Tite e Cléber Xavier tiraram o dia para ouvir e responder aos brasileiros do Sul. Da manhã à noite dessa segunda-feira (15), reservaram uma sala em um hotel de Porto Alegre para atender mais de uma centena de repórteres ávidos por alguma pergunta diferente, que trouxesse uma resposta reveladora.
Com sorriso no rosto e respostas articuladas, calmas, ao estilo já conhecido, o técnico da Seleção falou, falou e falou. Certamente repetiu algumas respostas para perguntas igualmente repetidas. E fez tudo com paciência.
Adaptou-se aos ambientes: para o Bola nas Costas, da Rádio Atlântida, deu tiradas engraçadas e até entrou na brincadeira do "É nosso" e "É deles", o bordão do programa para identificar gremistas e colorados; para Zero Hora, aprofundou alguns temas e até tratou de assuntos de ordem pessoal; para a Rádio Gaúcha, ao vivo no Hoje nos Esportes, lembrou dos tempos de comentarista, saudou vozes importantes como Lauro Quadros e Ruy Carlos Ostermann, mediu as palavras e confirmou algumas datas.
O calendário da Seleção prevê para 2 de setembro a convocação para os dois amistosos finais, marcados para 22 e 27 do mesmo mês, possivelmente contra seleções africanas. Em 7 de novembro sairá a lista final para a Copa. Para uma semana depois, está prevista a primeira sessão de treinos, em Turim, no norte da Itália. E no dia 24, a Seleção começa a aventura no Catar diante da Sérvia.
Por isso, cresceu a importância desse encontro com jornalistas e, por consequência, torcedores. Era a hora de saber algo sobre a lista, sobre o time, sobre Neymar, sobre goleiros, sobre adversários, sobre passado e futuro. E quando o tema era um pouco mais delicado ou espinhoso, o auxiliar, fiel escudeiro Cléber Xavier, aparecia para aliviar a pressão.
A seguir, veja a íntegra das entrevistas da dupla aos programas do Grupo RBS.
Já estão escolhidos os 26 convocados para a Copa?
Tite: A lista ainda não está fechada. Não é para criar empatia, é verdade. Quase 100 dias é um tempo longo. É uma competição curta, os aspectos clínico e físico serão muito importantes para a definição final. A possibilidade de levar 26 jogadores é boa e foi bom poder ter todos à disposição. Imagina levar jogadores para lá e deixá-los no hotel na hora do jogo? Se não desse para deixar no banco, só chamaria 23.
Cléber: Por isso, valorizamos a questão da lista larga. Teremos 26 atletas, esse ciclo nos proporcionou 77 jogadores em campo. Agora, podemos trabalhar visando os dois amistosos dando oportunidades dessa lista. Por isso, não fechamos a lista, para que o atleta se sinta pertencente e chegue preparado na Copa do Mundo.
Foram 77 convocados. Há tempo para um 78º, um 79º?
Tite: Vamos continuar dando oportunidades. A gente não pode estar fechado. Todos precisam se sentir pertencentes para chegar bem a uma Copa do Mundo. O André, do Fluminense, por exemplo, vem fazendo um campeonato impressionante. Foi assim tempos atrás com o Danilo (Palmeiras) e o Pedro (Flamengo), que esteve com a gente e se machucou, é uma possibilidade. Quando um atleta performa em alto nível, sempre pode.
Quando é finalizada a lista dos convocados?
Tite: A lista é fechada no último momento, cinco minutos antes de falar. Todos os integrantes têm autonomia para falar. É quebra-pau ou liderança reversa, pode escolher o nome. Cada um defende suas ideias e apresenta as sugestões. Normalmente fica 20% de divergência. Entramos nas possibilidades, necessidades. A palavra final é minha, mas a democracia impera até o final.
Cléber: Somos nove participantes na reunião, entre os integrantes da comissão técnica. Mas Tite tem a caneta na mão. Talvez a gente decida na noite anterior, mas pode mudar alguma coisa na madrugada.
Tite: Às vezes converso com a Dona Rose (esposa) para ter a palavra final (risos).
A lista está aberta. Mas e os 11 titulares? Estão definidos?
Tite: Prefiro dizer que temos duas formas táticas, que construímos ao longo desta preparação e desta melhor versão. Uma é com dois pontas, dois extremas e dois jogadores de flutuação por dentro, com liberdade para se movimentar, no caso Neymar e Paquetá. A outra é a que usamos contra o Uruguai, com Paquetá de lado e Richarlison por dentro ao lado de Neymar com outro agudo pelo lado, que pode ser Vini Jr, Raphinha, Antony, Martinelli, Rodrygo. Uma terceira opção é que o segundo meio-campista seja um jogador de articulação, como o Paquetá no lugar do Fred, por exemplo. Então, uns dois ou três moldes a gente tem.
Quem será o goleiro titular?
