Nilmar está feliz e em paz. Após quatro meses, oito jogos e três gols no Al-Nasr, de Dubai, o atacante de 31 anos se readaptou à rotina de uma partida por semana, com treinos noturnos e horas livres para curtir a família. Tem contrato com o clube dos Emirados Árabes por duas temporadas e, depois disso, já aos 33 anos de vida, pensará o que fazer da carreira.
– Voltar para o Inter? Ih, acho que o pessoal nem deixa eu entrar mais – brincou Nilmar, sobre as suas idas e vindas no Beira-Rio, enquanto conversava por telefone com ZH, já na madrugada dos Emirados.
Com três ausências, Inter se reapresenta após vitória no Gre-Nal
Nesta entrevista, o atacante conta que trocou o Inter pelo Al-Nasr porque a proposta árabe foi irrecusável e porque o Beira-Rio lhe devia 10 meses de luvas e de parte dos salários. Além disso, Nilmar ainda lamenta a eliminação para o Tigres na Libertadores, bem como a demissão do técnico uruguaio Diego Aguirre. Vê a classificação do Inter para a Libertadores de 2016 como algo difícil e torce para que Argel Fucks seja mantido no clube para a próxima temporada. Nilmar também relata a irritação dos muçulmanos de Dubai com os ataques do Estado Islâmico na Europa, utilizando a religião como pano de fundo para justificar os massacres. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como está sua vida em Doha?
Começou a se encaminhar. No início, foi meio complicado. Mas eu já esperava, por ter passado pelo Catar. É complicado estar em hotel, encontrar casa, colégio para as crianças. E, dentro de campo, a bola não estava entrando também (Nilmar tem três gols em oito jogos) no primeiro mês. Fora de campo, está uma maravilha.
Ao menos sete jogadores podem deixar o Inter no final do ano
Como são as cobranças?
A cobrança interna existe. Cobrança interna nos três profissionais, porque eles só podem trazer três estrangeiros. Mas estamos em segundo no campeonato. Jogamos agora contra o time do Abel (o Al-Jazira), com gol meu. Ficou 3 a 2, fiz o gol da vitória.
Fica quanto tempo em Dubai?
Tenho dois anos de contrato. E o pensamento é cumprir os dois anos. Depois, vamos ver, o que vai aparecendo, se vou continuar... É cedo para pensar em parar com 33 anos (hoje ele tem 31), né? O futebol, em cada seis meses, tudo pode mudar.
Inter já definiu premiação ao grupo em caso de vaga na Libertadores
E volta para o Inter?
Voltar para o Inter? Ih, acho que o pessoal não deixa nem eu entrar mais (risos). É difícil voltar quatro vezes no mesmo clube, sair e voltar. E a exigência também é grande. Não vou querer voltar só por voltar. Se estiver voltando em alto nível, sem dúvida, gostaria. Mas, pela idade, é cada vez mais difícil. Mas não descarto. Não digo que nunca, mas é complicado.
O que pesou na decisão para deixar o Inter desta vez?
Minha esposa e eu estávamos conversando esses dias. Dos 11 anos que ela está comigo, foi a negociação mais rápida, a mais tranquila, sem estresse e a que menos a gente esperava. E veio uma possibilidade que eu não imaginava. Cheguei no Inter dizendo que queria mais de três anos de contrato, fechei com três anos. Queria mais para encerrar (a carreira) por aí (em Porto Alegre). Na questão financeira, em todos os clubes que joguei, consegui fazer o meu pé de meia. Então, isso não seria fundamental para a minha saída. Vindo para esse mundo daqui, o que mais vem na cabeça das pessoas é que eu vim pelo dinheiro. Claro que a proposta, financeiramente, nem se compara por tudo o que envolve. Fui contratado por outra diretoria, tinha pendências no clube e a proposta era muito boa, não só para mim quanto para o Inter. Não houve empecilho, foi bom para as duas partes. Brinquei que saí e deixei as portas abertas. Mas não é uma coisa que eu tinha planejado. Foi bem complicado, porque era a primeira vez que a minha filha estudava no Brasil. Tenho dois filhos pequenos, e vir para o mundo totalmente diferente... Para gente que é adulto, é tranquilo. Para as crianças, é mais complicado. Foi difícil. E tem a parte financeira. Em dois anos, posso optar por parar de jogar ou decidir onde quero jogar. Porque, com 33 anos, consegui fazer o melhor contrato da minha vida.
Ouça: o caminho do Inter na reta final do Brasileirão
Esse foi o seu melhor contrato?
Sim. Financeiramente, sim. Contando tempo de contrato, que são só dois anos.
O que surpreendeu desta vez é que foi uma saída rápida...
