Phil Jackson, o lendário técnico de basquete, reuniu os jogadores do Chicago Bulls no início da pré-temporada de 1997 da NBA para apresentar o plano para o campeonato que começava. Aquela geração vinha de duas conquistas seguidas, seis no total. Michael Jordan, Scottie Pippen, Dennis Rodman e companhia precisavam de uma motivação extra, e a harmonia entre eles não era mais a mesma no vestiário.
O treinador, então, explicou sua ideia. O nome do projeto ficou eternizado em uma série que que fez muito sucesso quando a pandemia estourou: The Last Dance. A última dança (se não viu, veja, está na Netflix com o nome de "Arremesso final").
Era a hora da apresentação derradeira de um dos maiores times de esportes coletivos da história. O planeta, que vivia uma curva ascendente de globalização no final dos anos 1990, pôde assistir ao show que culminou com o sexto troféu.
Quase três décadas depois, agora em outra modalidade, o mundo passará por algo semelhante a partir das 7h desta terça, quando Argentina e Arábia Saudita se enfrentarem na estreia de ambas na Copa do Mundo do Catar.
É o começo do adeus de um dos maiores gênios à maior competição de futebol. A qualquer momento, Messi se despedirá da seleção albiceleste. A data dependerá do desempenho no Catar. São os primeiros passos da última dança do camisa 10 argentino. O último tango.
O ritmo que virou Patrimônio Imaterial da Humanidade é descrito assim pelo poeta argentino Enrique Santos Discépolo, que viveu em Buenos Aires na metade inicial do século passado:
— O tango é um pensamento triste que se pode dançar.
Pensamento triste? Messi? O dono de quase todos os recordes possíveis?
(Aqui vamos abrir um parêntese: os dados todos se referem ao século 21, até para evitar a desnecessária e até injusta comparação ao Rei Pelé)
Messi é o maior vencedor da Bola de Ouro, são sete troféus em casa. Tem seis chuteiras de ouro de artilheiro da Europa. É o jogador que mais fez gols por um clube, 672.
É quem deu mais assistências, 265. É quem mais vezes balançou as redes em uma temporada (73 em 2011-12) e em um ano (foram 91 entre janeiro e dezembro de 2012). Conquistou 35 títulos. Tudo pelo Barcelona.
No PSG, onde está desde a temporada passada, também já foi campeão. E segue fazendo muitos gols. Por clubes, Messi é muito menos tango e muito mais Carnaval.
O "problema" é com a seleção argentina. E nem é por culpa dele. O camisa 10 é responsável direto por 141 gols dos hermanos, sendo o maior goleador (91 bolas na rede) e o grande garçom (50 assistências).
É quase inacreditável que um homem com números tão altos tenha só duas conquistas pela seleção principal: a Copa América de 2021 e a Finalissima, um jogo entre o campeão da Conmebol contra o vencedor da Eurocopa. A um dos grandes jogadores do século falta o maior troféu possível.
Por isso, Messi viveu a relação com o país natal tal qual um tango. Expressivo, doloroso, sofrido. Um pensamento triste. Ofendido por torcedores e imprensa, ouviu até que "não representava o povo". Em 2016, quando perdeu sua quarta final seguida (então da Copa América, para o Chile), chegou a abandonar a seleção, dizendo:
— Minha tristeza é muito grande. Não consegui o que tanto queria. (A saída) É para o bem de todos, muitos desejam isso.
Pouco depois, voltou atrás. Participou do Mundial de 2018, carregou um time que havia rompido com o treinador (Jorge Sampaoli) e foi criticado pela eliminação precoce. Mas o que parecia o fim da linha virou uma nova extensão em 2021.
Um Messi ativo, empolgado e corajoso apareceu para conduzir a seleção para o fim de um período de 28 anos de jejum de títulos ao ganhar do Brasil por 1 a 0 a decisão da Copa América no Maracanã quase sem torcida em razão da pandemia. O camisa 10, enfim, parecia ser o líder que o país tanto esperou.
Os argentinos, agora, mudaram o conceito. Messi renovou as esperanças do povo de, enfim, sair da fila na Copa do Mundo, após 36 anos.
A Scaloneta, apelido que ganhou a seleção por ser treinada por outro Lionel, o Scaloni, parece ter dado ao protagonista tantos coadjuvantes forem necessários para ele brilhar no tango. Que é um ritmo difícil de dançar. Se o casal não for entrosado, as coxas não se entrelaçam sedutoramente — se chocam. As pontas dos pés se bicam.
De hoje em diante, acompanharemos direto da Argentina a expectativa pela despedida de Messi do maior evento do futebol. Os holofotes do planeta iluminarão o camisa 10.
O adeus do grande craque sul-americano receberá atenção especial do Grupo RBS. Será uma viagem pelas origens do menino de Rosario que venceu uma doença que lhe impedia de crescer, foi para a Espanha, transformou o Barcelona e reanimou nossos fanáticos vizinhos de fronteira.
Começa agora a última dança de Messi na Copa do Mundo. O último tango do camisa 10.
Messi pela Argentina
- 165 jogos (recordista)
- 91 gols (recordista)
- 50 assistências (recordista)
- 5 participações em Copa (recordista)
- 2 títulos pela seleção principal (Copa América 2021, Finalissima 2022)
- 1 medalha de ouro pela seleção olímpica (Pequim 2008)
- 1 mundial sub-20 (Holanda 2005)