Os olhos azuis acinzentados do filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé ficaram ainda mais desafiadores quando ele decretou com voz mansa: "Nada vai barrar, nem a ética ou a inteligência artificial, que a pessoa busque o bem-estar e a felicidade". A conversa da qual o pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv figurava como um dos protagonistas ocorreu no contexto de um dos mais importantes congressos de comunicação do Brasil, semana passada em São Paulo. A convicção do polêmico pernambucano serve para Paysandu e Inter.
A mídia alimentou o calor do confronto reavivando dois episódios do passado. O primeiro, do Brasileirão de 2002, quando o Inter, à beira de um cai-não-cai para a Segundona, venceu o Paysandu por 2 a 0 no Mangueirão e escapou do rebaixamento. Embora nunca provados, correu a boca pequena que jogadores do time paraense teriam recebido "incentivos extracampo" para facilitar a performance do colorado. No segundo, três anos depois, o então zagueiro do Juventude Antônio Carlos Zago foi acusado de ter dito que o Pará era "terra de índio". Foi como o canto de Iara, muitos torcedores vestiram cocares para recepcionar a equipe de Caxias e fizeram uma legítima festa na taba quando o atacante Robson comemorou seus dois gols com o gesto que imitava o lançamento de uma flecha.
Do presente, os jornalistas inflaram o calor úmido de Belém como uma vantagem local a fim de aumentar as chances de vitória. Só que de verão grudendo, de fazer senegalês desejar fugir de Porto Alegre, entendemos bem e ninguém nos supera. Calor não deveria derreter o Inter.
Este negócio de ficar remoendo o passado em vez de ter foco no presente, seja para Paysandu x Inter, Grêmio ou Juventude, em geral não leva a vitórias. Exceção, claro, se é para servir de aprendizado. Na mesma palestra, o provocativo Pondé resumiu: "Ética, a diferença entre certo e errado, virou fetiche". Naturalmente, o fato de a imprensa relembrar situações e boatos de uma década e meia atrás não faz a matemática da tabela blindar uma ou outra equipe. Ok, até tempera a cobertura, mas o que faz mesmo o universo de cada um ficar melhor é dedicar tempo e atenção ao que e a quem realmente vale a pena. Sempre com ética, sendo ou não fetiche.