Muito já se disse sobre Johan Cruyff, mas ainda haverá sempre algo mais a dizer.
Na arte – e quem disse que futebol não tem arte? – costuma-se distinguir os ícones de uma especialidade em duas categorias: os que foram expoentes em determinada escola, e os que inauguraram uma nova escola. Em quaisquer delas, a consagração é o limite. Mas um lugar especialíssimo no panteon dos ídolos está reservado aos criadores.
O holandês foi as duas coisas: símbolo de uma escola, a do futebol total,– esta que se aperfeiçoou até o Barcelona de Guardiola e seus seguidores e que todos procuram imitar –, e introdutor, no gramado, daquela forma solta de aparecer em todas e não jogar em nenhuma posição especial. O "cavalinho de ouro" do alegre carrossel holandês de 1974 girava a bola com alegria num balé infinito, sem guardar posição. Dele não se pode dizer onde jogava, mas onde não jogava: talvez, no gol.
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Mas sabemos também que a Holanda perdeu a Copa para a Alemanha, na final de 1974. Há muito me ponho intrigado a respeito. O treinador Rinus Michels era quem comandava o time desde a casamata, e Cruyff estava lá no campo, fazia a "laranja" rolar com facilidade, e até fizera o primeiro gol, no início do giro do "carrossel". Os alemães viraram e repetiram a façanha de derrotar o favorito, como fizeram em 1954 contra a Hungria.
De tanto tentar decifrar a mágica daquele resultado, construí eu mesmo minha fantasia. A filosofia do Rinus Michels, sabemos todos, era: "o futebol é guerra!". Cruyff, seu comandado, parecia introduzir no mantra escolhido pelo seu treinador a componente "arte", e que, diante daquele adversário, a Alemanha, acabaria mesmo sendo derrotada. Porque, convenhamos, ninguém entende e é mais experiente em guerras do que os alemães, tanto que venceram o jogo, dando razão a Michels.
Então é isso: quem ganhou foi a "arte da guerra", mas quem entrou para a história foi a "arte do futebol" de quem perdeu aquela guerra.
*ZHESPORTES