Não estou entre os fanáticos por Maradona. Também não é pela efeméride em si que El Diéz virou a ilustração deste texto. Um dos gols mais famosos da história das Copas está completando 30 anos agora em junho. Sim, esse mesmo: a Mão de Deus. Ou La Mano de Diós, que em espanhol fica mais dramático e apropriado.
Como se sabe, o maior e melhor jogador argentino de todos os tempos cerrou o punho e desferiu um soco na bola ao pular com o goleiro inglês Peter Shilton, 20 centímetros mais alto, nas quartas de final da Copa de 1986, no México. O árbitro tunisiano Ali bin Nasser não viu, possivelmente enganado pelo meneio malandro com a cabeça.
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Um gesto feio, mas que evoca um aspecto para reflexão, mirando essa Seleção morna que estreia neste sábado na Copa América nos EUA. Foi logo após aquele jogo, há 30 anos, eternizado também por outro gol seu, este maravilhoso e legítimo, no qual dribla o time inteiro da Inglaterra, a Rainha Elisabeth, os monges da abadia de Westminster e a guarda real do Palácio de Buckingham antes de deslocar o goleiro, que Maradona cunhou o termo. Perguntaram-lhe se o gol tinha sido de mão ou de cabeça:
– Um pouco com cabeça e um pouco com a mão de Deus.
Maradona é um gênio, mas fora de campo aprontou algumas que nem o seu talento de Leonardo da Vinci pode absolver. De arma em punho, atirou contra jornalistas que pretendiam entrevistá-lo, numa de suas tantas crises. Jornalistas são pessoas, e disparar balas de borracha contra pessoas, além de crime, não é o melhor dos argumentos. Mas, entre defeitos, tinha uma virtude em falta nos jogadores brasileiros: envolvimento com o mundo ao redor.
Era um astro que se envolvia, para o bem ou para mal. Assumia riscos de se prejudicar pelo que defendia, mas e daí? Talvez pela cultura sindical do futebol argentino. Os capitães dos times se reúnem e paralisam o campeonato por não pagamento de salários ou violência de torcidas. Aqui, nem pensar. A Fifa perseguiu Maradona, em razão de suas críticas a um sistema que, hoje, sabemos bem como funciona. Não foi por isso que seus exames antidoping deram positivo, é claro.
Falo da motivação, tão somente.
Anos antes de 1986, a Argentina se envolvera numa guerra estúpida e fadada à derrota contra a Inglaterra pelas Ilhas Malvinas, até hoje em poder britânico, mesmo localizada na plataforma continental da Patagônia. A Mão de Deus estava nesse contexto. Não era uma simpatia aos generais ditadores da Casa Rosada, e sim pelo terrítório gelado seguir em mãos estrangeiras usurpadoras, na visão dele. E, claro, pelos milhares de jovens que morreram lutando de bodoque contra os misseis teleguiados da poderosa frota da rainha.
Campeão dos pesados em 1967, o jovem Muhammad Ali teve o cinturão confiscado e foi proibido de lutar por três anos e meio porque se recusou a ir ao Vietnã. Posicionou-se contra a guerra. Acusaram-no de comunista. Perseguiram-no. A Bósnia jogou a última rodada da primeira fase da Copa de 2014 já eliminada, contra o Irã. Queria vencer na condição de povo livre pela primeira vez. Lutou como se fosse a guerra da independência. Os jogadores choraram abraçados ao final.
No Brasil, o Bom Senso FC vive de jogadores aposentados ou em vias de pendurar chuteiras, sem nada a perder. É uma consciência só no bônus do discurso bonito, sem o ônus das consequências. A CBF cai de podre, encharcada em escândalos, mas nenhuma voz da ativa, com espaço na mídia, se ergue.
Na Seleção, a preocupação é o novo boné de grife, a última tatuagem, o corte de cabelo diferente, o fone mais colorido. Jogadores falam para a imprensa com fastio, como se não fosse obrigação deles prestar satisfação aos brasileiros. Fazem caretas e poses para o clique dos fotógrafos nas coletivas.
Nem sobre o calendário, uma obviedade, se ouve uma palavra solidária. Para que, se a maioria atua na Europa? A Seleção que estreia neste sábado contra o Equador é uma potência individualista, sem rumo, sem uma ideia, sem a nobreza do idealismo e comandada por personagens que não representam ou inspiram a confiança de ninguém, venham de onde vierem.
Não há mais aquela consciência de representar um país pobre. O culto da ostentação é flagrante. Não se exige andar de sandálias, mas precisa exagerar?
E não é assim numa certa capital do Planalto Central, que troca de técnico e nada acontece, já que os jogadores são os mesmos?
Dunga já cortou mais convocados do que Michel Temer trocou ministros.Maradona talvez não seja o melhor dos exemplos, admito, mas perto do que temos para o momento, seria um Winston Churchill da bola.
É o que recolho dos 30 anos de La Mano de Diós.