Em meio à comemoração da vitória no Gre-Nal de domingo e a consequente classificação para a Libertadores 2012 passou despercebido um desabafo do volante Tinga. Durante a coletiva após o clássico, o jogador, de 33 anos, falou dos momentos difíceis que viveu esse ano, do tempo em que passou na reserva e das afirmações da imprensa e de torcedores que falaram que ele havia terminado o ciclo no Internacional.
Ontem, se preparando para as férias - viajava na terça-feira mesmo para Miami, nos EUA -, o titular dos últimos cinco jogos do Colorado falou sobre a pressão em cima dele, de Bolívar e de Índio, sobre as oscilações do Inter ao longo da temporada, os técnicos que passaram pelo clube e a próxima temporada.
Diário Gaúcho - Por que o desabafo após o jogo? Foi uma maneira de, num momento de vitória, dar uma resposta aos críticos?
Tinga - Não. É que tive alguns problemas no decorrer dessa temporada. Duas lesões mais longas e que prejudicaram o rendimento. Além disso, foram vários fatores que acarretaram em perda da espaço. Como as próprias mudanças dentro do clube - mudou diretoria, comissão. Uma série de coisas que acabam, às vezes, nos levando a ter um pouco de desânimo. Mas consegui dar a volta. Até porque, não me glorificando, eu sei da minha condição técnica e física. Sempre confiei em mim.
Foto: Marcelo Oliveira
Diário Gaúcho - Mas você estava chateado com essa críticas sobre o teu desempenho ou sobre o desempenho do time?
Tinga - O que deixa chateado é essa coisa de decretar: "não dá mais". Por que não dá mais? É tecnicamente? Os jogadores que são bons param de jogar por causa do físico, não da técnica. E, de repente, as pessoas decretam que você não dá mais fisicamente. Só que sem um papel, sem nenhum número. Se for pegar os testes de corrida, que são importantes, quem fica em primeiro na fila, somos eu e o Guiñazu, que temos 33 anos. Então não bate uma coisa com a outra. Como pode ser o melhor no teste de corrida e estar acabado fisicamente?
Diário Gaúcho - Era isso que incomodava? Essa afirmação de que havia acabado um ciclo?
Tinga - Claro. Você vê, de repente, um jogador ser massacrado, como o Bolívar foi após o empata com o Santos, você fica chateado. A história do jogador não vai garantir o direito dele jogar - até porque quem decide é o treinador -, mas tem que garantir respeito. O mínimo que nós queremos é respeito. Não eu, que sempre tive. Mas no caso do Bolívar, sentimos isso. A única coisa que deixa chateado é quando decretam que acabou um ciclo. Sabemos que no futebol hoje está com uma necessidade muito grande de renovação. Agora, o ciclo acabou? Não! Ganhamos a Libertadores, a Recopa. Ainda temos o que acrescentar.
Diário Gaúcho - Então, você, o Bolívar e o Índio ainda têm muito a dar ao Inter?
Tinga - Tem vários clubes procurando ter isso que o Inter tem e não consegue. Vamos falar assim, toda empresa, quer ter um grupo vencedor, de funcionários sólidos, sérios. Por que futebol não pode ser assim? Têm equipes que acabam o ano e tem que contratar dez jogadores e mudar tantas coisas. Vemos isso aqui do nosso lado. Quem não gostaria de ter o que temos, no mínimo uns dez caras que são "coluna", que são líderes, cada um no seu jeito.
Diário Gaúcho - Por falar em líderes, quem são os do vestiário colorado?
Tinga - Na verdade, as pessoas sempre direcionam para mim, para o Bolívar. Mas existem vários líderes dentro do time. De falar mais, sou eu, o Bolívar, o Kleber. Mas têm caras que não precisam falar. As pessoas acham que a líder é somente quem fala. Não tem nada a ver. Porque falar não é mais importante do que fazer. Se você conseguir falar e fazer é melhor. Mas fazer é mais importante! Temos os jogadores que se impõem tecnicamente. são lideranças por esse motivo. O Oscar, por exemplo, é um menino que é líder por se impor tecnicamente. O Nei não fala nada, mas é um cara que cresce. O D'Alessandro não fala tanto, fala o necessário, mas vai para o pau na hora que precisa.
Diário Gaúcho - E o Índio, também dizem que ele é uma liderança e que está com o ciclo acabando?
Tinga - O Índio é o cara que mais respeito tenho dentro do futebol. Respeito pelo caráter, pela história, um dos maiores vencedores da história do clube. É um cara que tem que ter uma estátua no Beira-Rio quando parar. É um dos três jogadores mais fortes do futebol mundial, junto com o Roberto Carlos (atualmente no Anzi, da Rússia) e o Zanetti (lateral-direito do Internazionale e da seleção argentina). Ele é um líder pelo que faz. Às vezes pessoas falam sem entender direito de futebol. O Índio pode jogar até os 40 anos se quiser.
Diário Gaúcho - Mais atrás, você falou das mudanças do clube. O que isso afetou no rendimento do time e no teu próprio?
Tinga - Os mais experientes sentem que alguma coisa não está sendo feita da forma certa. Isso leva ao jogador sentir. Principalmente aquele que tem essa postura de liderança, de organização. Querendo ou não, sabemos quando uma coisa não vai dar certo. E isso afeta o rendimento.
Diário Gaúcho - Pode falar o que foi?
Tinga - Cara, não dá para especificar. Mas muitas mudanças. Uma em cima da outra. Nós tivemos três treinadores. Quando você fala disso, não fala da qualidade, porque todos tem seus prós e seus contras. Isso o pessoal tem que entender! Todos têm seus pontos fortes e seus pontos fracos. Então, não adianta a cada dois, três meses você querer mudar porque você vai encontrar outro problema no outro. Então, quando eu falo isso, não estou falando que A ou B ou C não serve. Todos os treinadores que passaram foram extremamente positivos.
Diário Gaúcho - E como foram esses treinadores no período em que estiveram no Inter?
Tinga - O Celso Roth é um baita treinador, todo mundo sabe. O jeito dele pode ser carrancudo, mas é um baita treinador. Tanto que está no mercado há anos. O Falcão é um treinador que estava há muito tempo fora do mercado, mas surpreendeu nós positivamente. Um dos melhores jogos nosso no campeonato foi com ele - a derrota por 1 a 0 para o Corinthians, no primeiro turno. E o Dorival (Júnior) levou um tempo até se acertar, mas com o jeito dele, de ser um cara que escuta, que tem o controle do grupo, conseguiu recuperar o time. Então, cada um tem a sua parcela.
Diário Gaúcho - Você ficou muitos jogos fora - dez partidas sem nem entrar -, depois atuou dez seguidas - entrou em cinco e foi titular nas últimas cinco...
Tinga - Temos o costume de valorizar apenas aqueles que começam. Mas eu acredito que, nesses jogos em que entrei, na maioria, eu fui importante. E isso começou a gerar uma confiança do treinador. Ele me conhecia de ver jogar. Mas não me conhecia pessoalmente. Não tinha aquele conhecimento de pensar: "nesse jogo, posso contar com esse jogador". Essas coisas assim que levaram tempo. E com esses minutos que eu estava entrando, ele foi me conhecendo melhor.
Diário Gaúcho - Mas o Inter mudou bastante de escalação com o Dorival Júnior. Mesmo entrando algumas vezes, você se sentia fora do time?
Tinga - Não. Quando voltei a entrar nos jogos, voltei a me motivar e notar que o Inter é pioneiro nesse aspecto. Se pegar nosso time, há pouco tempo tinha no banco eu, o Índio, o Bolívar, o Ilsinho, o Andrezinho. Gente com experiência e que, mesmo fora do time titular, era valorizada. E isso o Dorival faz muito bem. Valoriza todo o grupo. Teve um jogo que ele cobrou quem estava no banco: "pô, vamos lá, todo mundo ligado". Fiquei meio assim: "pô, o cara quer cobrar de quem tá fora do jogo". Mas depois, com frieza, pensei que ele estava preocupado com o banco porque ele confiava que ali tinha alguém que podia resolver. E dava importância para isso. Pior é se ele nem olhasse.
