A Argentina campeã do mundo com a liderança de Lionel Messi, criado na base do Barcelona, tem no River Plate o protagonismo na formação de jogadores que fizeram história diante da França, no último domingo, no Estádio de Lusail. Seis dos integrantes da “Scaloneta” saíram da base do clube de Buenos Aires. GZH conversou com o atual diretor esportivo da base do Inter, Gustavo Grossi, que trabalhou no Monumental de Núñez durante a formação de alguns dos atuais campeões mundiais.
Dos seis jogadores criados pelo River campeões do mundo, quatro foram formados no período em que Grossi gerenciava a base do clube: o atacante Julián Álvarez, os meio-campistas Enzo Fernández e Exequiel Palacios e o lateral Montiel. O zagueiro Germán Pezzella e o volante Guido Rodríguez se profissionalizaram antes da chegada de Grossi ao clube.
Dois desses jogadores chamaram atenção no Catar por suas personalidades. Julián Álvarez, de 22 anos, ganhou a vaga de titular de Lautaro Martínez e foi um parceiro de ataque ideal para Messi ao longo do Mundial. Não apenas fazendo gols, mas também executando sem a bola um papel que permitia ao craque ficar praticamente livre das tarefas defensivas. Já Enzo Fernández, 21 anos, e que havia estreado pela seleção apenas dois meses antes do Mundial, assumiu protagonismo no meio-campo, terminando eleito pela Fifa como melhor jogador jovem da competição.
Para quem acompanhou eles desde o início, a atuação na Copa do Mundo não causou surpresa. Grossi aponta que ambos mostraram personalidade desde garotos no clube. No caso de Enzo Fernández, a formação no River Plate teve início aos 11 anos, e ele foi capitão de suas equipes desde a primeira categoria.
— Enzo Fernández sempre foi capitão na sua categoria, demonstrando liderança, talento e hierarquia. O caráter foi aprofundando, mas ele sempre se mostrou uma referência futebolística de talento no clube. Começou jogando como volante pela esquerda, no Defensa y Justicia jogou como primeiro volante e, na volta ao River Plate, destacou-se como um volante mais adiantado centralizado — aponta Grossi.
Essa passagem de Enzo pelo Defensa y Justicia citada por Grossi ocorreu entre 2020 e 2021. O empréstimo ocorreu para o garoto ganhar minutos em um momento que o elenco profissional do River Plate estava com muitos jogadores da posição. A busca pelo clube para o garoto atuar não foi por acaso. A escolha ocorreu porque o Defensa, mesmo com diferentes treinadores, tem adotado nos últimos tempos uma ideia de jogo semelhante ao que Marcelo Gallardo fazia no River.
Gallardo, aliás, sempre teve influência direta na base do River. Cabia a Grossi garantir que os treinadores das categorias inferiores seguissem o modelo adotado no time de cima. Para o profissional que atualmente trabalha no Inter, parte do sucesso na formação dos jogadores agora campeões do mundo se deu por esse processo.
— Marcelo era o diretor-geral do futebol do River. Eu era um elo entre ele e os treinadores das inferiores. Uma das minhas responsabilidades era garantir que os técnicos iriam executar na base a proposta de jogo. Não é normal que um treinador se interesse pela sub-12, sub-10. O Gallardo sempre se interessou nisso, mas ele viajava, tinha os compromissos do profissional. Eu precisava ser os olhos dele — conta.
Álvarez "sem teto"
Depois de ter ao lado nomes do porte de Carlos Tevez, Gonzalo Higuaín e Kun Agüero, foi com Julián Álvarez que Messi encontrou seu principal parceiro de ataque em uma Copa do Mundo. O jogador de 22 anos, vendido pelo River Plate para o Manchester City por 18 milhões de euros neste ano, chamou atenção desde a adolescência pelo nível intelectual além da parte técnica.
— Julián não é um 9, extrema ou segundo atacante, ele pode fazer tudo. Mentalmente, sempre foi muito bem. Ele é fora da curva na compreensão do jogo e nível intelectual. Julián subiu para o profissional, estava no elenco campeão da Libertadores de 2018 (chegou a entrar na final contra o Boca, em Madrid) e seguiu morando no alojamento do clube. Era um menino que com 17 anos não podia sair para a rua e enfrentar a imprensa, o assédio, e ele aceitou isso. Esse equilíbrio para nós foi fundamental — disse Grossi.
— Ele tem um talento prodígio, é um jogador “sem teto” de evolução. Temos que ver se ele vai seguir a evolução, a busca por sempre crescer e seguir evoluindo. Vale para o Enzo (Fernández) também. Eles são prodígios, não é normal o que apresentam — completa.
Montiel, batedor de pênaltis
Diante de toda a organização na formação do River Plate, há situações que surgem de fora do clube. Um caso diz respeito a Gonzalo Montiel. O lateral responsável por converter o pênalti decisivo para o título da Argentina não costumava bater pênaltis na base. Ele assumiu esse papel apenas no profissional do River e, desde então, tem uma estatística sem erros. Em oito cobranças por River e seleção, converteu todos em gols.
— Montiel jogava como volante na base e, no profissional, o Gallardo entendeu que ele deveria ser lateral. Na formação, não era batedor de pênalti. No profissional, passou a cobrar quando outros batedores deixaram o clube. Começou a bater de uma maneira espetacular. Montiel cresceu em uma região bastante pobre, uma favela. Na Argentina, é comum se jogar por dinheiro nessas regiões. Ele batia pênalti apostando dinheiro lá, isso fez com que eles não sentissem a pressão quando passou a bater no profissional. É uma ajuda para que haja uma simplicidade na hora de definir mesmo que não fosse um batedor na base — afirmou.
Peculiaridade como essa de Montiel nos pênaltis, algo típico do futebol sul-americano, é para Gustavo Grossi um fator que tem ligação com o sucesso da “Scaloneta”. O diretor de base, tão acostumado com a formação, avalia que Lionel Scaloni teve como grande o mérito o fato de ter feito a seleção argentina jogar o futebol no estilo sul-americano saindo de uma tendência recente de buscar reproduzir o jogo das seleções europeias.
— O sucesso em 2010 fez com que a Espanha tomasse grande parte da metodologia do futebol, depois veio Alemanha, Portugal. Nós perdemos um pouco a essência da nossa ideia de jogo, e estamos recuperando. Essa ideia de jogo agradou não apenas nós, mas o mundo todo. (Scaloni) Retomou o futebol sul-americano. É importante que todos nós possamos aprofundar, não apenas a Argentina, mas todos os países da América do Sul. Nós temos o nosso estilo sul-americano dentro das diferenças de cada país — avalia.
Lionel Scaloni fez história ao levar a Argentina ao tão esperado tricampeonato. No seu time, esteve presente parte do DNA do River Plate na formação de jogadores nos últimos anos.