Foi vendo Aurélio Miguel conquistar a então inédita medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, que eu, na época com seis anos, tive despertada a vontade de praticar judô. Tenho certeza de que o mesmo ocorreu com outras pessoas durante os Jogos do Rio.
Milhares de crianças foram tocadas pelo amor ao esporte e deverão buscar meios para praticar uma modalidade nos próximos dias e semanas. Então, dentro de alguns anos, alguns deles representarão o Brasil em uma próxima Olimpíada e todos eles se transformarão em adultos melhores porque levarão para a vida os ensinamentos que o esporte propaga. Isso é o cenário ideal. No entanto, ele é também irreal.
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Irreal porque, infelizmente, o Brasil não está preparado para receber um novo contingente de futuros atletas. As escolas públicas, em sua grande maioria, não têm qualquer infraestrutura para esportes, deixando os professores abandonados à ditadura da bola de futebol. Não há pistas, ginásios ou piscinas. Nem mesmo o mais básico em grande parte dos casos.
A situação é ainda mais triste porque essa divulgação massiva dos outros esportes, que é incomum no Brasil, deve ser em grande parte desperdiçada. E pior: as crianças – principalmente as oriundas das camadas menos abastadas da sociedade – que forem buscar alternativas para a prática de modalidades menos comuns, como ginástica artística ou rítmica, esgrima, tênis de mesa, judô, vela ou remo, apenas para citar alguns exemplos, ficarão frustradas com a falta de oferta.
Lembrando que o esporte é uma forma de ocupação e de desenvolvimento da criança. Se ela vai ser ou não uma atleta no futuro, só o tempo e as consequências do próprio esforço e das condições oferecidas poderão dizer. O certo é que, mesmo que os treinos não sejam capazes de fazê-la alcançar grandes performances, servirão para torná-la mais saudável física e mentalmente, e menos suscetível ao mundo das drogas, entre outros problemas sociais.
Lamentavelmente, hoje em dia, algumas escolas e projetos sociais e, principalmente, os clubes, são ilhas que desenvolvem o esporte e oferecem alternativas às crianças. Porém, na maioria dos casos, eles são inacessíveis à maioria das pessoas. Essa lógica perversa, ao fim e ao cabo, nada mais faz do que acentuar as diferenças e aumentar o abismo entre os privilegiados e a massa.
*ZHESPORTES