Anunciada como embrião da união de clubes capaz de assumir, em um futuro breve, a organização da principal competição nacional, a Primeira Liga se desmantelou e agora contribui para um dos principais calos do futebol brasileiro.
Com o posicionamento político fragilizado pela luta dos integrantes por seus próprios interesses, tornou-se um estorvo a apertar ainda mais um calendário que já sofria com o acúmulo de jogos.
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Quando foi criada, no fim de 2015, a Liga foi saudada como a primeira iniciativa de reunião dos clubes desde a implosão do Clube dos 13. O próprio nome, semelhante ao da Premier League inglesa, maior caso de sucesso comercial de ligas de futebol, dava ideia de que a intenção era chegar ao ponto de assumir as rédeas do que hoje é o Brasileirão. A primeira edição do torneio, em 2016, seria uma forma de marcar posição e mostrar força.
O aspecto esportivo era algo menor. Hoje, a competição talvez seja o único elo na frágil união que ainda existe entre os clubes.
– Há uma sobreposição de datas, de calendários. É a principal situação, que força a não disputar com os times principais – diz o presidente do Grêmio, Romildo Bolzan, um dos idealizadores da Primeira Liga, ao justificar a escalação de reservas em 2017.
Bolzan não foge, porém, da questão política que reduziu a força da iniciativa:
– Há um vazio político de capacidade de organização dos clubes brasileiros. É um diagnóstico claro. A Primeira Liga era também a retomada de um canal para recompor o debate interno. De sermos capazes de, maduramente, irmos muito além das questões individualizadas dos clubes. Temos de entrar lá despidos das questões dos clubes. Se entrarmos com os mesmos vícios de sempre, vamos morrer na praia. Temos de ter o espírito de estar lá por acreditar em uma causa corporativa.
A negociação do contrato de televisionamento da edição de 2017 gerou a mais importante fissura na Primeira Liga. Os clubes acordaram cotas escalonadas, nos moldes do que se faz no Brasileirão, em que equipes como o Flamengo, que têm maior apelo popular, ganham mais. A dupla Atletiba, que receberia menos, não aceitou. Argumentou que a liga visava, justamente, buscar uma distribuição mais igualitária das verbas. Os paranaenses, então, se retiraram da competição.
A divisão foi simbólica. O que se esperava ser um bloco unido em nome de um futebol melhor e, esperava-se, contra os desmandos da CBF, rachou por dentro.
– Só vai ter liga no Brasil quando os clubes chegarem a um consenso de que, nela, os dirigentes não serão os executivos. O ideal é ter executivos independentes que administram com o objetivo de gerar muito lucro para os acionistas, no caso, os clubes. Políticos tomando conta de uma liga, é mais do mesmo – critica Amir Somoggi, consultor de marketing e gestão esportiva.
Torneio pode ir para a pré-temporada
Somoggi conta que chegou a apresentar aos dirigentes sugestões de como trabalhar a imagem do torneio, de modo que ganhasse maior apoio popular. Lamenta, porém, que suas ideias não tenham sido implementadas:
– Ainda que a competição não fosse a mais valiosa, poderia ter engrenado com um bom aparato de marketing e comunicação, geração de conteúdos digitais, criando relevância fora de campo. É algo que a CBF não faz, que as federações não fazem. Poderia ser introduzida a ideia de que cada ingresso vendido seria parte da revolução do futebol brasileiro.
Agora, com a liga fraturada e clubes obrigados a jogar em noites consecutivas, como o Inter, os dirigentes buscam alternativas para que a Liga, que não tem ajudado, ao menos não atrapalhe. Gilvan Tavares, atual presidente da Primeira Liga, já cogitou a ideia de transformar o torneio em uma competição curta de
pré-temporada, nos moldes da Florida Cup, em uma sede única.
– A prioridade agora não deve ser tentar parar de pé um torneio tão frágil. Temos de discutir a criação de uma associação forte de clubes, como temos na Europa – defende Eduardo Tega, executivo da Universidade do Futebol.
Bolzan, porém, mostra-se aberto a debater a ideia. O presidente gremista ainda nutre esperanças de que a Liga e, principalmente, a união de clubes que ela representa, vá adiante.
– Acho que a formatação da parte esportiva está em aberto, mas o torneio, desde o início, era algo secundário. Achava mais importante a organização política. Espero que a gente possa construir esse diálogo no futuro – conclui o presidente do Grêmio.
*ZHESPORTES