Aos 40 anos, Alex segue proeminente na planície que é o futebol brasileiro. Destoa do discurso protocolar e avança por outros campos. Fala das falhas na educação, na cultura de valorizar apenas a vitória e usa tom crítico em relação às instituições. Em resumo, o ex-camisa 10 pensando o jogo. E a vida.
O que você está achando da Seleção do Tite?
É um momento espetacular. Não temos um momento desses desde 2005, quando tínhamos aquilo que vocês, da imprensa, chamavam de quadrado mágico, com todos jogando bem. Existiram momentos de empolgação, mas como esse, de lembrança, só aquele. A Seleção está com muita consistência, oferece pouco aos adversários.
Há o que é mais visível, que é o rendimento do campo. Mas há um trabalho por trás, de planejamento, comandado pelo Tite. O que isso pode refletir no futebol brasileiro?
Sim, essa é a expectativa. O Tite chega e tem uma ideia de bons frutos e resultados no campo, com a Seleção Brasileira como locomotiva, como deve ser sempre, para que quem venha atrás usufrua. E quem vem atrás é o futebol brasileiro. A expectativa é de que esses resultados possam também trazer algumas mudanças em termos administrativos, de novas ideias, para que todo o nosso futebol possa se beneficiar. Por enquanto, sabemos que ainda é cedo, o interesse inicial é sempre o bom resultado no campo. O objetivo final é o Mundial, falamos em um universo que tem ainda mais alguns meses. temos de esperar com será no Mundial, O importante é que essa sementinha foi colocada pelo Tite, pelo Edu e pela equipe deles e que isso reflita no futebol brasileiro.
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Tite tem adotado métodos de trabalho sintonizados com o que há na Europa, com ferramentas tecnológicas e muito diálogo com técnicos estrangeiros. Quando esse modelo de trabalho poderá ser visto no futebol brasileiro?
Acho que já tem isso, É que temos pouco interesse pelo estudo. Não é do futebol, é cultural. Não podemos dissociar o futebol da sociedade, A maneira como educamos no Brasil, sabemos, é falha,. Só separar o esporte da educação já se comete uma falha absurda. O sucesso do Tite é demonstração de que existe essa necessidade. Você pega um treinador que é ex-jogador de carreira abreviada por uma lesão e começa a carreira como técnico no Interior do Rio Grande Sul. Ele se alavanca, vira técnico de ponta e, quando está em um momento legal na carreira, decide parar para estudar, se aprimorar, e volta com ideias novas e pessoas que comungam delas. Isso é demonstração da necessidade do estudo, de se educar para aquilo que está fazendo. Isso não é apenas no futebol.
Você tem esperança de que um dia no Brasil o esporte seja usado como ferramenta de educação?
O futebol seria uma excelente porta de entrada à educação e à cultura, não tenha dúvida, Já passou do momento de ser usado. A gente traz o Tite como exemplo, traz a Seleção com bons resultados, Mas já tivemos outros modelos. Nós temos o melhor piloto da história da F-1 e ninguém o usa nas escolas. O mundo teve 25 números 1 na história do tênis e um foi brasileiro. Mas ninguém usa o Guga nas escolas. O melhor jogador de futebol de todos os tempos é o Pelé e pouco se fala,. Eu dei três exemplo e poderia dar outros vários. O Joaquim Cruz foi campeão olímpico em 1984 e talvez tenha professor de Educação Física que nunca tenha ouvido falar dele. Nós temos situações no nosso país nas quais o esporte é tratado de maneira marginal enquanto poderia estar ajudando em outras situações. Se esse pessoal todo fosse norte-americano, o tratamento que receberia nos EUA seria outro. Esporte, cultura e educação andar juntos. Mas aqui no Brasil se dissocia.
O futebol, com a força que tem, seria uma porta gigantesca para a educação.
O futebol tem essa força para unir esses polos, porque a mídia carrega no futebol. Só que a mídia, da qual eu faço parte hoje, fica na superfície também. E a superfície é se a bola entrou ou não. Mesmo quando se fala em tática de futebol, é de forma superficial. Fulano joga com uma linha de quatro, quando ataca se transforma numa linha de três. E parou a discussão por aí. Quanto foi jogo? Foi 1 a 0 para o adversário, e então tudo isso vai por água abaixo, A gente só que discutir o que os olhos estão vendo. O trabalho invisível é muito mias importante.
