semana aos treinos. Quando a atividade envolve o ciclismo, já está na rua às 5h para encontrar seus alunos na Avenida Beira-Rio. Roda cerca de 70km a uma média de 36km/h.
– O bom de pedalar cedo é que praticamente não há tráfego e chego em casa antes das 7h, o que possibilita inclusive que eu acorde minha filha mais velha para leva-la à escola.
As corridas, também em grupo, estão programadas para começar às 7h de segundas, quartas e sextas, quando chega a percorrer a distância de 34km. Em quatro dias da semana, nada por cerca de uma hora. Nos fins de semana, nada... de descanso. Faz o chamado treino de transição, que significa pedalar por cinco horas e correr a distância de 10 quilômetros.
Pretto treinou até mesmo na data de seu embarque para o Havaí, no último dia 4. Tudo para suportar as agruras de uma prova que consome até 10 mil calorias dos atletas, cinco vezes mais do que a quantidade diária recomendada na dieta de um adulto, em média. A única certeza de Pretto é que chegará estropiado ao final da prova.
– No dia seguinte, não consigo fazer quase nada, de tanta dor muscular. Para descer as escadas, por exemplo, só de costas – relata.
Mas, acredite, Lucas Pretto contava os minutos para chegar a este dia de provações.
_ Ninguém continua a vida da mesma forma depois de correr um Ironman, ainda mais um Ironman no Havaí. Sempre fica uma bagagem e boas histórias para lembrar e compartilhar. É um dia mágico.
O IRONMAN
Natação: 3,8km
Ciclismo: 180km
Corrida: 42km
A origem
A modalidade surgiu no final de década de 1970, no Havaí. Depois de abrir um debate sobre qual seria o atleta mais resistente, um casal de militares da marinha americana lotado em Honolulu sugeriu combinar três provas de longa distância de natação, ciclismo e corrida. Quem completasse o desafio em primeiro lugar seria considerado o "homem de ferro (ironman)".
Em 18 de fevereiro de 1978, 15 atletas largaram para a primeiro prova do Ironman, na costa de Waikiki, em Honolulu. O americano Gordon Haller foi primeiro campeão, com o tempo de 11h46min58.
Em 1981, a competição migrou da ilha de Oahu para Hawaii, a chamada Big Island, a maior ilha do arquipélago do Pacífico, um cenário dominado por rocha de lava preta de vulcões onde os atletas têm de lidar com o "ho'omumuku", ventos que ultrapassam os 70km/h, e temperaturas que chegam a 35ºC.
Estabelecido em 2011, o recorde da prova é do australiano Craig Alexander: 8h3min56. Entre as mulheres, a melhor marca é da suíça Daniela Ryf, que venceu a prova em 2016 em 8h46min46. Os maiores campeões do Ironman somam seis títulos cada, tanto entre os homens (os americanos Dave Scott e Mark Allen) e as mulheres (a suíça Natascha Badmann).