Não teve muita negociação. Acabou a Libertadores, e foi tudo muito rápido. Aproveitaram essa oportunidade, que o Inter tinha saído da Libertadores, estava com problemas financeiros e tinha uma dívida muito grande comigo.
Você acabou ficando um jogador caro para o Inter e, para o clube, foi bom te liberar?
Do meu ponto de vista, não fiquei caro. Eu fui para o Inter de graça. Apesar de ter 30 anos, fui sem custo. Fui só com o meu salário. Ganhava o que praticamente o que os grandes atacantes do Brasil recebiam. Só que acumulou, né? Eu acabei não recebendo. Criou uma bola. Recebi 50% do que foi combinado, e ficou de dívida. Em 10 meses que fiquei aí, tinham luvas. E tive de abrir mão de todo esse valor. Recebi os salários de carteira. Não recebi os outros valores, que estavam atrasados. E estavam me chamando para a renegociação.
Torcedor diz que quebra de cadeira no Beira-Rio foi acidental
Perder a Libertadores acabou sendo uma decepção?
Para mim, foi. Na verdade, era o grande título que eu queria conquistar. Era a minha terceira passagem, só tinha conquistado Gauchão e era a minha primeira Libertadores. Tinha disputado a Sul-Americana. Mas era a minha primeira Libertadores pelo Inter, minha segundo no Brasil. Tive outra pelo Corinthians. E a gente estava bastante consciente para conquistar. E, se tivesse esta conquista, eu não teria saído daí.
Por que o Inter perdeu para o Tigres?
Tigres foi melhor. Deixamos de classificar no jogo em casa. Perdemos a classificação em casa. Nos primeiros 20 minutos, começamos bem. Sofrer o gol como sofremos, jogou um banho de água fria. E a gente podia ter matado o jogo, saído com uma vantagem melhor. O Tigres foi melhor. E eles acabaram chegando na final por mérito.
Se falou muito da preparação física, e a atual direção admitiu que não era adequada.
Preparação física é importantíssima. Chegamos na semifinal da Libertadores. Se estivesse boa, teríamos ganho tudo, Brasileirão... É complicado falar. Digo que hoje é muito importante. Era outro método que a gente tinha. Mas eu estava acostumado, porque eu trabalhei no Catar com o Diego (Aguirre) e a preparação física. É o método que eu tive três anos na Espanha e é difícil, no Brasil, entenderem isso. Ele (Aguirre) foi muito criticado. Em alguns jogos, caímos. Éramos muito intensos no início. E, às vezes, ficava a imagem de jogar o primeiro tempo bem, e cair um pouco de rendimento do segundo. Não tínhamos esse equilíbrio, e ficava tudo em cima da preparação. Mas acredito que o Inter tem uma pessoa, o Élio Carravetta, que é um dos melhores com quem trabalhei. Sem dúvida, isso não foi o fator fundamental. Se você for ver, só o Corinthians está com o condicionamento bom, que está atropelando todo mundo. Acho que o elenco também ajuda no conjunto. Tem que coincidir de estarem todos em um bom momento. Tivemos muitos jogadores com lesões, que não estavam no seu 100%. Acabamos não usufruindo tudo de todo mundo.
Logo depois da sua saída, sucederam fatos como a saída de Diego Aguirre, o 5 a 0 no Gre-Nal. Como você viu tudo isso?
Sobre o Aguirre, acho que a cultura é essa. Tentou mudar, fazer o rodízio, se contestava muito. Ele conseguiu no campeonato gaúcho, e depois, que saiu da Libertadores, acabou contestado. A gente não vinha bem no Brasileirão. Mas o Aguirre é um bom treinador, tem uma educação que a gente não vê no futebol, é difícil. É triste, mas, com certeza, tem algo melhor para ele. Vi o Gre-Nal. Fiquei triste, chateado pela rivalidade. Um clássico muda a parte anímica e, até mesmo, para a temporada. A rivalidade que tem aí no Sul, eu nunca vi. Então, foi triste ver tomar cinco. Mas o Inter é maior do que isso. Futebol é resultado, e agora o Inter foi e ganhou. Agora, o Corinthians ganhou fazendo seis. É complicado.
CSKA faz nova exigência para Inter ter Vitinho em 2016
Você tem acompanhado o Brasileirão? Acredita que o Inter tem chances de ir para a Libertadores?
Os jogos de domingo, eu tenho acompanhado. Fico mais pelo resultado. Tem o meu sogro, que é colorado fanático. Estou sempre em contato com o Alex, Valdívia, Rafa Moura. Eu acho que chegou o momento de lamentar os pontos perdidos. Por isso que, quando inicia o campeonato, os treinadores falam em ter uma gordurinha. E o Inter não tem. Mas, felizmente, ganhou jogos importantes. Com a vitória no Gre-Nal, ficou junto com o São Paulo. O Inter precisa melhorar o número de gols. Tem chance. É um jogo difícil agora, contra o Fluminense, no Maracanã.
