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Sim Jae-duk, que trabalha em um estaleiro, chegou com sono ao hotel em Front Royal na Virgínia, em uma tarde de maio de 2006, depois de sua primeira viagem aos Estados Unidos - em um voo pré-programado que fez escalas em Tóquio e São Francisco. Dois dias depois, ele partiu para a Corrida Massanutten Mountain Trails de 100 Milhas e ganhou, marcando um recorde - 17 horas, 40 minutos e 45 segundos - que ainda não foi quebrado.
No dia seguinte, ele tomou um avião de volta para casa.
- Eu não gosto de faltar ao trabalho por conta de corridas - , disse Sim, de 44 anos, que trabalha na Daewoo Construção Naval e Engenharia Naval nessa ilha perto do porto de Busan, ao sul.
Organizadores e corredores da Massanutten lembram do coreano como um "total desconhecido", que não falava inglês exceto por "água, água!" e "obrigado!". No entanto, Sim se tornou uma espécie de lenda entre corredores amadores na Coreia do Sul, cuja população explodiu na última década. Ele tem sido chamado de "Forest Gump coreano", em homenagem ao personagem do filme que corre pelos Estados Unidos.
Sim começou a correr depois de seis anos trabalhando nove horas por dia dentro de navios, inalando produtos químicos e pó através de uma máscara facial. O sistema respiratório dele era tão fraco que, em 1993, médicos lhe recomendaram uma cirurgia para ajudá-lo a respirar melhor. "Devido às minhas dificuldades respiratórias, eu sempre mantive minha boca aberta, parecendo um idiota", disse ele. Ele também perdeu parte do olfato. (Nos dias de corrida, ele pede aos colegas que cheirem sua marmita, para ver se a comida estragou.)
Entretanto, Sim, um homem determinado como nenhum outro, recusou-se a fazer a cirurgia. - Ao invés de cirurgia, decidi correr - , disse ele. - Decidi que, mesmo que eu morra, eu morrerei correndo, com meus pulmões cheios de ar. - A capacidade pulmonar dele, medida em 2003 era de 69,5%, agora se mostra como normal, segundo ele.
Apesar de ainda trabalhar de cinco a seis dias por semana no estaleiro - ele agora conserta máquinas de solda - ele corre três maratonas por mês; na primavera e no inverno, ele chega a sete. Sim correu 210 maratonas amadoras desde 1995, e terminou todas, a não ser três delas, em menos de três horas.
Com seu registro pessoal de 2:29:11, ele não pode competir com profissionais - o recorde atual deles é de 2:03:23, sujeito a ratificação pela Associação Internacional de Federações Esportivas, e pertence a Wilson Kipsang, do Quênia. Todavia, as 90 vitórias de Sim são consideradas, de longe, as melhores entre os amadores, embora não haja uma agência regulamentada compilando dados de amadores.
Ele, às vezes, corre uma maratona no sábado e outra no domingo, e já ganhou seis dessas maratonas de ida e volta. Ele destaca-se nas corridas de resistência "ultrarunning", que tem o dobro do tamanho, ou várias vezes maior do que a maratona de 42,2 km e, geralmente, acontece em trilhas nas montanhas. Ele participou de mais de 30 dessas corridas na Coreia e fora dela, e ganhou 10 delas. - Eu sou mais feliz correndo do que andando - , disse ele em uma entrevista em casa.
Sim cresceu em uma vila isolada perto de Mungyeong, no centro da Coreia do Sul, uma das regiões mais montanhosas do país, em uma época onde os moradores ainda colhiam ervas das montanhas e caçavam animais selvagens para comer. Ele tinha que andar 3,2 km até a escola ou até a lojinha de doces mais próxima, e ele lembra-se de caçar coelho e faisão perto das encostas íngremes. (Essa experiência precoce o ajuda nas corridas na montanha. Ele diz sentir-se confortável na floresta.)
Contudo, ele nunca foi bom nas corridas nos anos de escola, disse ele. - Eu era um dos mais baixos da escola, e eles raramente me deixavam competir nas corridas e, mesmo quando eu competia, nunca chegava nem em terceiro lugar - .
