No dia 13 de novembro de 2012, Zero Hora publicou reportagem com o garoto Lincoln, um meia canhoto tido no Grêmio como craque que recém completara 14 anos em 7 de novembro e que já vivia a suprema grife de ser jogador do empresário Delcir Sonda, à época o homem por trás dos negócios de Neymar e Ganso.
Por conta disso, Lincoln havia recebido R$ 400 mil de uma só tacada e deixado a moradia de três cômodos da Vila Mapa, zona leste de Porto Alegre, onde crescera jogando bola com sete irmãos e uma legião de primos em ruelas de chão batido.
Mas apenas ele, a mãe, Clode, o irmão Leonardo e um primo que agora servia de motorista da família no Mercedes Classe A se mudaram para um apartamento de três dormitórios no bairro Santana, perto do Olímpico. Com o marido morto havia quatro anos, dona Clode mantinha os filhos com faxinas até usufruir da ajuda de custo de R$ 6 mil que a empresa de Sonda ainda hoje repassa todos os meses ao guri protegido.
Um ano após a reportagem, Lincoln dos Santos avança pelos objetivos desenhados pelo seu empresário, recebeu quatro convocações para a seleção brasileira sub-15 e neste momento se prepara para estrear em competição fora do país, o sul-americano da Bolívia, de 16 a 30 de novembro.
Há outras mudanças, como o bigodinho, o porte físico e a voz grave, quase de adulto. E a namorada cujo nome Amanda ele inscreveu na lateral da chuteira 41 com cadarços em verde limão.
O que se mantém irretocável é a resposta diante da pergunta-chave de um ano atrás:
- Quais são os seus sonhos como jogador de futebol?
- Quero ser o melhor do mundo! - disse e repete hoje, resoluto, sem sinal de soberba.
Dito isso com voz grave e tom solene, o desígnio do garoto soa agora com um crédito bem maior do que há um ano.
Quando completou 14 anos, no ano passado, Lincoln ganhou três camisetas de grifes e um relógio não menos caro. Só podia ser presente do empresário Delcir Sonda, um dos mais sólidos do futebol brasileiro, com participação nos direitos econômicos de Neymar, antes da troca do Santos pelo Barcelona.
À época, o garoto se mostrava apreensivo sobre os presentes, mas acabou usando pouco os mimos, talvez por não parecer tão esnobe diante dos demais guris do Olímpico.
Por isso, hoje quase não há expectativa sobre os mimos que certamente Sonda lhe enviará de São Paulo no próximo dia 7.
Até porque na quinta-feira ele estará em treinos isolado do mundo no Spa Sport Resort, em Itu, interior de São Paulo, ocupado em garantir vaga na seleção sub-15 que disputará o Sul-Americano na Bolívia durante a segunda quinzena de novembro. Se as outras três convocações foram apenas para amistosos e treinamentos, agora chegou a vez de o rapaz se submeter ao desafio de uma competição internacional, a maior exigência de sua carreira, como lhe avisou Sonda.
- Minha cabeça é outra. Não tenho deslumbramento - diz ele com gravidade.
Nunca foi muito diferente, aliás. Há um ano, Lincoln já demonstrava o temperamento inquebrantável de hoje.
Ainda com 13 anos já atuava entre os garotos de 15 no Grêmio e assim cresceu jogando de "meia de centro", atrás do atacante, um pouco diferente da função de "meia de ponta" pelos dois lados que cumpre na seleção.
- Não importa a posição, mas gosto mesmo é de como jogo no Grêmio - disse.
Para conferir os passos do filho, porém, dona Clode pretende acompanhá-lo ao Exterior, como fez em outros momentos. Também a mãe faz parte do projeto Lincoln, pela visão do varejista da rede 30 lojas de supermercados Sonda, gaúcho de Erechim radicado em São Paulo. Para investir no futebol parte dos R$ 2 bilhões que fatura por ano, o grupo criou a empresa DIS, que controla um portfólio de 50 jogadores. Lincoln é um dos mais promissores deles.
Portanto, cuidar do craque em construção é cuidar de sua família.
Anonimamente, Sonda viajava mais seguido ao Sul, acompanhava o garoto à praça de alimentação de um shopping e falavam sobre futebol em geral. Mas a cena do senhor de cabelos brancos comendo qualquer coisa com o garoto negro está cada vez mais rara.
Quem mais assume o papel de padrasto é o administrador Guilherme Miranda, do DIS. Duas ou três vezes por mês ele desembarca em Porto Alegre e sai para jantar com o guri e a mãe. Em outros momentos, nas raras folgas do futebol, Clode e Lincoln vão conhecer a gastronomia dos bairros nobres da capital paulista por conta da empresa.
- Olha o meu sorriso! Eu fiz implante - disse ela mostrando um riso de orgulho.
- Quem faria isso por mim? Eu já me sinto deles.
Também o filho colocou aparelho. Mas retirou os enormes brincos de prata das duas orelhas porque as mudanças de Lincoln de um ano para outro são apenas cosméticas.
Lincoln apareceu no pátio do Estádio Olímpico na quarta-feira quase irreconhecível para quem não o via havia um ano. Começa pela altura. Pulou de 1m70cm para 1m74cm e ganhou massa muscular.
O rosto guarda os traços de adolescente embora a voz grave que, pelo telefone, é a de um adulto. O cabelo ralo de antes deu lugar para um mínimo de altura, com as pontas relaxadas como se fossem alisadas. Por isso não usa mais o boné de aba larga e reta de um ano atrás.
- Ele quer meter um estilo de negro americano - adianta-se a mãe.
- Americano, não. Só cabelo de negro... - corrigiu.
Na quinta-feira, um dia antes de viajar com a seleção sub-15, ouvia a pleno volume um DVD de pagode em companhia da namorada, Amanda. Essa é a outra novidade. Começaram pelo Facebook, e estão há cinco meses juntos.
- Eu vi o Lincoln no Face da minha prima e assim tudo começou - explicou a menina, com um detalhe: ela tem 20 anos; ele, 14.
- Tudo bem - diz ele.
Entre as tribos de amigos do Olímpico, porém, Lincoln é reservado, mantém vida caseira, embora tenha saído no carnaval de destaque na Academia de Samba Unidos da Vila Mapa, a escola que o pai, Natalício, ajudou a fundar no passado. De resto, nem visitou a Arena.
- Não tive chance. Estou louco para conhecer. Fico pensando como é jogar num estádio daqueles.
Sexta pela manhã, ele embarcou para a seleção. Foi em companhia do zagueiro Tharlis e do lateral Gustavo Xavier, os garotos do Inter também convocados. Dona Clode foi levá-lo ao aeroporto:
- Não tenho que me orgulhar dos meus guris? disse ela referindo-se também ao mano Leonardo, que iniciou no Grêmio e hoje está em São Paulo.
- Minha família não é de craques?