Ele esteve em todas as reuniões de organização, públicas ou secretas, com autoridades, dirigentes e empresários. Por isso, João Bosco Vaz, 60 anos, vereador do PDT no quarto mandato e secretário municipal extraordinário da Copa do Mundo em Porto Alegre, decidiu contar tudo em livro.
Um trabalho de jornalista, que é como ele prefere se apresentar. Só como repórter da RBS TV e da Globo foram 15 anos, até 1990. Ao todo, de profissão, 35 anos. O nome do livro é sugestivo e algo bombástico: "A Copa Oculta - Bastidores". O lançamento será no dia 14 de dezembro, no Bourbon Country, mas a coluna apresenta um aperitivo neste papo com o autor.
Como nasceu a ideia do livro?
Sempre olhei o meu trabalho na Copa com olhos de jornalista. Nunca deixei de ser repórter. Minha posição era privilegiada, participando de todas as reuniões. Observei e anotei tudo, especialmente diálogos. Imprimi trocas de e-mails. Numa reunião maior, por exemplo, pegava um pedaço de papel, desenhava a mesa e registrava o lugar e o nome de cada um. Coloquei tudo numa pasta. O Fortunati, numa palestra, revelou em público que eu pensava em fazer o livro, e daí fiquei na obrigação.
Foi difícil escrever?
Escrevi em um mês e meio, mas demorei um ano e meio maturando e selecionando as histórias que contaria. E o pior é que, depois de pronto, lembrei de algumas que esqueci de anotar.
Pode contar uma?
No sorteio dos grupos, na Costa do Sauípe, o poliglota Carlos Alberto Parreira conversava com Fabio Capello, técnico da Rússia. O Parreira me viu e me chamou. Disse que o Capello queria saber mais sobre Bento Gonçalves. Traduziu tudo que eu falei e ao final, o Capello cravou: "Se jogarmos no Rio Grande do Sul, é onde ficaremos". Mas o sorteio colocou os russos em Cuiabá, Rio e Curitiba. Eles se hospedaram em Itu (SP).
A palavra "oculta" sugere fatos inconfessáveis. É isso?
"Oculta" porque só quem estava nas reuniões sabe exatamente o que se conversou e em que termos se conversou. Não desabono ninguém no livro. Não estou revelando nada obscuro. Admito que alguém provavelmente não vá gostar de algum relato, mas paciência. Os citados têm de encarar como homenagem.
Você pediu autorização para algum dos citados?
Não consultei ninguém. Contei o que vi ao vivo, de dentro do processo. Minto: liguei para o Luigi (Giovanni Luigi, ex-presidente do Inter) para saber quem mais estava, além dele e do Pelé, quando eles ficaram presos no elevador. Todo mundo queria ficar perto do Rei, e então o elevador do Beira-Rio trancou por excesso de peso. Quando eles saíram, o Pelé largou essa: "Tomara que a reforma comece pelo elevador".
Qual o momento mais crítico da organização da Copa?
Foi quando uma comitiva da Fifa desembarcou, de surpresa, para se reunir comigo e o Fortunati. Inter e Andrade Gutierrez estavam naquela novela. Deram ultimato. Se as obras não começassem em seguida, iam nos tirar a Copa. O Fortunati disse: "Como assim? Se não sair a reforma do Beira-Rio, temos a Arena!". Mas eles insistiram que era o estádio escolhido lá atrás e não podia haver mudança. No dia seguinte o Luigi tomou café com eles e ganhou mais tempo. Um mês depois o contrato foi assinado.
É verdade que a presidente Dilma ordenou à AG para tocar a reforma?
Falou-se muito neste carteiraço. Dizem que ela ajudou, mas ninguém sabe como, exatamente. Há muitas versões. Como não me envolvi com obra alguma da Copa, não sei te dizer. No caso da reforma do estádio, era entre Inter e AG.
Quando você teve certeza de que haveria Copa?
Conto isso no livro. Fui a uma reunião do COL no Rio. Apareceu lá uma tela: Porto Alegre era a segunda em venda de ingressos. Estávamos naquele impasse das estruturas temporárias. Pensei: não tem mais chance de perdermos a Copa. Imagine a enxurrada de processos contra a Fifa, com passagem e hospedagem comprada por milhares de pessoas? Tudo se resolveu através do projeto estadual de incentivo fiscal ao esporte, com empresas bancando. Mas em última instância, creio que a Fifa bancaria, mesmo que depois cobrasse ressarcimento.
E para você, com foi a pressão?
Fui parar no Instituto de Cardiologia. Fiz um monte de exames, mas era crise de ansiedade. Passei a Copa abaixo de (remédio) tarja preta. Era boato atrás de boato. A grenalização atrapalhou muito. Virou Beira-Rio versus Arena. Fui xingado de toda maneira nas redes sociais.
A Fifa fez muitas exigências?
As pessoas acham que a Fifa pegou a chave de Porto Alegre em troca da Copa. Não teve nada disso. Fizemos só o que achamos que tínhamos de fazer.
O que não foi feito, por exemplo?
A Fifa queria que bancássemos até o dinheiro da passagem no transporte coletivo de 1,5 mil voluntários. Dava uns R$ 400 mil. Não pagamos. A Fifa pagou. Sobre isso, lembro de um organizador sul-africano que deu a dica: eles vão fazer exigências absurdas e endurecer com vocês. Quando faltar um ano será a sua vez de endurecer, pelo corda no pescoço do tempo.
E as obras até agora inacabadas?
Sabíamos desde o começo que teríamos obras para a Copa e obras para a cidade. O crucial para a Copa era o o local do jogo. O entorno do Beira-Rio, que melhorou o acesso à Zona Sul, ficou pronto. As outras foram incluídas para aproveitar as facilidades de financiamento. Importa que fiquem prontas, mesmo com atraso.
Como você define o livro?
É uma grande reportagem. O processo de realização foi esse, ao menos. Não tenho pretensão histórica, nada disso. É uma reportagem, repleta de bastidores.
*ZHESPORTES