A guardiã Paula atende, diz bom dia e avisa:
– Ele vai atender.
Do outro lado, em São Paulo, está Rivellino, uma lenda do futebol planetário, um dos 11 homens da melhor seleção de futebol de todos os tempos. Desde o glorioso e preto e branco ano de 1970, marco zero do Brasil como referência mundial com a bola no pé, agora mero coadjuvante, passaram-se 46 anos. Hoje, o paulistano Roberto Rivellino não tem mais 24 anos. Fez 70 em janeiro, mas o futebol ainda pulsa nas suas veias de descendente de italiano.
– Sei o que você deseja – ele avisa, sotaque inconfundível, antes de ouvir a pergunta e depois de responder um “tudo bem”, “como vai”.
– Sim?
– Quem será o melhor do Brasileirão? Certo? Todo mundo me pergunta. Não sei dizer. Não sou profeta. Posso afirmar, aí é real, que o futebol brasileiro vive um momento tão ruim que é mais fácil olhar para baixo da tabela e profetizar sobre quem vai cair ou não. O país joga um futebol de Série B, às vezes de C. Dá pena. Um ex-jogador como eu sente muito. Lamento pelo torcedor brasileiro.
Explico que o Brasileirão, que entra na segunda rodada neste final de semana, não é o tema central da conversa. O assunto é camisa 10, carência absoluta na dupla Gre-Nal, no futebol brasileiro, nos palcos europeus. Ele gosta do papo. Fica empolgado. Sua camisa 10 foi icônica no Corinthians e no Fluminense entre 1965 e 1978. São peças de museu. Foi Pelé que inventou o número na Copa do Mundo de 1958. Depois que ele vestiu a camisa, o futebol nunca mais foi o mesmo. Se Pelé foi Rei, Rivellino encarnou um dos seus príncipes.
– Vejo dois no país. Paulo Henrique Ganso, do São Paulo, é um, mas ele não corre. O Lucas Lima é o meu preferido. Seria titular da Seleção. Esse tem tudo: chuta, passa, arma, dribla e, claro, se movimenta muito. Está em todos os lugares. Não noto um terceiro nome. Tem alguém aí no Sul?
– Não, nem um só – respondo.
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Pergunto na sequência.
– Onde mora o verdadeiro problema?
– Nas categorias de base. Os clubes não querem mais os moleques habilidosos, alguns baixinhos bons de bola. Preferem os grandalhões. Sonham com a bola parada nas partidas. A morte do camisa 10 é culpa dos clubes. Só no Santos que é diferente. O clube sempre descobre um, acho que é cultural. O Santos olha para os jovens de uma maneira diferente. Ao contrário de afastar, motiva.
– Efeito Pelé?
– Claro. Eu faria como no basquete norte-americano. Colocaria a camisa 10 numa vitrina e ninguém mais usaria. Seria única, pura referência. Ele foi ...
Rivellino corta a entrevista. Dá um grito.
– Lola, chega. Fica quieta. Não atrapalha.
– Lola? Quem é Lola?
– Essa papagaia não para de assoviar e cantar. Chega, Lola.
O ex-jogador adora passarinhos. já teve mais de 15. Sabe o canto de cada um – alguns curiós, seus favoritos, são capazes de reproduzir uma sequência com 28 notas. Ele é capaz de treinar as aves com a mesma facilidade com que aplicava o elástico, um drible clássico do futebol.
O papo segue. Lola aceitou o protesto do dono. Canta baixinho, bem no fundo.
– O camisa 10 sumiu do futebol. Não vou tocar no Pelé. Vou mais abaixo, cito Dirceu Lopes, Ademir da Guia, Pedro Rocha. Não há mais ninguém como eles. O 10 está morrendo. Quem ainda faz lançamentos de 30 metros, 40 metros? Quem faz gols de falta com regularidade, chute forte ou colocado? Messi é um, exceção.
Nas entrevistas, Maradona sempre fala que Rivellino foi seu espelho. Os dois se dão bem, conversam regularmente e participam juntos de programas de TV. Quando o argentino se aproxima do brasileiro, sempre faz um gesto com as duas mãos, como se Riva fosse uma entidade, um rei. Reizinho do Parque foi um dos seus apelidos no Corinthians.
– Ele age assim. O Diego é umexagerado às vezes – brinca.
Quero saber:
– Existe no mundo um jogador semelhante ao brasileiro Rivellino no seu auge?
– Não, sinceramente, não vejo ninguém. O futebol está diferente. Quando via o Maradona, pensava. “Fiz esta mesma jogada. Marquei o mesmo gol”. Eu me via nele, no seu jeito de atuar, a perna esquerda, o drible, o chute, a cobrança de falta. Acho que ele também sabia que eu já tinha feito aquilo. Gosto muito do Maradona.
– Falta um Maradona, um Rivellino, na Seleção Brasileira?
– Não quero que a Seleção dispute a Copa do Mundo da Rússia de 2018. Quero uma tragédia. O Brasil precisa aprender com os seus erros. Levamos sete da Alemanha e não aconteceu nada. O que mudou? Ficamos sentados, olhando tudo. Gostaria de ver a Seleção fora do Mundial.
– O problema é o Dunga?
– Não, nada contra. O Dunga, como qualquer treinador, quer ganhar de 1 a 0.
– Qual a solução?.
– Sentar, reunir todo o mundo que gosta de futebol, discutir e trocar ideias. Buscar uma saída.
Celulares começam a tocar na sede do Rivellino Sports Center, no bairro do Brooklin, na capital paulista na sexta-feira de manhã. Ouço da Redação de ZH. Lola recomeça a cantoria. A entrevista terminou.
– Pena, o 10 está em extinção – lamenta com uma frase curta.
E desliga, depois do “abraço”.