Para voltar à final do Gauchão após oito anos, o Juventude precisou da mesma garra e dedicação que o seu comandante mostrava quando atleta. Em busca da primeira conquista como treinador, Antônio Carlos Zago enfrenta o Inter domingo, às 16h, no primeiro duelo da decisão, no Estádio Alfredo Jaconi.
Passada a carreira vitoriosa, marcada pela entrega e qualidade em campo, Zago é a principal referência na retomada da equipe alviverde. O cara sério e que gosta de falar sobre futebol, trata sobre vários temas nesta entrevista.
Confira os principais trechos da conversa:
Antes da bola
–Na minha época não tinha escolinhas. A gente jogava pelada na rua, nos campinhos de terra. Sou do interior de São Paulo e precisava trabalhar. Sou filho único e tinha que ajudar. Meu pai era caminhoneiro e desde os 12 anos ajudava. Quando ele trabalhava no Ceasa, em Campinas, acordava duas ou três da manhã, independentemente de frio ou calor.No futebol, tinha começado em Presidente Prudente, mas só deu certo quando meus pais se mudaram para Dourados, em Mato Grosso do Sul. Com 15 anos, já tinha mais de 1m80cm e um cara me levou para um teste no Ubiratan. Comecei a jogar no juvenil e, com 16 anos, fiz minha estreia no profissional.
Atacante ou zagueiro?
–Meu primeiro jogo foi contra o Comercial, em Campo Grande. Jogava como meia ou atacante. Fui o artilheiro da equipe no sul-matogrossense, em 1986, com nove gols. Foi quando surgiu o interesse do São Paulo. Entrei como atacante, vim para a meia, depois líbero, cheguei a atuar como lateral-direito e o Telê Santana me efetivou como zagueiro.
São Paulo ou Palmeiras
– Um time igual a aquele do São Paulo é difícil de ter. Era só dois toques, um time que sabia jogar e um treinador que pregava esse estilo. Era um time muito mais técnico que o do Palmeiras. Com mais conjunto. O Palmeiras era individualmente melhor. Tinha o Edmundo, um dos melhores de todos os tempos, mais Evair, César Sampaio, Zinho, Edilson. Depois veio Djalminha, Rivaldo, Luizão. Era uma máquina.
Sonho de ser treinador
– Eu fiz até o terceiro ano colegial. Terminei e não tinha dinheiro para a faculdade. Apareceu o futebol. Deus me escolheu e não tinha outra coisa a fazer. Sempre tinha esse sonho de ser treinador, até porque naquela época não existia o diretor executivo. Sempre observei, ouvi muito os treinadores e tentava aprender alguma coisa.
Racismo
Faz parte do passado. O mais importante são as pessoas de cor que hoje tenho como meus amigos. Foi uma situação que quiseram tirar proveito, até cinco, seis, sete anos depois. Acabei pagando, foram três anos batendo ponto no cartório, não podendo viajar sem pedir permissão. É uma marca triste na minha carreira. Na época, praticamente me pegaram para Cristo. E fui exemplo para que isso não viesse acontecer mais tarde.
E depois?
Não sou rotulado pelos jogadores ou pelo meio do futebol como racista. De rede social, fiquei sabendo como quando o time agora tava mal e a torcida falou várias coisas e dei uma entrevista dizendo que estava cag... e andando para o que eles falam. Preciso fazer meu trabalho. O racismo é algo que a imprensa cria. No meio do futebol não existe, no ambiente. O racismo é com a cabeça fria xingar o jogador e tudo mais. Dentro de campo, sempre ocorrem alguns erros, algum gesto ou xingamento, mas fica dentro de campo.
O peso da conquista
– Uma coisa é conquistar títulos com Grêmio, Inter, Corinthians ou São Paulo. Outra é com Juventude, Caxias, o Audax agora em São Paulo ou o América-MG. Um título com uma equipe menor vale por 10 ou 15 dos grandes times. Seria o segundo da história e acredito que, por isso, seja o melhor momento da minha carreira.
A diferença
– É lógico que acredito mais nos meus jogadores, com uma folha de R$ 260 mil do que no Inter com os seus R$ 6 milhões, mas estaremos jogando contra uma grande equipe. O Juventude do ano passado para cá começou a crescer e apresentar um futebol diferente.
Contatos para saída
– Tenho uma questão de palavra com a direção do Juventude. Eu garanti que iria permanecer aqui até o fim da Série C, que é nosso objetivo principal. Só saio se aparecer alguma coisa fora do comum, não só financeiramente, um projeto. Apareceu o Figueirense e depois outras duas equipes. O Juventude está na final de campeonato e acredito que não seja hora para sair ou ouvir propostas. Pretendo encerrar meu ciclo ou, quem sabe, se conseguir o acesso, permanecer o ano que vem para a Série B.