Existe neste momento na imprensa esportiva brasileira um embate ferrenho entre estilos de analisar futebol. Aqueles mais românticos e sonhadores, e os mais analíticos e pragmáticos. E isso não é um problema! Existe lugar para todos. Desde que haja honestidade intelectual e ética jornalística no trabalho de todos esses profissionais.
Neste domingo 9 de abril, o craque Tostão publicou em sua coluna na Folha de São Paulo (leia aqui) um texto criticando a análise tática fria e pura, em que diz: "Os números e o desenho tático servem só de referência para técnicos e jogadores e para os comentaristas mostrarem que entendem do assunto. Sem diminuir a digna profissão, até os pipoqueiros dos estádios, entre uma venda e outra, sabem desenhar a tática na prancheta."
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O texto de Tostão é muito bem escrito, como sempre. E ele tem razão em muitas coisas que diz em sua coluna. Os desenhos táticos são uma referência para o funcionamento das ideias, estratégias e comportamentos dos atletas. Durante uma partida, as coisas mudam constantemente. Inclusive porque há do outro lado um adversário, que também tem ideias, estratégias e comportamentos, e a soma desses confrontos torna o futebol tão interessante e imprevisível.
O problema não foi a coluna de Tostão. O problema é a falta de ética de muitos colegas, influentes nacionalmente, que usaram o texto de forma distorcida para justificar seus preconceitos. Tudo bem que cada um constrói a sua narrativa dos fatos, e isso é parte da história da humanidade. Mas como sempre diz o meu amigo e comentarista da Rádio Globo/CBN de São Paulo, Gabriel Dudziak: "Isso existe? Se existe mesmo, a gente precisa falar sobre isso."
As plataformas táticas existem. O próprio Tostão em seu livro "Tempos vividos, sonhados e perdidos” conta que a seleção na Copa de 70 jogava em um 4-2-3-1 e que Zagallo sabia e falava muito de tática, usando uma mesa de botão nas preleções.
E o futebol não é somente tática, é também a técnica individual e coletiva, o desempenho físico e as situações anímico psicológicas dos jogadores e times. Não se explica o futebol apenas com o tatiquês, ele é apenas UM lado dessa quatridimensão.
EXISTE OU NÃO EXISTE?
Questões como "jogo apoiado", "triangulações", "profundidade", "amplitude", "linha alta", "pressing", "compactação", "basculação", "recomposição", etc. Todos esses conceitos eles EXISTEM ou NÃO EXISTEM? Se eles não existem, tudo bem, deixa lá quieto e ninguém toca no assunto. Mas se eles EXISTEM, nós temos OBRIGAÇÃO de falar deles. Ou no mínimo, de conhecer do que se trata.
O maior treinador russo e mais vencedor de títulos de todos os tempos em seu país, Valeriy Lobanovskiy foi um revolucionário ao utilizar os números e os scouts em seu trabalho. É verdade que ele depositava confiança demasiada nisso, e junto a uma imensa disciplina militar na sua gestão humana, pode ser que não tenha tido a flexibilidade que o futebol demanda.
Mas ele se deu conta que os padrões matemáticos EXISTEM no futebol. E como qualquer padrão, vale a pena ser lido e analisado. O uso dos números no futebol é um FATO hoje em dia. E quem faz jornalismo esportivo em qualquer mídia, sabe disso e utiliza os números constantemente em seus trabalhos. A questão sempre é saber fazer uma boa LEITURA qualitativa desses números.
Meu mantra e slogan é: "Os números nunca mentem. Mas eles não contam TODA a verdade." Precisamos ter honestidade intelectual para ler, para compreender e para transformar esses números em conhecimento e informação. E isso demanda estudo, demanda busca pelo conhecimento, e muitas vezes o caminho mais fácil é ignorar esses procedimentos mais enfadonhos e cair na tentação do fácil, da barrigada, da frase feita.
Parece que muita gente já esqueceu da Copa de 2014 e dos 10×1 (Alemanha e Holanda). Parece que essas pessoas não entendem como Tite e seu 4-1-4-1 arrumou a MESMA seleção e está há nove jogos invicto e classificado antecipadamente para Copa de 2018. Ou o trabalho de Tite é apenas algo mágico e fruto do jogo bonito brasileiro?
JOIO DO TRIGO
Há muitos jornalistas esportivos no Brasil que são íntegros e que construíram suas narrativas ao longo dos anos deixando de lado esses fatos que existem. E eu admiro muito a todos, sou consciente que sem eles, não haveria espaço para o diferente e para o inovador. E não é para esses ícones que este texto está dirigido. A eles, meu eterno agradecimento.
A crítica é para aqueles que, preguiçosos em suas posições de poder, distorcem coisas como essa coluna do Tostão, para justificar sua indolência. O público que ama o futebol quer e pode consumir tudo ao mesmo tempo. Ele quer a verve da paixão e os dados da ciência. Ele vai criar a sua própria narrativa a partir de todas as fontes disponíveis.
Nossa obrigação é ser intelectualmente honestos e falar das coisas que existem no futbeol. Conhecê-las e traduzi-las dentro do nosso estilo e narrativa. Não é necessário atacar ou desmerecer quem faz as coisas de forma certa e correta para justificar um trabalho preguiçoso e alienado.
Agora amigo, se você ainda duvida que esse trabalho existe, nós não somos ETs. Eu vou até sugerir que você conheça alguns jornalistas ativos no Twitter que podem ajudar a abrir a sua cabeça e desmistificar seus pré-conceitos. Vale a pena segui-los. #FicaADica
- André Baibich: @abaibich
- Bruno Formiga: @brunoformiga
- Caio Gondo: @caiogondo
- Carlos E. Mansur: @carlosemansur
- Carlos Guimarães: @csguimaraes
- Dassler Marques: @dasslermarques
- Gabriel Dudziak: @–gabrieldud
- Leandro Miranda: @leandrobdm
- Leonardo Miranda: @leoffmiranda
- Raphael Rezende: @raphaelrezende
- Renato Rodrigues: @rnato–rodrigues
* Rádio Gaúcha