Tite: Qualquer um dos três (Alisson, Ederson e Weverton), eu atiro a camisa para cima e vou acertar. Seu Ênio brincava que, com tantas opções, vou me atrapalhar. Eu dizia: "Se eu errar, vou acertar também".
Cléber: Nunca tivemos três goleiros que jogaram tantas vezes. E tão bem. Normalmente, vinha um titular e ficava. Os três, Alisson, Ederson e Weverton jogaram mais de uma vez e muito bem.
Tite: As palavras do Taffarel e do Marquinhos Trocourt (auxiliar) serão ouvidas. Mais do que qualidade, pesa o momento de cada um. Um exemplo: quase sempre Alisson era o titular, mas na Copa América 2021 voltava de lesão, não tinha continuidade. Então assumiu Ederson. Disse para o Taffarel o seguinte: se o goleiro for bem, o mérito é meu. Se der problema, é dele (risos).
Neste ciclo de Copa surgiram muitos jogadores que estão em evidência nos principais clubes europeus. A geração atual faz o Brasil chegar melhor para 2022 do que chegou em 2018?
Tite: A mescla de atletas experientes com essa geração que surgiu tem sido fundamental, e por isso se entende o melhor momento nosso, e num ciclo completo, sem apressar etapas. Essa construção desse momento se dá por essa safra de jovens. O Neymar falou assim: "Você vai ter uma dor de cabeça". E já estou tendo. Os jogadores estão se afirmando, como Martinelli, Anthony, que fez uma partida de muita qualidade, e Rodrygo sendo decisivo em jogo grande do Real Madrid.
Jô Soares, que nos deixou há pouco, tinha o personagem Zé da Galera, que ligava para o técnico da Seleção na Copa de 1982 e pedia: "Bota ponta, Telê". Não será seu caso.
Tite: Essa não é comigo. Ponta, nós temos. São pelo menos oito atletas no mais alto nível. Essa crítica não vou receber (risos).
E o Tite de 2022 é muito diferente do que o de 2018?
Tite: O meu joelho está pior, meu cabelo branco escasseou (risos). Estou mais amadurecido, preparado para a Copa de 2022. Tenho maturidade de compreender as pressões do aspecto mental mais trabalhada agora com o ciclo completo de trabalho. Isso nos dá uma segurança maior nesse projeto final na busca do título.
Pela primeira vez, a Copa será no final do ano, o que significa estar na metade do calendário europeu. É possível que tenhamos um nível mais alto?
Tite: O benefício desse aspecto é que os atletas que vêm da Europa não estarão desgastados mentalmente e fisicamente como nas outras edições. Vão estar mais fresh. Diferentemente dos brasileiros, que vão exigir bastante na busca de títulos. Na proporção que teremos mais atletas vindos de lá, ganhamos na preparação.
Cléber: Importante porque são só 10 dias de treinos. Na Copa passada, foram 28. É importante que o atleta chegue em sua condição melhor.
Por esse pouco tempo, é improvável que tenhamos grandes arroubos táticos na Seleção?
Tite: Esse ciclo que tivemos agora nos permitiu variantes em termos táticos. Nesse aspecto estão encaminhados os planos A e B. O que temos agora é um acompanhamento, que chega a ser chato, dos atletas. Me refiro aos aspectos físico, clínico. Visitamos os atletas, assistimos jogos, treinos. Para que todos estejam nas melhores condições. Isso vai ser determinante.
Há espaço para novidades táticas como um todo na Copa?
Tite: Os sistemas estão aí. O desafio é como esses sistemas se movem. O atual é o 5-2-3, que o PSG e o Chelsea fazem. O mais importante é a mecânica, como esses times atacam e se mexem.
Tem falado com Neymar, como está a preparação dele?
Tite: Temos contato com ele e com os outros. E estão todos conscientes dessa preparação. Os atletas têm se manifestado sobre isso. Não adianta dizer que gosta de ganhar se não gostar de se preparar. Na Copa anterior, Neymar vinha de recuperação, tivemos lesões importantes, perdemos Dani Alves, depois Renato Augusto, Douglas Costa, Fred. Vamos ver se conseguimos deixar todos legais. Neymar está feliz. Ele assim, e bem condicionado, é diferente. E diferenciado.
Sobre preparação, o que é possível dizer do jogo que foi cancelado, contra a Argentina, pelas Eliminatórias?
Tite: Não gostaria que tivesse sido assim. Queria que tivéssemos cumprido a lógica da competição, enfrentar a Argentina na 13ª rodada. Não podemos simplificar. Há uma série de questões. Em nenhum momento, a Seleção teve parcela de responsabilidade. Ela queria jogar o jogo, cumpriu todas as situações legais. Teve outros componentes, talvez um jurista pudesse falar sobre as questões legais da entrada no país. Mas a três meses da Copa, uma expulsão poderia alijar um jogador de ir.
O Brasil está no top-3 ou no top-5 de favoritos à Copa?
