Existem dias em que pequena cidade de Baía da Formosa, com pouco menos de 10 mil habitantes, a 94 km de Natal, capital do Rio Grande do Norte, fica com os bares e restaurantes lotados de torcedores. As famílias saem às ruas, como se o resultado da competição dependesse apenas de seus pensamentos positivos. É assim que os habitantes da simpática praia, conhecida pelas belezas naturais, acompanham, de longe, rotina de um menino que cresceu nas águas locais: Italo Ferreira, 22 anos, atualmente vice-líder do ranking do mundial de surfe, naquela que é apenas a sua segunda temporada na elite.
O menino chegou ao topo de forma discreta. Sua performance era uma incógnita para os estrangeiros e nem tão conhecida por parte dos brasileiros que apreciam o esporte - a exceção, claro, são os potiguares, acostumados desde a cedo a ver o garoto com as pranchas embaixo do braço, sem se importar se nelas faltavam quilhas, metade da rabeta ou parte do bico. Pois Italo surpreendeu. Terminou na prestigiada sétima colocação (resultado incomum para estreantes) e faturou o título de Calouro do Ano. Ufa, objetivo alcançado.
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A surpresa começou já na primeira etapa de 2015, na australiana Gold Coast. O brasileiro derrotou, na terceira fase, ninguém menos que o 11 vezes campeão mundial Kelly Slater. Vitória que veio a se repetir quatro etapas depois, em Fiji, local em que o mito americano já faturou o título quatro vezes (e que, curiosamente, é a próxima parada do tour).
– Eu gosto de competir com esses caras, Kelly, Mick (Fanning) e Gabriel (Medina). Dá mais vontade de vencer a bateria. Eles me colocam no meu limite. Tento fazer meu melhor, porque, se eu errar, vou perder para eles - afirma Italo. – O Kelly é sempre favorito em Fiji. Quando eu vi que iria competir com ele, fiquei nervoso. O mar estava grande e eu sabia que seria loteria. Ele foi em ondas em que não conseguia sair do tubo. Percebi isso no meio da bateria e fui fazendo minha estratégia, aos poucos somando o suficiente para ficar na liderança - relembra.
De melhor estreante, Italo passou a candidato ao título. Ganhou a alcunha de "Destemitalo" e viu seu nome aparecer em diversas apostas quando a pergunta era sobre os surfistas que têm chance e potencial para levantar o caneco em 2016. Ele mesmo admite que esse é o objetivo. Promete tentar até a "última de suas forças". E talvez nem seja preciso tanta força assim. O começo foi com boa pontuação, o que pode ajudá-lo daqui para frente.
Em duas das três etapas na Austrália, chegou à semifinal (Bells Beach e Margaret River). No Rio de Janeiro, não teve o desempenho que esperava. Parou no quinto round, a repescagem, para o australiano Jack Freestone, que viria a disputar e perder a final para o havaiano John John Florence. Mas é a partir de 5 de junho, quando começa a etapa de Fiji, que Italo avalia que o ano terá seu "start" (início, em inglês).
Os surfistas terão pela frente ondas tubulares e poderosas - além de Fiji, há as famosas de Teahupoo, Supertubos (Portugal), Hossegor (França) e a última, em Pipeline, no Havaí. Nesse tipo de disputa, Italo divide-se entre os treinos na água e os estudos. Conta com o auxílio da internet para avaliar o próprio desempenho e o de seus concorrentes.
– Ano passado eu estudei bastante essas ondas. Via bastante vídeo, analisava como os atletas se posicionavam no mar, como eles surfavam as ondas, quais manobras que eles executavam antes do tubo, depois do tubo. Então coloquei essas coisas na minha cabeça, tentei absorver e fazer isso na bateria. Tive um resultado bom. Em Fiji e Teahupoo, fiquei em quinto nas duas, apesar de nunca ter ido a essas lugares. Consegui me adaptar rápido a essas ondas e meu equipamento estava muito bom. Esse ano não vou fazer diferente. Estou assistindo quando tenho tempo. Quando a internet está boa, eu coloco no Youtube e fico analisando as baterias, as minhas também, para ver o que eu errei durante o evento do ano passado e fazer melhor esse ano.
Pranchas de isopor e susto do pai
Italo não fica preocupado por ainda não ter levado o título de uma etapa. O momento certo vai chegar, é o que mentaliza. A ascensão foi tão rápida que ele até brinca que se surpreendeu com as próprias performances. Há pouco mais de uma década, ainda ia para o mar com pranchas feitas de tampa de isopor.
O pai, Luis, conhecido como Luisinho, sempre foi ao porto de Baía da Formosa pegar peixes para vender aos restaurantes locais. Para conservá-los, utiliza o isopor. Assim, o menino, com seus oito anos e uma vontade imensa de surfar, pegava o instrumento de trabalho da família e transformava em utensílio para o surfe. À epoca, os Ferreira não tinham condições de bancar uma prancha adequada - muitas vezes, ele ganhava alguma em que faltava uma parte essencial para o desempenho em alta performance.
– Até que meu pai conseguiu comprar uma prancha nova e, já na outra semana, ganhei meu primeiro campeonato. As pessoas ficavam falando: "ah, você tem futuro". Fui para os estaduais e fui indo bem e coloquei isso na cabeça, de entrar no circuito mundial - relembra.
A família não costuma viajar para acompanhar Italo nas etapas. Além da venda do peixe, a mãe administra uma pousada, que Italo tratou de reformar, comprando também um terreno anexo, e precisa cuidar da avó. A única etapa em que conta com o apoio in loco é a brasileira, que seu Luisinho vai para torcer pelo filho. Torcer e, como aconteceu certa vez, também dar um susto:
– Ele me deu um trabalho ano passado. Ele tinha uns probleminhas de saúde, mas agora está tudo bem, graças a Deus. Ano passado eu ia surfar a semi contra o Filipe (Toledo, que foi campeão da etapa do Rio em 2015), e aí meu pai passou mal uma noite antes. Eu estava dormindo, chegou meu amigo e falou: "seu pai está muito mal, ele está com o corpo gelado, não está se sentindo bem". Aí fui para o hospital e meu amigo falou que eu podia dormir, mas eu fiquei com isso na cabeça e fui. Quando deu 4h30min da manhã, voltei para o hotel, dormi uma hora. Acordei para surfar antes do evento e tive que competir contra o Filipe - conta ele, aliviado que, na época, o título da etapa não foi possível, mas ao menos o pai ficou bem.
Antes da etapa de Fiji, que começa no próximo domingo (sábado, pelo horário de Brasília), Italo parou para descansar um pouco em Baía da Formosa. Mas não consegue ficar parado por lá. Costuma correr na praia e surfar no quintal de casa. Assim é o intervalo no calendário do mundial, com períodos na cidade em que nasceu e outros em São Paulo.
Fã de Mick Fanning, Italo espera traçar um caminho tão vitorioso quanto o do australiano três vezes campeão mundial. Se, por um lado, falta bastante para chegar a esse patamar, uma certeza existe: o foco e empenho do tempo das tampas de isopor perdura até hoje.
*ZHESPORTES