Saudade de casa. Da comida da mãe. Dos amigos. Das suas cidades. Esse é o sentimento que convive com a vontade de se tornar jogador de futebol no coração de muitos garotos aprovados em peneiras na Dupla e que deixam de morar com os pais no Interior e em outros Estados para buscarem o sonho em Porto Alegre - no Inter e no Grêmio.
Para os três guris das histórias que Zero Hora conta nesta página, depois da peneira, a vida mudou: nova cidade, nova escola, novo clube, novos amigos. No meio disso tudo, é preciso arrumar um tempo para matar a saudade. Mesmo em clubes diferentes, o desejo é o mesmo. E é por ele que esses garotos abriram mão da segurança de casa.
O sonho como recompensa
No meio de 80 garotos, o guri de Marília, no interior de São Paulo, se destacou. Na peneira feita em 2010 pelo Inter, só Matheus Marcondeli e outro garoto passaram. Hoje, apenas Matheus treina no clube, como meia-atacante do time juvenil. Aos 16 anos, tem passe preciso e diz que, para se destacar na posição, tem de ser ousado e não ter medo dos zagueiros. Garante que não tem.
Matheus deixou sua cidade natal para fazer o teste no Inter. Desde pequeno jogava na escolinha de futebol do pai, treinando, quase sempre, com os meninos maiores. No dia que veio a Porto Alegre fazer a peneira, nervoso, perguntava para outros meninos como era. Em campo, fez o que sabia. E foi "sossegado", garante. Aprovado, foi morar em uma pensão perto do Estádio Beira-Rio. Desde então, a rotina se divide entre os treinos e os estudos. No tempo que sobra, Matheus se diverte. E mata a saudade que sente da mãe, do pai e da irmã, de 11 anos.
- Eles ligam todos os dias e a gente fica papeando. Às vezes, a gente chora. Já são três anos longe. Sinto falta de comer a macarronada que a minha mãe faz e de, no domingo, almoçar churrasco com a família inteira - conta o jogador.
A falta que sente de casa é, também, combustível para continuar fazendo o que gosta. Centrado, inspirado no meia Kaká _ de quem admira não só o futebol, mas também a conduta fora dos campos, sem confusões _, Matheus diz sempre pensar nas alegrias que terá quando conseguir se tornar jogador de futebol.
- A saudade é grande. Mas a gente tem de ser profissional também, esquecer um pouco da família para depois ter a recompensa no fim. É tudo que eu quero. É minha felicidade. Sempre que eu entro em campo, esqueço dos problemas. E é por isso que sou feliz aqui - garante o meia, com um sorriso no rosto e o brilho nos olhos, como quem soubesse o que lhe reservam os gramados.
Tecnologia contra a distância
Erick Farias e Matheus Nogueira têm em comum mais do que a categoria em que jogam no Grêmio. Os dois compartilham o fato de que quando saem do treino, não podem voltar para o que conhecem como casa. Aos 15 anos, o atacante Erick mora no alojamento do clube. A família está em Pelotas, cidade onde ele nasceu. A do goleiro Matheus, 14 anos, fica ainda mais longe - em Jaciara, no interior de Mato Grosso.
Quando contam suas histórias, os dois falam do sonho, da vontade de jogar futebol, da paixão. Lembram que, quando pequenos, viviam para jogar. Iam para a escola, depois para o treino, e depois do treino ainda tinham tempo de bater bola com os amigos na rua. Tudo isso, fácil. Sorrindo.
Mas é só perguntar sobre a família para ver o sorriso largo se encher de saudade. O brilho nos olhos fica diferente.
- Para mim, o mais difícil em vir para cá foi abrir mão de casa, de estar com a minha família. Minha mãe sente bastante, porque meu irmão também está fora, fazendo faculdade longe. Ela fica com saudade - lembra Erick.
- Minha mãe é muito apegada a mim, então, saudade é o que não falta entre a gente. Mas acho que ela aceita numa boa. Sinto falta dos meus amigos e do resto da família. Pra quem não é de Porto Alegre, não é fácil - conta Matheus.
Para driblar a distância, os dois abusam da tecnologia. Garantem que com celular, MSN e Facebook conseguem diminuir um pouquinho a falta que a família faz e manter o foco no que desejam. Para os garotos que, como eles, passam pelos testes, a dica é sempre fazer o que sabem.
- Pressão vai vir de tudo que é jeito. Mesmo que todo mundo diga para você ficar tranquilo, você mesmo vai se pressionar, porque isso é o que você quer. O que eu diria é: não desiste, vai em frente. Se você sabe jogar futebol e fizer o que você sabe, as pessoas verão isso - aconselha Erick.