Ingrid Sakrczenski cuidava da propriedade da família no interior de Ponte Preta, no norte do Estado, quando surgiu uma oportunidade. A oferta era para abrir uma panificadora dentro de um programa de incentivo a pequenos empreendedores, com apoio financeiro. Sozinha em casa, ela consultou os próprios botões. E não deixou a chance passar.
Naquele ano de 2013, a renda de Ingrid se resumia à criação de porcos e à venda do leite tirado das vacas, de modo que ela e o marido mal conseguiam pagar as contas. Havia dívidas, como um trator comprado em parcelas que nunca se esgotavam. Como tinha o hábito de fazer cucas para agradar a família, cozinhar para fora não parecia difícil. Ainda renderia um dinheiro extra. Na hora, respondeu que sim.
Mas precisaria de ajuda. Mãe de cinco mulheres que tinham deixado para trás a lida na roça, Ingrid chamou de volta duas que moravam perto dali, no município vizinho de Barão de Cotegipe, a 14 quilômetros de Ponte Preta. A quarta filha, Eleziane, trabalhava como caixa em uma lotérica, enquanto a caçula, Emanoele, em uma loja de roupas. Não conseguiam fazer seus horários nem estavam satisfeitas com os salários. Retornaram para casa determinadas a serem sócias da mãe.
Nove anos depois, Ingrid, 62 anos, Eleziane, 33, e Emanoele, 29, são sócias-proprietárias da Liebe Alimentos, panificadora conhecida por cucas, pães, bolachas, bolos, salgadinhos, massas e pizzas congeladas que são vendidos de porta em porta pela região, além de abastecerem supermercados. Contam com a ajuda de Aldoir Sakrczenski, 68 anos, marido de Ingrid e pai das meninas, além de Dioni Salcher, 34, marido de Eleziane, que assumiu a administração do negócio, e Diego Salcher, 35, namorado de Emanoele, que auxilia na produção.
Embora cada um tenha uma função, os três casais, juntos, dão pitacos nos rumos da panificadora, sugestões que vão desde a quantidade de cucas que precisa ser feita no dia até a compra de uma nova máquina.
— A gente não faz nada sem conversar. Se é para decidir, todos têm que decidir. Sempre tem um que dá uma puxadinha para trás, que diz: "Ai, tenho medo disso aqui". Mas a gente vai lá e acaba fazendo no final — conta Dioni.
O início foi sofrido, com a sede da panificadora restrita a 64 metros quadrados de uma varanda fechada da residência, que funcionava como cozinha. Como não tinham capital de giro, compraram forno, sovadeira e uma pia industrial graças a um empréstimo da prefeitura. Na época, Ingrid fazia sete cucas por dia, o que parecia muito. Eleziane e Emanoele também tiveram que sujar as mãos de farinha para fazer pães e bolachas, o que expandiu a oferta de produtos.
Depois de ajudarem a mãe na produção, as gurias colocavam tudo dentro do carro e percorriam as estradas de chão batido das colônias de Ponte Preta para oferecer os produtos aos vizinhos. Tiravam um troco a mais em jantares dançantes e almoços dominicais da comunidade, onde também vendiam brigadeiros e outros docinhos. Dava vergonha de colocar o rosto para sair vendendo assim, mas o negócio era delas. Não tinha como voltar atrás.
— Se as pessoas não vinham até nós, a gente pegava as bandejas de docinhos e ia até elas. A gente ficava vermelha que nem uns "peruzinhos". Mas respirava fundo e ia. Vendíamos tudo — recorda Eleziane.
Crescimento
A fama das Sakrczenski deslanchou. Ficaram conhecidas pelas cucas grandes e fofas e pelas guloseimas de sabor caseiro. Conseguiram contratar uma funcionária e compraram uma caminhonete Fiorino para fazer as vendas de porta em porta. Eleziane saiu da produção e tornou-se a vendedora oficial da panificadora. Passou a visitar outros municípios da região, como Paulo Bento, Jacutinga, Barão de Cotegipe e até Erechim, a 25 quilômetros de Ponte Preta.
O que a gente não come, não queremos que os outros comam."
ELEZIANE SAKRCZENSKI
Sócia-proprietária da Liebe Alimentos
— Só voltava para casa tarde da noite, depois de vender tudo. E o pessoal, antigamente, comprava porque queria ajudar. Hoje, eles compram porque gostam — diz.
