Paulo André fala com orgulho do período em que ajudou a fundar e atuou como líder do Bom Senso F.C. O zagueiro do Atlético-PR cita a visão do grupo ao apontar problemas do futebol brasileiro antes de o 7 a 1 os escancarar para o mundo, e destaca que, aos poucos, as reivindicações do movimento vão tomando forma.
Nesta entrevista a ZH, o jogador conta como os atletas estiveram muito perto de paralisar o Brasileirão de 2013, reclama da falta de cultura de mobilização do Brasil e revela os planos para quando se aposentar.
Qual foi a importância do Bom Senso?
O movimento foi importante em 2013, 2014, com muita mobilização, conquistas importantes, algumas palpáveis, outras que vêm se desembrulhando aos poucos, exatamente porque lá atrás o Bom Senso pautou, chamando a atenção para um problema e elevando o nível de discussão. Mas, como os jogadores mais velhos acabaram parando, e os mais jovens têm um certo receio desse tipo de atuação, há uma dificuldade natural de reunir atletas ou pessoas que pensem o futebol, e que queiram seguir lutando por melhorias no esporte.
O quão perto estivemos de uma greve de jogadores em 2013?
Não aconteceu por detalhe. Em 2013, ela era real e, muito provavelmente, não aconteceu para que os times que estavam brigando contra o rebaixamento não usassem isso como desculpa para uma virada de mesa.
Chegou a ser colocado em votação entre os jogadores?
Mais de uma vez. Não lembro tão bem. Alguns episódios aconteceram, da falta de pagamento para alguns times. A corda quase estourou. Faltou muito pouco. Não sei se teria acelerado uma mudança, mas me parece que a gestão dos clubes, de lá para cá, pelo menos não piorou.
Há quem diga que houve uma mudança de foco, da pauta inicial do calendário para a questão do Profut, o que teria afastado o engajamento dos jogadores pelo tema duro da legislação esportiva. Você concorda?
Não, discordo. Desde o início do movimento, duas bandeiras foram levantadas: calendário e fair-play financeiro. O Profut foi um desenrolar do fair-play. O Bom Senso nunca falou de nenhuma outra pauta que não fossem essas duas. Como nós fomos bloqueados na CBF, e o calendário depende dela, o Profut era uma pauta mais democrática. Fomos muito bem recebidos em Brasília. O projeto avançou bem, tivemos reuniões com a presidente, atletas renomados indo à Brasília. Naquele momento em que havia esses atletas experientes, querendo colaborar com o futebol brasileiro, a gente se mobilizou nessa pauta. O calendário, aos poucos, vai se arrumando. Acredito muito que, por conta dessa questão ter sido levantada lá atrás, abriu-se a discussão. Assim como o Profut: hoje temos menos clubes inadimplentes, com uma gestão mais centrada, menos temerária. O progresso é lento, mas eu vejo pequenos pontos de melhoras, como o Flamengo. Aqui, o Atlético-PR é um exemplo. O Grêmio também, com a mudança radical de política de contratação para equilibrar o caixa.
Em algum momento houve divergências graves de opinião entre os integrantes?
Não houve. O problema não foi a desunião, pelo contrário. O problema é do país e não especificamente do futebol. O brasileiro tem muita dificuldade de se organizar para reclamar seus direitos. O país agride quem pensa e se posiciona. Temos uma grande maioria que não age e nem reage. Mas isso é entre professores, jornalistas, etc. Pouca gente faz alguma coisa para melhorar o país.
Qual sua sensação ao lembrar da participação no Bom Senso?
Tenho muito orgulho. Era um grupo especial, de atletas que em algum momento foram meus ídolos, como Dida, Alex, Juninho, Cris, Juan e tantos outros. Nos aproximamos demais, hoje somos amigos. Defendemos coisas que, aos poucos, estão acontecendo. Olhamos para trás e vemos que não estávamos malucos. Tivemos alguns episódios horrendos com a Seleção Brasileira, com o futebol brasileiro, e a gente acabou sendo vanguardista. Antecipou tudo isso e mostrou que o caminho estava levando para o abismo. Sem dúvida, minha carreira sofreu algumas consequências. Tive uma grande exposição e, por isso, dificuldades de seguir uma carreira tranquila. Mas, como eu disse, tenho orgulho. Faria tudo de novo e, hoje, com mais experiência para conduzir melhor as negociações e demandas do movimento.
Você tem algum plano de se envolver com a mesma intensidade em outros movimentos ligados ao esporte?
Eu sou diretor da Atletas pelo Brasil, que é uma ONG de atletas com 80 grandes desportistas do Brasil, que atua em Brasília. Tenho algumas responsabilidades, mas é um movimento mais político, menos radical, menos ofensivo, que também luta por melhorias para o esporte em geral, não voltado apenas para o futebol. Participo com orgulho e ativamente, mas, por outro lado, dentro do futebol, nesse final de carreira, não pretendo atuar. O que eu tenho feito é estudar. Estou terminando a faculdade de administração, terminando um curso de gestão na Fundação Getúlio Vargas e, muito provavelmente, ficarei dentro do futebol trabalhando em alguma área diretiva, de gestão, ou mesmo técnica, após o fim da minha carreira.