Será uma sexta-feira apenas com hora para começar. Só Alá aqui no deserto sabe quando e como ela terminará. Esperamos que seja em verde e amarelo, com Carnaval em Doha e apoteose do Oiapoque ao Chuí. A partir das 12h, o Brasil enfrenta a Croácia e seus traumas no Estádio Cidade da Educação, um estádio em formato de diamante e iluminado como são os sonhos de todo um país tropical e quente como o serão aqui no deserto. É inadiável. Ou vencemos ou voltamos para casa. O funil aqui no Catar se estreitou e não há desvios.
Há um frio que percorre a espinha dos brasileiros. Faz cinco Copas que voltamos mais cedo pelas mãos de europeus. Uma geração inteira ainda desconhece o mundo depois dos matas contra eles. Nessa geração se inclui alguns dos nossos principais nomes do momento. Vini Júnior e Antony tinham dois anos em 2002. Rodrygo, um. Paquetá, Richarlison e Raphinha, cinco. Martinelli recém tinha feito aniversário de um ano quando o Brasil ganhou o penta e viu o que tinha do outro lado desse muro psicológico que nos atormenta.
Há um otimismo de que essa sina desaparecerá no sextou mais trepidante dos últimos tempos, com sessão dupla de Brasil e Argentina. Muito por esses guris que enchem de vida, alegria e pagode o ambiente da Seleção. Eles têm a leveza de quem não sofreu uma grande desilusão amorosa ainda. Como a daquela noite de julho de 2018 em Kazan. Como doeu perder para a Bélgica e voltar mais cedo. Só que esses guris que são a alma do Brasil não tem nada a ver com isso. Chegaram depois. O que é um alento.
É essa mesma alegria deles que pauta o comportamento da torcida brasileira aqui em Doha. Há uma conexão forte entre a arquibancada e os jogadores. Os torcedores entoam cânticos e pulam como se estivessem empurrando seus times nos estádios do Brasil. Os jogadores repetem as músicas e entram batucando e cantando-as no vestiário, no treino, no hotel ou até mesmo trinchando cortes de carte folheada a ouro.
Há uma alquimia que faz diferença e se alastra pelos pontos turísticos de Doha. O Souq Waqif, o mercado persa repaginado nesta onda de construção do país, efervesce com o calor humano dos brasileiros. Os árabes, egípcios, indianos, nepalenses e sri-lankas olham impressionados de dentro de suas lojas que vendem todo o tipo de produtos, desde os temperos do oriente que estimularam as grandes navegações lá século 16 até quinquilharias saídas das linhas de montagem das indústrias chinesas. As mulheres com suas abayas pretas e a sheyla a cobrir o cabelo e rosto puxam seus smartphones da bolsa e filmam. As crianças tentam imitar os passos, com a inocência de quem está vendo o mundo pela primeira vez.
Na verdade, a impressão é de que tudo aqui neste deserto está sendo visto pela primeira vez. Há 15 anos, Doha era uma cidade de prédios baixos, comércio de calçada e, acreditem, ruas cujo piso ainda era a areia do deserto. Tudo se transformou numa aceleração vertiginosa. Espigões de arquitetura arrojada, autopistas de asfalto impecável que mais parecem as autobans alemãs, shoppings de grifes famosas até com lojas da McLaren e lojas de carros de luxo como a Astin Martin, do James Bond, compõem uma paisagem que pretende conquistar o mundo.
Ou seja, há um paralelo entre esse nosso Brasil e o Catar novinho em folha. Temos uma Seleção jovem e com diamantes que fariam qualquer torcida suspirar. Assim como temos nomes tarimbados e com a história longa no futebol, igual à história dos Al Thani, os manda-chuvas desse país há 150 anos. É essa alquimia que nos faz acreditar numa vitória nesta noite no City of Education, de um time responsável como são Alisson, Thiago Silva e Casemiro e irreverente como são Vini Júnior, Neymar e Richarlison, o dono da dança do Pombo que é muito da cara desta Seleção. Se até Tite caiu na dança em Doha, não seremos nós que ficaremos contidos. Ainda mais neste sextou com cara de banquete. Um sextou que tem hora para começar. E só Alá sabe quando termina.