Que meios você sugere para expandir essa discussão do esporte ser usado com viés social?
Não vejo outra forma de educar se não for de mãos dadas com esporte e cultura. Falo isso de cadeira. Tenho uma filha que sonha em ser tenista e, muitas vezes, isso não combina com a escola. Você precisa fazer a opção. Por vezes é a escola, por vezes é o esporte. Mas eles deveriam caminhar juntos. Olha o exemplo do vôlei. Até 1992, em Barcelona, tínhamos uma prata com o masculino. Mas não sei se há material didático suficiente para contar a história do vôlei a partir de Barcelona. Acredito que não. Seria uma obrigação educar usando o Bernardinho o Zé Roberto, os jogadores da época, hoje técnicos e o jogador de hoje que era menino na época. Com todos eles, montamos material para as futuras gerações. Mas não olhamos desse jeito. Vemos o bonde passar, batemos palma se é campeão e criticamos se não alcançou o objetivo.
Como poderia ser usado um Guga, por exemplo, como agente educador?
Nunca parei para pensar. Mas pegando seu exemplo do Guga. Ele é ícone. Atrás dele tem muitos que ninguém conhece. Aí no Sul, por exemplo, tem a Niége Dias. Pouco se fala dela. No Rio, tem a (Patrícia) Medrado. Aqui em Curitiba, a Teliana (Pereira). Em São Paulo, o (Fernando) Meligeni. No tênis, tem um monte, mas ficamos com o Guga porque foi número 1 do mundo. E parece que o 25º do Meligeni foi pouco. Esse é o nosso grande problema. Se pegarmos nosso tênis de hoje, o (Thomas) Belucci está entre os 100 melhores há muito tempo. Mas o tratamento que damos a ele é como se fosse um qualquer quando, na verdade, teria muito a nos ensinar.
Por que a nossa cultura se constrói dessa forma?
Por que desde pequeno você ensina que o bom é ganhar. Você pega um filho e vai com ele a uma final de campeonato. O pai não fala da trajetória do time até chegar à decisão. Fala apenas desse jogo final. E, nele, talvez o time dele tenha sido melhor, mas o zagueiro escorregou, e o time perdeu por 1 a 0. O que é mais fácil fazer? Você execra o zagueiro que errou e esquece que para chegar à decisão o time passou por 14, 15, 20 rivais e esse mesmo zagueiro pode ter sido peça principal para levar à decisão. Mas o peso maior é a final. O trabalho todo é jogado fora por um escorregão.
No dia do jogo contra o Uruguai, quando todos estavam com a atenção voltada para a partida, a CBF fez uma reunião e mudou seu estatuto. Abriu chance para que Marco Polo del Nero fique até 10 anos no poder. Você, como ex-jogador, como viu essa manobra?
O que tenho para dizer seria impublicável. Foi um absurdo. O foco todo estava voltado para o jogo. Daí, acordamos com essa notícia, é a contramão do que todos desejam. Se olharmos para mundo político, esquecendo o esporte, esperamos clareza maior das instituições. Aí você pega a entidade maior do futebol, e ela age dessa forma. Seria engraçado não fosse trágico. O presidente que querem perpetuar está sob investigação. Não vamos culpá-lo antes da hora, mas está sendo investigado. Em qualquer lugar do mundo, qualquer pessoa séria pede licença, se defende e, caso absolvido, retorna. Mas não, ele se mantém mesmo em julgamento, e os pares criam uma situação em que se valoriza o trabalho dele e aumentam a condição para que siga. Mais do que seguir, é se perpetuar. Se lermos palavra por palavra, as dificuldades para se ter uma alternância de poder e troca de nomes na CBF parece cada vez maior.
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Os clubes não são coniventes com essa situação?
Total, 100%. Acho que a única mudança viável seria a CBF cuidar da Seleção. Temos de bater palma, eles fazem bem isso. Joguei 10 anos na Seleção e vi que funcionava muito bem para os jogadores. Acredito que continue e vá melhorar. A seleção é locomotiva, mas o trem que vem atrás está com muitas dificuldades. A conivência dos clubes é muito grande. A única forma de alterar isso é dissociar os clubes da CBF. Fazendo isso, as federações acabam, Monta-se uma liga com algumas divisões e toca-se o baile para a frente com os clubes administrando. São eles os interessados, os que jogam. Não consigo entender a motivação de a CBF participar disso.