O Alex anda meio chateado, o que está acontecendo com ele?
Na verdade, Alex e eu conversamos mais sobre fazenda (risos). Ele me fala mais sobre fazenda, terras. Não estou sabendo de nada. Sei que ele sentiu a panturrilha, está de fora (do jogo contra o Fluminense).
Tem muita lenda sobre o vestiário do Inter. O que é verdade?
Vestiário sempre vai ter essa blindagem, como em todo lugar. Até aqui, que não tem imprensa, é assim. Coisas de dentro do vestiário, ficam dentro do vestiário. Tem pessoas que dão a cara para bater, que são os escudos. D'Alessandro tem essa imagem, porque ele é o capitão do time. É sempre chamado para falar, acaba desgastando isso dele. O que sabemos é que a imprensa do Sul é a mais exigente. Joguei três vezes aí. E é.
O que é melhor para o Inter: ficar com o Argel ou trazer outro nome para 2016?
Ficar com o Argel e lançar novos treinadores. Precisa de mentalidade nova no futebol.
Sobre Seleção, o Tite é o nome mais indicado para suceder o Dunga?
Sem dúvida, acho que o Tite é o nome, sim. Acho que ele se preparou muito bem. Anos atrás foi contestado. E, depois de passagens pelo Inter e Corinthians, mostrou em dobro do que é capaz. Além de grande treinador, como ser humano, nunca vi igual. Ele sabe também que terá o espaço dele.
Você que está em Dubai, como repercutiram estes atentados em Paris, na França?Foi complicado, ainda mais por ser um país árabe, de muitos muçulmanos. Até andei pesquisando para poder entender um pouco, e até agora não entendo. Procuramos, depois de tudo o que aconteceu, estudar um pouco. Jogo aqui com 20 jogadores muçulmanos, entender motivos. É religião. Mas afetou muito aqui, que é um país que os Estados Unidos controla tudo, tem base aérea. Ficamos até um pouco preocupados, mas está tudo bem. O pessoal que ficou chateado, tem francês no meu time também.
Os muçulmanos foram afetados de alguma maneira?
Sim, julgam a religião deles. Usam a religião, o alcorão, o alá, deus deles. Eles são religiosos demais. Os caras rezam cinco vezes por dia, e não é brincadeira. Haja pecado para tudo isso!
Eles se sentem incomodados por uma "generalização"?
Sem dúvida. As tevês aqui repercutiram muito aqui. Eles são contra os atentados. Tem uma minoria que faz isso. Mas aqui é mais liberal, não é tão radical. Tem muito estrangeiro.
O que falta para Nilmar realizar de sonhos?
Profissionalmente, era disputar uma Copa do Mundo e ganhar. Cresci vendo Bebeto e Romário em 94. Mas sou realizado só em ter participado e ter jogado na Seleção Brasileira, e ter jogado em grandes clubes, como Inter e Corinthians. Financeiramente, não tenho nem o que reclamar. Fui muito julgado por ter optado pela parte financeira. Mas sempre brinquei que, quando o cavalo passou, eu montei. Nunca deixei passar.
De alguma forma, você fica chateado de ser chamado "dinheirista", que só pensa em dinheiro?
É que as pessoas falam em um tom que não é legal. É como vocês, dos meios de comunicação. Se tiver uma oportunidade, vocês vão. As pessoas dizem que não iriam por amor, por aquilo. Claro que existe. Mas eu cresci no Inter, sou colorado. Só que aprendi a ser profissional, perde aquela coisa de ser torcedor. É normal, natural. Você pensa na sua família, no que gira em torno de você. Eu prefiro me arrepender do que eu faço, do que não faço. Às vezes, paro para pensar, que poderia ter jogado em um time maior da Europa. Também avalio que, no melhor momento da minha carreira, fiquei um ano parado no Corinthians. Mas sou feliz, estou conseguindo jogar ainda. Consegui criar a minha família graças ao futebol.
O Inter consegue segurar o Alisson e Dourado para a próxima temporada?
De fora, até gostaria que segurassem. Não para valorizar, mas para eles ganharem experiências. São dois jogadores espetaculares. A gente sabe que a molecada, hoje, não quer nada com nada. Até brincamos, os velhinhos, que passamos dos 30 (anos. E ainda bem que não tem surgido muitos aí (risos). E, às vezes, aparecem oportunidades, surgem ofertas e eles têm sonhos de jogar na Europa. E eu não julgo se pintar oportunidade. Sou o primeiro a apoiar. O Inter vai muito bem nisso, de não prender jogador, sempre valorizou e revelou bem. Se pintar essa possibilidade, para o torcedor, será ruim. Mas para os jogadores será muito bom.
* ZHESPORTES