Atrás do balcão de uma cafeteria na zona norte de Porto Alegre, Diogo Rincón exibe o mesmo porte de atleta em 1m85cm e o mesmo sorriso dos tempos em que jogava pelo Inter no início dos anos 2000. Aos 35 anos, apenas o tamanho e a simpatia lembram aquele meia-atacante impetuoso que foi jogar em 2002 no Dínamo de Kiev, na Ucrânia.
Diogo mudou em quase tudo. Tornou-se um devoto leitor da Bíblia, parou com o que ele classifica de vida "desregrada", cortou os pagodes e as festas, deixou de se levar por um copo de cerveja e consolidou a nova fase ao inaugurar sua cafeteria há dois meses.
Imagens: Diego Vara
A virada é recente. Cansado de conciliar furtivamente os 12 anos da carreira com o álcool, no ano passado ele procurou socorro em uma clínica em Taquara, a 72 quilômetros de Porto Alegre. Já havia largado o futebol. Passou oito meses em tratamento no Instituto Criar Vitória e comemorou no último 16 de julho a façanha pessoal de atravessar um ano sem sorver uma gota de bebida.
- Se eu tomo um gole, me transformo - conta Diogo, com a clareza de quem se conhece bem e só agora revela a aflição que o acompanhou durante a dúzia de anos como profissional do Inter, Dínamo e Corinthians.
O copo, o primeiro deles, nunca lhe caiu bem. Mas era justamente o que encontrava quando frequentava festas e pagodes na companhia de amigos.
Sua frase mais reveladora é ao mesmo tempo dramática:
- Um gole é muito, mil goles é pouco.
Pioneiro no leste europeu
Diogo foi o primeiro brasileiro a se destacar na Ucrânia
Foto: Banco de Dados/RBS
Ainda que frágil ao consumo da bebida, o atacante fez trajetória e sonhou com a Seleção Brasileira. Vivia um bom momento quando deixou o Beira-Rio em 2002. Campeão gaúcho no time de Clemer, Júnior Baiano, Claiton, Fabiano Costa, Fernando Baiano e Daniel Carvalho, teve uma ida repentina para a Ucrânia, até então um país desconhecido ao futebol brasileiro. O destino mais comum era a Turquia. O zagueiro Antônio Carlos, o lateral-esquerdo Felipe e o atacante Fábio Pinto estavam lá. Para o mistério da Ucrânia, Diogo foi pioneiro. A venda por US$ 2,8 milhões cobriu o rombo nos cofres do Beira-Rio e o afastou da noite de Porto Alegre.
- A gente sabia de algo de seu comportamento fora de campo, o Newton Drummond (então supervisor) falava com ele, mas não tínhamos conhecimento do seu drama pessoal - diz Fernando Carvalho, presidente do clube à época da negociação. - A saída dele nada teve a ver com o extracampo.
No Dínamo de Kiev, temperatura média de -5ºC em grande parte do ano, Diogo conquistou espaço, tornou-se um quarto homem pela direita ao estilo europeu e venceu quatro Copas e três títulos nacionais em seis temporadas.
- Fui muito profissional na Ucrânia, apesar das adversidades. Busquei independência financeira, dei uma casa para os pais, ajudei minha família e muita gente. Mas queria mais - conta.
Por isso, em 2008 ele flertou com o retorno ao Inter, e acabou emprestado ao Corinthians. Em São Paulo, Diogo colocou em prática a antiga ideia de ter o seu negócio. Abriu um bar. No time de Mano Menezes, venceu a Série B e foi vice da Copa do Brasil.
- Na época não tive estrutura para responder à pressão do futebol brasileiro e me deixei levar pela vaidade e pela falta de humildade.
Ele foi o maior cliente do próprio bar.
A volta à Ucrânia foi rápida, jogou na Grécia e acabou no Canoas e no Pelotas, antes de deixar o futebol em 2012.
Pelotas foi o último clube do meia, em 2012
Foto: Divulgação
- Eu poderia ter chegado mais longe, mas talvez não tivesse encontrado o que tenho agora. Hoje eu sou muito mais feliz. Tenho casa, família, casamento restaurados e um filho superfeliz aos 10 anos, orgulhoso do pai. É mais do que suficiente - diz ele. O filho é Vitor, e a mulher, Janaina, é a dona de um salão de beleza na parte de cima da casa onde Diogo abriu a cafeteria no térreo, perto do Shopping Iguatemi.
Sobre a mesa do café, ele examina os produtos do seu negócio em um iPad ao lado da cuia com o distintivo do Inter já gasto de tanto manuseio. O zelo com o estabelecimento é o de um empreendedor.
- Sempre pensava: será que só sei ser jogador de futebol? Por isso coloquei o bar em São Paulo e um centro de eventos em Cachoeirinha. Eram bons negócios, mas eu não estava preparado, focado. Tinha uma vida desregrada e as coisas não davam certo. Não me sentia bem comigo mesmo, nem sabia quem eu era. Faltava amor próprio, e eu não transmitia orgulho, respeito, por ser uma figura pública.
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O gatilho da mudança aconteceu quando ele se deu conta de que a cervejinha fazia parte de todas as suas escolhas.
- Eu tive um despertar espiritual. Tomei consciência de que a bebida era apenas a cereja do bolo, um estopim. Compreendi que eu só chegava a ela porque tinha uma vida desregrada.
O novo Diogo é aquele que pode ser visto atrás do balcão da sua cafeteria.
*ZHESPORTES