Os clubes teriam condições de gerir sua própria vida? Teriam interesse?
Não consigo te responder isso. Nunca geri um clube. Falo como quem gosta de futebol e acompanha o dia a dia. Se acho que ele têm a capacidade de se sentar em um café qualquer neste Brasil grandão e falar "temos uma situação a resolver e tomar da situação"? Acho que não, se não já teriam feito.
O Bom Senso, por que não perdurou? No Uruguai, por exemplo, os jogadores renomados apoiaram os locais numa luta pelos direitos de imagem. Eles são milionários, mas...
Você tocou em um exemplo muito bom. Estou interrompendo sua pergunta antes do término, mas esse exemplo é perfeito. No Bom Senso, você não via nenhum jogador da Seleção Brasileira. Quando surgiu a mobilização no Uruguai, o Lugano puxou a fila e vieram junto todos os outros grandes nomes. A pergunta que te faço é a seguinte: se o Neymar toca na ferida e puxa uma fila, tem um peso muito maior do que qualquer jogador em atividade aqui no Brasil. A pergunta que fica é: ele quer tocar nisso, participar disso? O Neymar também foi educado no Brasil, no que causa uma grande diferença. O Bom Senso acaba onde imaginei que acabaria, no poder de execução. Quando iniciamos, achamos que poderíamos trazer juntos os treinadores, que não vieram. Havia a associação de diretores executivos, que não veio. São três frente importantes do futebol, que nunca conseguiram trabalhar juntas. Era muito individualizado. Hoje os técnicos brigam pela lei Caio Jr.. Não sei até onde são unidos para levar isso em frente.
Por que você diz que o Bom Senso acabou onde tinha de acabar?
Quando você não executa, que é o caso do jogador de futebol, temos uma solução: deveria parar, fazer greve. Para fazer uma greve, você precisa do sindicato. Mas muitos jogadores nem tem entendimento do que é o sindicato. Realmente, é uma situação complicada para que o jogador faça algo. Fizemos o que era possível. E olha que até chegamos longe. Fomos ao Palácio do Planalto, conversamos com a (presidente) Dilma (Roussef), com chefe da Casa Civil. Muitas coisas nós alcançamos além do que algum jogador de futebol possa ter alcançado. Só há um jeito de haver mudanças: é os dirigentes, donos das canetas nos clubes, puxando a fila para que se faça algo diferente. Qualquer outra linha, vai ter briga, barulho, mas não se terá poder de execução.
Mas pode-se esperar algo de dirigentes que são torcedores e, muitas vezes, estão nos clubes em busca de visibilidade social? Não seria necessário profissionalizar o dirigente?
Serei repetitivo na minha resposta. Enquanto não educarmos as crianças de cinco, seis anos, e mostrar a elas que o futebol é um negocio, que temos de parar de ser egoísta e pensarmos no coletivo, isso vai se perpetuando. Essa linha que você acabou de montar é a que todos os clubes seguem. Se você tem uma ideia maravilhosa, o outro vem no clube e não toca adiante porque não é dele. É isso que vemos ao longo dos anos. O complicado em clube de futebol é que há oposição e situação a pessoas e não a ideias. Por isso vemos times maravilhosos serem campeões em um ano e no outro lutarem para não cair.
A Primeira Liga é a prova de que os clubes não conseguem se unir?
É porque era um torneio pequeno no início e foram brigar por dinheiro. Na minha concepção é fácil, você discute uma parte financeira para todo mundo, e o restante será prêmio. Que for melhor vai ganhar mais dinheiro. Não entra na minha cabeça que o Flamengo ganhe mais porque tem mais torcedores. Pode ganhar um pouco mais, mas a disparidade não pode ser tão grande. No Brasil é muito louco, há times que caem de divisão e ganham mais dinheiro de cota do que um que chegou em quarto lugar. Não vejo lógica de um time com história, mas administrativamente mal, ganhar mais do que um que ficou à frente dele na tabela e está redondo em sua gestão. Se não vamos fazer um campeonato para históricos. Novas equipes que estão se estruturam de baixo para cima nunca vão alcançar bom nível porque a diferença financeira será grande.
