O homem que venceu os Estados Unidos em Indianápolis, que colocou o Rio Grande do Sul no mapa do basquete nacional partiu. Morreu nesta segunda-feira o ex-técnico da seleção brasileira Ary Ventura Vidal. O velório será ainda na segunda e o enterro está marcado para as 11h de terça, no Rio de Janeiro.
Comandante da geração de Marcel e Oscar, ouro no Pan de 1987, e campeão brasileiro pelo Corinthians, de Santa Cruz do Sul, o carioca de 77 anos foi internado há três meses no Rio de Janeiro. A saúde já vinha frágil desde 2001, quando sofreu um acidente vascular cerebral (AVC).
Nascido em 28 de dezembro de 1935, no Rio, Ary foi um homem de amores intensos. Viveu três casamentos só interrompidos pela morte: com o basquete, com a seleção e com a mulher Heloisa, companheira por 46 anos, mãe de suas filhas Flavia e Andréa.
Explosivo, conhecido pela teimosia e as frases de efeito, o senhor careca que usava óculos de aros redondos virou uma legenda do basquete nacional. Que jamais gostou de ser chamado de treinador. Aos que lhe atribuam à função, respondia de imediato.
_ Treinador é de cavalo. Eu sou técnico, aquele que domina o detalhe.
Como técnico, abriu a relação com o Brasil na seleção feminina em 1965. Mais tarde, liderou a os homens em duas Olimpíadas (Seul-88 e Atlanta-86) e dois Mundiais, sendo bronze no torneio das Filipinas, em 1978. Ao todo, fez mais de 120 jogos à frente do time masculino, com 92 vitórias, a mais marcante em 23 de agosto de 1987.
Diante de 16 mil pessoas, Ary comandou um time que entrou na quadra do Market Square Arena, em Indianápolis, condenado ao vice-campeonato pan-americano. Pais do basquete, os norte-americanos jamais haviam perdido uma partida oficial em casa, foram para o intervalo ganhando por confortáveis 68 a 54. Com uma reação improvável, puxadas pelas bolas de três pontos de Oscar e Marcel, o Brasil virou. Fez o improvável acontecer, venceu por 120 a 115.
O ouro de Indianápolis foi o ápice de uma trajetória vitoriosa, iniciada nos anos 40. No entanto, o jovem Ary, único filho do casal Alberto e Dulce Vidal, gostava mesmo de jogar futebol. Apesar da família flamenguista, era goleiro dos times de base do Botafogo, posto deixado de lado em favor do basquete.
_ O Brasil perdeu um ótimo goleiro _ costumava rir o carioca.
O futuro técnico foi apresentado ao basquete aos 13 anos, por um tio que o levou para treinar na Associação Atlética Carioca, clube de bairro no Rio. Armador limitado, virou profissional, defendeu o Tijuca, até chegar ao posto de auxiliar no Flamengo. Na Gávea trabalhou com seu mentor, Togo Renan Soares, o Kanela, para muitos o maior técnico da história do país _ foi bicampeão mundial, penta sul-americano e medalha de bronze nas Olimpíadas de Roma pela seleção.
O debut de Ary na carreira de técnico aconteceu no Tijuca. Entre as idas e vindas da seleção (também passou pela seleção do Peru), comandou diversos clubes como Flamengo, Fluminense, Vasco, Minas, Sírio, Al Ahli (Arábia Saudita) e Juver (Espanha), última parada antes de desembarcar no Rio Grande do Sul.
Em abril de 1990, o ex-comandante da seleção topou desbravar o basquete gaúcho, marginalizado no cenário nacional, dominado pelas equipes paulistas. Profissionalizou o Corinthians, trouxe jogadores de seleção, a exemplo de Marcel e Rolando, e norte-americanos, como o ala Alvin Frederick. Foram sete anos de cumplicidade, sete títulos gaúchos, dois vice-campeonatos brasileiros (1996 e 1997) e a conquista inédita da Liga Nacional de 1994.
Para consumar a façanha, o Corinthians precisou virar um playoff que parecia perdido diante do favorito Franca, base da seleção brasileira. Após duas derrotas em São Paulo, os gaúchos buscaram três vitórias seguidas no Ginásio Tesourinha, em Porto Alegre. Em 17 de abril de 1994, o 99 a 92 no quinto e derradeiro confronto deu ao Estado seu único título nacional. Ary fez do Corinthians a equipe dos gaúchos.
_ Unimos gremistas e colorados. Os gaúchos abraçaram a causa _ saudou Ary em entrevista concedida a Zero Hora em abril deste ano, 18º aniversário do título.