É muito fácil explicar por que o rebaixamento via tapetão da Portuguesa à Série B, no lugar do Fluminense, irrita o Brasil. Não faz muito tempo milhões de pessoas saíram às ruas para clamar, em linhas gerais, por um país mais justo. É o que os brasileiros exigem. Justiça. As cortes existem para interpretar a lei. Do contrário, o país não pagaria altos salários a juízes, desembargadores, ministros, auditores. A tarefa deles é, ao mesmo tempo, difícil e fundamental. Por isso eles ganham bem. São os responsáveis por esta complexa mediação entre a letra fria e nem sempre sensível da lei e o mundo real e pulsante, capaz de produzir novos dilemas e novas realidades. Objetivo desta mediação é um só, sem concessões: fazer justiça.
Leia mais no blog No Ataque
O STJD mandou a justiça às favas nesta sexta. Não houve intenção alguma, de parte da Portuguesa, de tirar proveito do ingresso de Heverton, punido com dois jogos de suspensão, durante alguns minutos na última rodada do Brasileirão. Nada se decidia naquele jogo com o Grêmio, no qual, em tese, ele tinha de cumprir a sua segunda partida de suspensão. A Portuguesa já escapara do descenso. Nem mesmo o erro em escalar Heverton é líquido e certo, pela dubiedade do regulamento e as trapalhadas da CBF na hora de comunicar aos clubes quem está em situação legal. A Portuguesa entendeu que ele deveria cumprir o segundo jogo só na primeira rodada do campeonato de 2014, pelo.
Enquanto isso, o Fluminense voltava à segunda divisão da mesma maneira, ao ponto de não cogitar o tapetão. Cai o grande, fica o pequeno. Tudo na bola, na beleza do esporte. O bonito do tombo é se reerguer pelas próprias pernas, uma boa imagem para começar aquele papo com o Pedrinho, meu filho de oito anos, sobre ganhar e perder, as desilusões da vida, o certo e o errado. O Fluminense voltaria ao convívio dos grandes jogando futebol, e não com gols de terno e gravata. Aí vem esta pancada para me trazer à realidade.
Pensando bem, o presidente da CBF, o comandante da Copa de 2014, o líder dos Jogos Olímpicos de 2016, é um ex-apoiador confesso da ditadura militar. Se José Maria Marin, o emblema do poder no futebol brasileiro, aceitou ser vice-governador de São Paulo indicado pelo regime militar nos anos 70, o que nos indicava que os gabinetes da bola manteriam o justo resultado de campo? O STJD não é exatamente um órgão que orgulha os brasileiros. Não se discute a idoneidade de seus membros, mas você acreditaria em 8 a 0, placar final da votação desta sexta, para subir a indefesa Portuguesa e rebaixar o poderoso Fluminense ou outro clube grande no Brasil?
Todos os dias alguma criança dá de mão na laranja na feira e sai correndo, em algum canto do Brasil. O STJD chamaria o batalhão de choque e exigiria prisão perpétua para ela. Confesso que adorava apertar a campainha e deitar o cabelo na minha rua quando era guri. Devemos ter incomodado, meus amigos e eu, algumas pobres almas que descansavam tranquilamente no recôndito do lar. Ainda bem que nenhum auditor do STJD nos viu aprontando ali pelos lados da Mariante, nos anos 70. Era cana certa, em vez do xingão curativo que recebi quando os pais da molecada descobriram. A Portuguesa poderia perder os quatro pontos na classificação de 2014, para nunca mais arriscar de novo. Mas não. Roubou a laranja e ainda tomou cascudo e chave de braço para entrar no camburão, como se a ordem social estivesse sob risco diante de um criminoso de alta periculosidade.
O STJD teve a chance de mostrar-se corajosamente superior aos olhos do Brasil, mas preferiu o de sempre. Talvez este senso de justiça esteja além de suas forças. Segue o baile.