Como você vê a atuação da imprensa esportiva?
Como responsável em vários momentos (pelos episódios), fala sem ter a preocupação de quem vai ler e ouvir no outro lado. Principalmente na rádio. Quando jogador, eu já sofria na época. Do lado de cá, sofro duas vezes. Primeiro, porque me coloco no lugar do jogador e do treinador; segundo, porque vejo que do lado de cá é muito especulativo. Não são em todas as vezes que o cara fala com firmeza. Te dou meu exemplo. O Kazin, esse atacante turco, quando veio para o Coritiba, fiquei sabendo quando já tinha assinado contrato. Foi para as redes sociais e para as rádios que eu havia indicado. E virou verdade. Eu não participo de futebol desde 2014! Essa irresponsabilidade eu imaginava quando jogava futebol. Agora, tenho certeza. Porque hoje acompanho do outro lado e sigo vendo isso.
Você foge do padrão do jogador a que estamos acostumados. Qual a sua formação?
Digo que sou curioso. Não estudei, por causa do futebol, e achei que depois de me aposentar teria tempo. Mas tem os filhos, a família, os compromissos. O que sempre fiz foi conversar com todo mundo, quem eu admirava e quem não admirava. E sou assim até hoje. Pego o que acho bom e excluo o que não considero adequado. Também leio muito, procuro me informar. Se não sei algo, vou atrás, pesquiso, tento entender o que significa, o que aconteceu.
Você teve problemas no vestiário por ter esse perfil?
Nunca tive porque sempre respeitei as hierarquias. Tanto para cima, com dirigentes e técnicos, quanto para baixo, com meus companheiros. Mas sempre dei minha opinião e me posicionei. Talvez não agradasse, mas tenho como postura dar minha opinião. Nunca deixei de fazer isso. Talvez por essa característica tenha virado capitão do Coritiba com 19 anos. Nem sei como isso aconteceu. No Palmeiras, cheguei com 19 anos e convivi em um vestiário cheio de cobras criadas, como Zinho, Evair, César Sampaio. Você aprende a lidar em um ambiente desses.
Nunca te pediram para falar menos?
Isso, sim, várias vezes. Principalmente no final da carreira, no Coritiba. Sempre respondia que era essa minha postura, de se posicionar sobre os assuntos. E avisava de que, se não estivesse legal, poderíamos rever o contrato, sem problema algum.
Você nunca pensou em se candidatar a presidente da CBF?
Não, nunca. Por que não posso pensar em algo que é impossível. Talvez haja alguma brecha, e olha que estou sendo bonzinho, para que alguém, seja quem for, ambicione a presidência da CBF. O sistema adotado lá, ainda mais com as últimas mudanças, não permite que alguém de fora tente buscar o poder. Nem mesmo um Zico, um Raí, um Leonardo. Você pode consultar os especialistas em direito, e aí no Rio Grande do Sul há muitos e muito bons, porque vocês gaúchos adoram o debate, e dirão que é impossível.
A Operação Lava-Jato, que sacode o país, tem seu coração em Curitiba, muito perto de você. Como percebe esse momento do país?
As mudanças implementadas são um marco no Brasil. Nunca se viu isso, com envolvidos em escândalos desse tipo sendo presos. Fico feliz que isso tenha começado em Curitiba, mas poderia ser em qualquer lugar do Brasil, pelo efeito que terá no país. Talvez não seja imediato, talvez eu, com 40 anos, não veja isso agora. Mas daqui a 40 anos, tomara, eu olhe para trás e veja que as mudanças feitas agora surtiram efeito.
Como você se posiciona politicamente?
Não, não tenho posicionamento, Até porque no Brasil é impossível. Os partidos são de centro e ficam à espera do que acontecerá para ir à esquerda ou à direita. O próprio PT começou com uma ideia de esquerda e depois mudou. No Brasil, pelo tamanho, pela dimensão, é impossível essa divisão política entre esquerda e direita. Porque o que é bom aí no Rio Grande do Sul pode não ser bom para Alagoas. Minha posição política vem da minha origem. Nasci e cresci numa favela, vi todos os lados e aprendi a diferenciar as coisas.
*ZHESPORTES