Financiaram outra Fiorino e deram para o pai, Aldoir, ampliar o roteiro de vendas. Ganharam o reforço de Dioni, que saiu de um cargo na prefeitura de Ponte Preta para ajudar a organizar o negócio, e de Diego, que pediu as contas em um cartório para botar a mão na massa. Apesar do trabalho duro, ainda não dava para pagar salários aos três casais. Todo o dinheiro que entrava era para cobrir despesas.
— A panificadora pagava as próprias contas e as contas da casa. O resto, tipo peças de roupas, cada casal tinha que se virar. Só depois de três anos que deu para tirar salário — conta Dioni.
Em 2019, construíram a sede da nova fábrica ao lado da residência, onde havia uma estrebaria. Compraram mais fornos e uma máquina para cortar as bolachas. Se antes precisavam se espremer na varanda de casa para produzir os alimentos, agora se espalham em um galpão cinco vezes maior, de 340 metros quadrados. Com a ajuda de 12 funcionárias, fazem, em média, 180 cucas por dia — além dos pães, bolos, salgadinhos e demais quitutes.
— Quando vi a planta da panificadora, pensei: "Meu Deus, que grande, como vamos fazer para pagar?". Hoje, acho que podia ser até maior — diz Ingrid.
Passaram um susto em um final de semana daquele ano, quando 10 homens invadiram a propriedade anunciando assalto. Os três casais jantavam quando os bandidos chegaram armados dizendo que queriam dinheiro, joias e reféns. Emanoele e Diego se colocaram de prontidão. Antes de ser levada, ela orientou Eleziane que colocasse no forno mil pães, já que havia o compromisso de vender em quatro festas marcadas para acontecer nos próximos dias.
— Eu não sabia se ia voltar, mas os pães nós tínhamos que entregar — lembra.
Nervosa, a mais velha se atrapalhou nos números e mandou as funcionárias fazerem 2 mil pães. Nada foi desperdiçado e ninguém se feriu: Emanoele e Diego foram libertados sem qualquer arranhão na mesma noite. No dia seguinte, conseguiram cumprir com o roteiro de vendas e abastecer a comunidade com as guloseimas.
Empreendedorismo no RS
Com o objetivo de apresentar histórias inspiradoras, a série contará semanalmente as trajetórias de empreendedores que transformaram uma ideia ou um sonho em realidade. Fundadores e sócios de 10 empresas de diferentes cidades gaúchas compartilharão os desafios superados e darão dicas para quem deseja abrir seu próprio negócio nos ramos de tecnologia no campo, saúde, moda, cuidados com o corpo, entre outros.
Fidelidade
As vendas da Liebe Alimentos triplicaram nos últimos anos, com a compra de mais duas Fiorinos para a entrega dos produtos. Em 2020, passaram a fornecer para 19 supermercados e padarias de Erechim e região. Mas o que fideliza é a venda de porta em porta, um diferencial que a família não pretende abandonar.
Com as comidas assadas e embaladas, Aldo, Emanoele e Eleziane abastecem os carros e caem na estrada. Nada é encomenda: cada caçamba tem a mesma quantidade de produtos e eles fazem questão de estacionar até na casa de quem ainda não é cliente. Só tiram a residência do roteiro se a pessoa recusar muitas vezes — o que é raro.
Se a gente faltar a venda de porta em porta um dia, já ligam atrás de nós. Pode chover canivete, que a gente vai entregar."
EMANOELE SAKRCZENSKI
Sócia-proprietária da Liebe Alimentos
— Temos uma amizade com a clientela — diz Emanoele, que completa:
— Se a gente faltar a venda de porta em porta um dia, já ligam atrás de nós. Pode chover canivete, que a gente vai entregar.
Certa vez, quando Aldo e Emanoele pararam em frente às casas de duas clientes habituais, ouviram das mulheres que elas estavam comprando cucas e pães de uma vizinha que recém havia começado a cozinhar para fora. Uma avisou, sonoramente, que não iriam seguir com os Sakrczenski. Em voz baixa, contudo, a outra deu um recado: que da próxima vez eles estacionassem mais longe das residências, assim as duas poderiam seguir fiéis às guloseimas, sem magoar a mulher que estreava como cozinheira.
— