
No dia cinco de outubro de 2017 a Argentina recebeu o Peru em jogo das eliminatórias da Copa. Penúltima rodada, a alviceleste ameaçando não se classificar para a Rússia enquanto o time comandado por Ricardo Gareca se aproximava de fazer história e voltar para uma Copa do Mundo depois de 36 anos. Uma Bombonera abarrotada e um Messi endiabrado foram frustrados pelo goleiro Gallese. Final: zero a zero no placar com 22 finalizações para os argentinos e apenas duas dos peruanos.
Um dos chutes a gol dados pelo time de branco quase mudou a história daquele jogo. Paolo Guerrero, camisa 9, capitão e ídolo nacional quase meteu um golaço aos 50 do segundo tempo. A cobrança perfeita de falta foi desviada por grande ação do goleiro Romero. Antes que se pudesse bater o escanteio originado pela defesa, o juiz encerrou o jogo.
Guerrero, depois de cumprimentar seus companheiros pelo pontinho conquistado em terreno hostil, descia para os vestiários quando foi convocado para a realização de mais um rotineiro exame antidoping. O resultado desse teste alteraria para sempre a sua carreira.
O exame identificou benzoilecgonina na urina do atacante. A substância é um metabólico da cocaína e é proibida pela Wada (Agência Mundial Antidoping). Por se tratar de uma amostra colhida em jogo internacional, o julgamento foi encaminhado para uma comissão disciplinar da Fifa que optou por, de cara, afastar o peruano dos campos por um mês enquanto o caso era analisado.
De imediato a notícia espantou peruanos e brasileiros. Então jogador do Flamengo, Guerrero agora teria de se explicar sobre um suposto consumo de droga. A coisa - por óbvio - cresceu na internet, onde a combinação Guerrero + Cocaína gerou um sem-número de memes e piadinhas cretinas.
Qualquer análise mais sensata da situação, por outro lado, indicava que algo de esquisito estava acontecendo. Um jogador de 34 anos que nunca teve absolutamente nenhum problema relacionado a drogas ou doping ser pego por um suposto uso recreativo de cocaína um dia antes de um dos jogos mais importantes da sua vida parecia estranho. Ainda mais por se tratar de uma droga que não geraria nenhum ganho esportivo, não melhoraria desempenho, não teria poder de aumentar a performance do camisa nove sob nenhum aspecto.
Pois o que era só esquisito passou a virar a maior injustiça da história desse esporte.
Em entrevista, Guerrero contou o que era a única explicação plausível para o ocorrido. Ele ingerira, na concentração da seleção peruana, um chá. Estava gripado e pediu um chá de anis no hotel, ainda no Peru. O país andino tem como tradição tomar chá de folhas de coca. A conclusão de Paolo: utilizaram para a confecção do seu chá de anis antigripe alguma jarra ou xícara que tivesse sido anteriormente utilizada para um chá de coca. A quantidade da substância proibida encontrada na sua urina poderia provar isso.
E provou. No julgamento de Guerrero ficou claro que ele não havia ingerido a droga cocaína. Que tampouco houvera tomado deliberadamente qualquer substância que fosse proibida. A quantidade de benzoilecgonina era tão pequena que a história da "jarra contaminada" se tornava mais do que plausível: era a explicação para aquela celeuma. Não bastou para os advogados e juízes envolvidos.
Guerrero, mesmo sem ter culpa alguma de absolutamente nada, foi condenado inicialmente a um ano de afastamento dos gramados. Um ano sem poder jogar futebol profissionalmente, um ano sem poder sequer treinar no seu clube, um ano sem poder representar a nação que o idolatra em uma Copa do Mundo mesmo depois de ter dedicado a sua vida a classificá-la para tal competição.
Depois, através de embates jurídicos cada vez mais confusos e esquisitos, a pena foi reduzida para seis meses e posteriormente aumentada para 14. Uma liminar o permitiu jogar a Copa e algumas partidas pelo Flamengo antes da transferência para o Inter. Faria a sua estreia com a camisa colorada no domingo próximo, contra o Palmeiras.
Faria.
A liminar foi derrubada, a punição de quatorze meses voltou a vigorar e, hoje, Paolo Guerrero não pode sequer treinar nas dependências do Inter.
Eu nem consigo imaginar o que deve se passar na cabeça do cara numa hora dessas. Mesmo tendo provado que não se drogou, que não tirou vantagem esportiva, que não tomou nenhuma atitude deliberadamente contra as regras de quem quer que seja, estão o proibindo de trabalhar.
Só tem uma coisa que Paolo Guerrero faz profissionalmente na sua vida: jogar futebol. Estão tirando isso dele de uma maneira estúpida, grotesca e inacreditável. Um ano e dois meses de afastamento até de TREINAMENTOS com um clube é período mais do que o suficiente para destruir a carreira de um jogador de futebol. Estão destruindo a carreira de um jogador que provou que não agiu em momento algum de má-fé.
Estamos acompanhando a maior injustiça da história do futebol.