O campeão voltou. Para o seu lugar. Protagonista da história mais fascinante do futebol mundial em maio de 2016, ao desafiar a lógica e os bilionários e ganhar a Premier League, o Leicester convive agora com a drop zone. Numa tradução rápida, zona de queda. É assim que os ingleses chamam o pelotão do rebaixamento. Há variações. A BBC, mais polida, trata o descenso como "relegation zone". Seja qual for a expressão usada, o destino é o mesmo, a dura Championship´, a segunda divisão em que ainda se joga o futebol inglês à moda antiga, sem economia de cruzamentos e sem as cifras da elite.
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Na Inglaterra, caem os três últimos. O Leicester é o último antes da drop zone. Um ponto o separa dela. Mas passa a impressão de marcha firme para o calabouço. Em 2017, fez seis jogos na Premier League. Perdeu cinco e empatou um. O mais alarmante é sua produção ofensiva: zero. Para completar, a defesa levou 12. A pressão só aumenta e começa a emparedar o técnico, o italiano Cláudio Ranieri, recém eleito o melhor da temporada 2016 pela Fifa. Ainda mais que Hull City e Swansea, contrariando os hábitos locais, trocaram seus treinadores e deram sinais de recuperação. Antes do 3 a 0 para o Manchester United, Ranieri foi sincero ao analisar a situação do time:
– O conto de fadas acabou. Agora é a realidade.
A realidade sempre foi lutar contra o rebaixamento em Leicester. Seus 330 mil moradores estavam acostumados a, durante a semana, procurar saídas à crise provocada pela quebra das fábricas de calçados e, nos fins de semana, se distrair com a penúria do time.
A vida parecia seguir um curso previsível na cidade da região central da Inglaterra e a 160 quilômetros de Londres. Só que tudo virou de pernas para o ar em 2016. O clube conquistou seu primeiro título nacional em 132 anos e colocou Leicester no mapa. O turismo incrementou-se. Principalmente com japoneses, atraídos pelo atacante e compatriota Okazaki.
Até mesmo o tour pelo King Cross Stadium ficou concorrido. Era preciso reservar 60 dias antes. A cidade viu a roda da fortuna girar a seu favor. Jogadores antes coadjuvantes, como o atacante Vardy, o meia argelino Mahrez, o volante Drinkwater e o zagueiro jamaicano Morgan viraram sensação. A fartura, porém, não atravessou o inverno.
Mesmo os ingleses, sempre frios nas análises, buscam entender o que se passa com o Leicester, me diz por telefone, o jornalista londrino Jack Lang. Freelancer para o Daily Mirror e o clássico The Guardian, Lang não consegue apontar uma razão só:
– É uma situação bizarra. Ninguém esperava que fosse campeão de novo. Mas que brigaria em oitavo, nono.
Jack lista alguns indicativos. O primeiro é a saída do volante francês Kanté. Ele jogava por dois e, como mostra no Chelsea, tem categoria superior. Outro seria a frustração de quem imaginava uma transferência milionária depois do título. Ele se refere a Mahrez. É nítida sua apatia, observa o jornalista. Uma terceira razão seria o desinteresse na Premier League em detrimento da boa campanha a Liga dos Campeões, na qual enfrentará o Sevilla. O jogo de ida das oitavas de final será na quarta-feira, na Espanha.
– É difícil motivar um grupo que ganhou um título desses. Os jogadores já chegaram ao topo, a algo imprevisto. O Kanté está bombando no Chelsea porque teve outros objetivos – explica Jack.
Nem mesmo Vardy, 22 gols na última temporada, consegue decolar. Mesmo que se esforce e se mostre inconformado com a situação do time e com seus parcos cinco gols. No último domingo, depois do 2 a 0 para o Swansea, o ex-atacante da seleção inglesa Teddy Sheringham deu um conselho típico de craque britânico das antigas para o Leicester desopilar: sair, beber e arrumar uma briga leve na noite. Ranieri, menos polêmico, fez apenas um pedido:
– Vamos atrás de 40 pontos. A realidade precisa voltar, e como duas temporadas atrás, lutaremos até o fim.