Diário Gaúcho - No começo, o Dorival disse que você era meia. Depois, nos últimos jogos, você entrou como volante. Afinal, qual a sua posição?
Tinga - Acabei de criar uma: sou da posição quero jogar! Onde entrar, vou dar meu melhor.
Diário Gaúcho - Além dos jogadores já citados, quem mais é exemplo dentro do Inter?
Tinga - O Nei. Ele é um exemplo de superação. Começou a temporada vaiado e mudou a história. Tenho uma admiração por ele. Sempre digo que temos o melhor lateral-direito do Brasil. Quem joga futebol sabe que o Nei é o melhor lateral do Brasil. Ala tem um monte melhor. Mas lateral é ele. O futebol Europeu está interessado nele. Tem um monte de proposta na mesa do procurador do Nei. Ele sabe cabecear, sabe fechar. Lateral tem que primeiro marcar, ajudar a zaga, acabou. E o Nei ainda sabe cruzar. Mas nem precisa. E tem uma coisa que preciso falar, para o torcedor, sobre as vaias. Quando ele vaia um jogador em campo, não é só ele que sente. O time todo sente. Isso acaba prejudicando o time. Mas o Nei conseguiu superar aquele momento.
Diário Gaúcho - Em algum momento vocês acharam que não iam conseguir a classificação para a Libertadores?
Tinga - Devo ter escutado um ou outro achando isso. Mas a partir do momento que comecei a jogar sabia que tinha que largar o time melhor do que quando peguei. Eu estava muito motivado. Tudo que aconteceu nessa temporada mexeu muito comigo. Eu não aceitava outra coisa que não fosse a classificação. O Dorival e o Fernandão (gerente executivo) tiveram um papel especial nessa conquista. O Fernandão fez coisas do tempo de jogador, de tão engajado que estava. Até brinquei com ele: "quer a camisa, pega aí". Contra Botafogo - vitória de 2 a 1, na antepenúltima rodada -, antes de entrar no campo, eu vi ele falando como o capitão de 2006. O olho cheio d'água, daquele jeito que ele falava. No Gre-Nal, foi a mesma coisa.
Diário Gaúcho - O que precisa para o Inter conseguir a Libertadores e o Brasileiro, que não ganha desde 1979?
Tinga - Precisa manter o grupo e acrescentar. O principal é acrescentar qualidade no perfil de jogadores. Como o Inter já faz. Ele não contrata só o bom de bola, tem que ter caráter, ser vencedor. O que vai diferenciar o jogador é como que o ele vai se enquadrar no projeto do time. O Inter tem esse cuidado. Tem que analisar tudo. A "ficha corrida" do cara, se é vencedor, agregador. Não vai acertar em todas, mas cuidando isso, já é meio caminho andado.
Diário Gaúcho - E o Dorival tem o grupo na mão para buscar essas conquistas?
Tinga - Com certeza. O Dorival é inteligente. Ele já entendeu como cada jogador do Inter é. E nós já entendemos como ele funciona. Esse tipo de coisa leva tempo. Até por isso não gostamos de ficar mudando de treinador toda hora.
Diário Gaúcho - Você já comentou sobre essa troca constante - no Inter foram três ao longo da temporada -, o que acha disso?
Tinga - Acho muito injusto isso do treinador sair. Eu sou um cara que fica chateado quando um treinador, quer eu goste dele ou não, perde o emprego por minha culpa. Porque não é ele que perde o jogo. São os jogadores. Se ele perde o emprego é porque eu eu não estou trabalhando direito. É como se estivesse tirando o emprego de alguém. acho que na hora que o jogador começar a entender o que é perder um emprego, vai começar a valorizar mais os treinadores, brigar mais pelo cara.