Agora, seu cartão de visitas dourado o identifica como "pernas douradas" e "trabalhador de ferro". Entre os colegas no estaleiro, seu apelido é "o homem de ferro".
Porém, além da façanha pessoal, a imagem de herói de Sim deve alguma coisa ao lugar especial onde a maratona acontece na Coreia do Sul.
Os sul-coreanos ainda consideram a medalha que o maratonista Sohn Kee-chung ganhou nas Olimpíadas de Berlim como o primeiro ouro olímpico, mesmo que Sohn tenha corrido como membro da equipe do Japão, responsável pela colônia da Coreia naquele tempo. Uma foto de Sohn na cerimônia de entrega das medalhas - segurando um galho folhoso para esconder a bandeira japonesa no traje de corrida - é uma das imagens mais celebradas do orgulho nacional coreano.
Embora os sul-coreanos desejem outra medalha de ouro, o esporte em si atraiu poucos participantes entre as pessoas. Isso começou a mudar lentamente depois que o corredor sul-coreano Hwang Young-cho ganhou a maratona nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992. Não obstante, foi a crise financeira do final dos anos 90 que acionou o boom das maratonas. Com sua economia - antes motivo de orgulho - despencando, e com empregos evaporando, sul-coreanos de meia idade voltaram-se para corridas e escaladas, abraçando os desafios físicos e psicológicos dos esportes de resistência.
Quando Sim correu a primeira maratona, em 1995, ela foi a primeira abertura do país para corredores amadores. Ele demorou 14 anos para completar 10 maratonas "com menos de três horas", o primeiro sul-coreano. Em contrapartida, com a proliferação dos eventos de corrida, ele precisou de apenas mais quatro anos para correr as próximas 100. Naquele tempo, havia mais de 120 competições de maratona por ano na Coreia do Sul, além de centenas de meia maratonas e corridas de curta distância. A propagação dos clubes atléticos, com suas pistas de corrida, ajudaram a estimular o interesse pela corrida.
- No começo, não havia competições de maratona que pessoas como eu pudessem frequentar - , disse Sim. - Agora, há tantas que não se pode correr em todas, especialmente quando se tem um trabalho em período integral, como eu. -
Ele também guarda dinheiro e dias de folga para participar de competições fora do país. Ele ganhou no Japão e em Cingapura e, por pouco, não ficou entre os 10 melhores na Corrida de Resistência Western States de 160,9 km, em Sierra Nevada, na Califórnia, em 2006 e 2011. Ele não foi tão bem nas corridas alpinas na Europa, onde ele sofreu de hipotermia e, às vezes, teve que desistir antes da linha de chegada, como ele fez na corrida de 321,9 km Tor des Géants, na Itália, em setembro.
A fama de Sim atraiu patrocinadores associados que forneceram tênis e outros apetrechos para corrida e suplementos energéticos. Em troca, ele apareceu nos anúncios das empresas em revistas e carrega o logo delas no traje de corrida.
Ele tem uma rotina espartana. Seis dias por semana, ele levanta às 05h00 e começa o dia com uma maçã e 50 repetições na barra fixa. Ele corre de 19,3 a 24,1 km por dia, na esteira ou na rua. Alguns dias, na volta do trabalho, ele corre em trilhas das montanhas, que têm vista para os guindastes e docas secas de Geoje, centro dos estaleiros da Coreia do Sul.
Ele disse que correr deixou seus pés permanentemente machucados, e que ele perdeu várias unhas do dedão. A esposa reclama por ele, frequentemente, perder as missas de domingo devido às maratonas. O filho, de 15 anos, Young-bo, disse ter sentido orgulho quando seus amigos maravilharam-se com os troféus cobrindo a parede da sala de estar da família mas, ele também, gostaria que o pai diminuísse o ritmo um pouco.
Sim não tem planos de fazer isso.
- Eu nunca terminei em primeiro em nada, até começar a correr - , disse ele. - Apenas a morte me fará parar de correr. -