Se é a primeira vez que isso acontece, não sei. Mas agora temos dois técnicos no comando da Seleção Brasileira. O primeiro todo mundo conhece. É Tite. Ou Adenor Tite, como ele assina no WhatsApp. Revogar o nome pelo qual a mãe, dona Ivone, o chama? Nem pensar.
Um pouco da personalidade de Tite está nesse talento para harmonizar vontades e opiniões, dando voz de verdade a quem está perto e não só no discurso. O que ficou muito claro logo no primeiro contato com Cléber Xavier, 52 anos, o outro técnico da Seleção. Foi há quase 16 anos. Campeão gaúcho pelo Caxias, Tite recém-chegara ao Grêmio. Veio com Geraldo Delamore na preparação física.
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A direção indicou como seu auxiliar um jovem do Alegrete que, aos 37 anos, já somava 14 anos de experiência: oito na base do Inter e seis na do Grêmio, com passagem relâmpago pelo Bragantino. Quando Antônio Carlos Verardi foi avisá-lo de que o substituto de Leão o esperava para uma conversa no vestiário, já tinha passado por todos os cargos possíveis em se tratando de base, de estagiário na escolinha até coordenador. E sempre erguendo taça.
– Tu sabes por que te chamei aqui? – perguntou Tite, debaixo de uma franja escura, já que o tempo passa para todos nós.
– Imagino que para saber informações de alguns jogadores meus – respondeu o então técnico dos juniores, ainda sem saber da missa a metade.
Os jogadores eram Carlos Gavião, Anderson Polga e Eduardo Costa. A torcida perseguia os dois últimos com alguma crueldade. Lembro de entrevistá-los e sentir no rosto deles um tom até de vergonha pela situação. Contra todos os prognósticos, Cléber os encheu de elogios.
Tite ficou até meio surpreso, tal a intensidade das críticas, porém acatou a opinião daquele baixinho desconhecido, mas que tinha a riqueza do dia a dia a seu favor.Já abrindo a porta para ir embora, Cléber ouviu uma última, definitivamente surpreendente frase de Tite:
– Ah, e a partir de amanhã trabalhamos juntos.
O resto da história todo mundo conhece. Com Polga e Eduardo jogando muito no 3-5-2 mais ofensivo da história do futebol brasileiro, o Grêmio ganhou a Copa do Brasil de 2001. Após mais de uma década de casamento sem uma briga sequer e forrado de faixas, Tite aprendeu a ouvir e confiar cegamente em Cléber. No Corinthians, por algum tempo, a bola parada era com ele e mais ninguém. Foi também espião, de ir a treino aberto do adversário, como naquela vez em que Luxemburgo o flagrou. Deu um rolo danado. No começo, era um faz-tudo, incluindo assessoria de imprensa. Hoje, na Seleção, a equipe é enorme. Mas a primeira vez ninguém esquece:
– Aquela conversa foi decisiva. A sintonia nasceu ali. Futebol é cada vez mais ciência, mas tem aquela coisa de bater o olho. Nós dividimos muito, e isso valoriza o trabalho. Inclusive acho que por isso eu nunca aceitei convites de voos solos. Não me sinto uma linha auxiliar com o Tite. Sinto-me como parte importante de um parceria que vem unindo desempenho e títulos. Somos dois técnicos de uma equipe na qual a palavra final é dele, mas tudo é resolvido em conjunto.
E a ambição de ser o nome mais reluzente no luminoso do filme em cartaz? Nunca apareceu?
– Não tenho muito disso, não. Tanto que nem tenho aquelas salinhas em casa para guardar medalhas e prêmio. Um amigo me pede, de recordação? Entrego. Alguém da família? Melhor ainda. Sou bem desapegado dessas coisas.
Se você chegou até este parágrafo e concluiu que temos dois técnicos iguais na Seleção, concluiu errado. A visão de futebol é igual, mas o jeito e o temperamento são opostos. Tite é fechado. Cléber quebra o gelo. Na festa do Gauchão de 2001, Paulo Sant’Ana invadiu o campo e lascou um beijo estalado na bochecha de Tite. Que não gostou muito, mas deixou assim. Dali em diante, volta e meia Cléber o sacaneava, nos tempos da comunicação por rádio, hoje proibida. Depois de uma troca de ideias a sério, ele largava, deixando Tite olhando apavorado para os lados na área técnica.
– Ah, e tu abre o olho que o Sant’Ana tá aí do teu lado...
Tite mergulha obsessivamente no trabalho. Vê jogo atrás de jogo. Agora mesmo, na CBF, anda impossível, dando expediente das 10h às 19h. Cléber o acompanha, mas abre espaço para o lado social como combustível. Adora fotografia. A mulher, Susie, é artista plástica e o acompanha em shows de música e exposições. Uns 15 por mês. O irmão, Zeca Xavier, é ator. O filho Pedro, 22 anos, formado em Educação Física como o pai, chegou de especialização na Califórnia. Surfista, vai adorar o Rio.
A paixão pela música, seja MPB ou latino-americana, vem de berço. Cléber é da Família Fagundes por parte de mãe. Neto Fagundes, do Galpão Crioulo, do Pretinho Básico e do mundo, é primo e compadre. O sotaque alegretense, aliás, não tem um assobio sequer de paulistês e carioquês. É genuíno. Se Tite é religioso e totalmente da família nas horas vagas, Cleber sai “por aí”. Cresceu na cantoria, no riso fácil, nos causos. Um destes causos ele mesmo conta.
– Eu querendo tirar o Rodrigo Mendes. Achava que ele estava mal, errando, sem cumprir o combinado. Eu dizia, pelo rádio: “Tite, tira o Rodrigo”. E nada. Dali a pouco, de novo: “Tite, tira o Rodrigo”. Na terceira vez que eu disse “Tite, tira o Rodrigo” ele explodiu: “Não vou tirar e pronto”! Aí dá gol do Grêmio. Do Rodrigo. Ele ficou na dele, mas meio brabo. Eu espero passar um tempinho e entro no rádio: “Tite, NÃO tira o Rodrigo”.
Dois técnicos que se completam, uma só Seleção. Estamos nas mãos deles, do Adenor e do Cléber.