Tite: É um dos favoritos, sim, mas não consigo dimensionar. Quero que a gente mantenha, consolide esse momento de maior confiança. Não acredito em "sair da zona de conforto", porque isso pode tirar confiança do atleta. O atleta tem que estar na zona de confiança e se desafiar. Vai ser um desafio nos próximos dois jogos, para se consolidar. É uma das favoritas? Sim. Mas acompanhada da França, das novas gerações de Alemanha e Inglaterra, da tradição da Espanha, com modelo característico. Lembro que quando teve a Eurocopa, a Itália foi campeã, mas a Espanha jogou melhor a semifinal (perdeu nos pênaltis).
Cléber: E uma Argentina, a Bélgica, que se reestrutura briga com a gente no topo do ranking. É uma seleção que deve fazer uma grande Copa.
Por falar em Bélgica, se pudesse escolher, gostaria de reencontrá-los em 2022?
Tite: Foi uma derrota (em 2018) que ficou marcada, mas com o passar do tempo vira uma memória do top-3 dos jogos da Copa. A própria Fifa coloca no topo da lista. Faltou alguma coisa? Faltou. Faltou ser efetivo no ataque. Faltou ser mais competitivo no lance do segundo gol, era um lance ofensivo nosso. Então tinha margem de evolução. Foi um grande espetáculo, acho que merecia uma prorrogação. Particularmente? Gostaria de enfrentar, sim. De preferência, na final.
Na Copa anterior, quando perguntado sobre qual jogador estrangeiro gostaria de naturalizar, sua resposta foi David Silva, da Espanha. Em 2022, quem seria?
Tite: De Bruyne (da Bélgica).
Além de desfalcar o rival (risos), quais seriam as razões?
Tite: De Bruyne é top. Ele pode ser segundo, terceiro homem de meio-campo, pode ser segundo atacante. Agora, com Haaland, ele fica mais solto na frente, com os externos baixando para defender em 4-4-2. Quando é Bernardo Silva, se junta na criação. Além disso, é um jogador diferenciado, com a cabeça boa, Fernandinho me falou sobre a conduta boa, qualificação pessoal e profissional.
Algum estrangeiro que jogue no Brasil?
Tite: Arrascaeta.
Cléber: Arrascaeta é o melhor estrangeiro em atividade no futebol brasileiro.
Não seria um centroavante a prioridade, então. Essa posição já está suprida?
Tite: Temos muitas opções de centroavante, com características diversas. Quer alguém de velocidade, que "vira de bunda" para o meio-campista? Tem Richarlison. Ele não quer tabela, quer bola na frente. Quer atacar espaço, mas que faça pivô? Gabriel Jesus. Quer movimentação? Tem Gabigol e Hulk. Quer pivô? Pedro. Tem Firmino, um 9 que é 10. Ainda Matheus Cunha.
Pedro é um jogador de características únicas e por isso merece atenção?
Tite: Ele tem sido protagonista. Dorival Júnior foi feliz numa remontagem do Flamengo com um losango no meio, Arrascaeta mais na frente, com Pedro e Gabriel no ataque. Pedro tem performado bem, tem cabeceio. É um Fred atualizado. É um Pedro Raul, do Goiás. Alemão tem mais velocidade, não é tão posicional. Diego Souza é mais pivô, com inteligência. Pedro não é o único da posição, mas é pessoa que reúne essas características.
O futebol gaúcho não passa por um bom momento, e vocês conhecem bem a realidade por aqui, no Interior e na Capital. A que atribuem esse período?
Tite: Acompanhamos, sim, o futebol gaúcho. Cheguei à Seleção porque tive oportunidade de me formar no Ypiranga de Erechim, no Guarani de Garibaldi, no Veranópolis, no Caxias, no Juventude, no Grêmio, no Inter. Não sei, em termos administrativos, o que aconteceu. Mas torço bastante. Sei do trabalho e da qualidade do Roger no Grêmio e o peso de sair da Segunda Divisão. É muito difícil a pressão. O Inter, com Medina, infelizmente não consegui ver um bom jogo nas oportunidades que assisti, mas vi, sim, com o Mano. Torço pelo futebol gaúcho.
Na Copa anterior, teve outro gaúcho que se destacou, mas depois não conseguiu mais repetir o desempenho. O que dá para dizer de Douglas Costa?
Tite: Em relação ao Douglas Costa, que lástima, que perda. Em termos de Seleção, colocamos os departamentos médico e físico à disposição para que se recuperasse.
Cléber: Douglas, na Copa passada, teve uma lesão no último jogo. Mesmo assim, foi importante em determinados momentos, mas a lesão voltou e não conseguiu dar sequência. Torcemos muito na passagem dele pelo Grêmio, mas ele vem sofrendo com essas lesões, ainda nos tempos de Bayern e Juventus. Um jogador de qualidade muito grande no enfrentamento de um contra um, uma pena que no Grêmio não conseguiu repetir o desempenho.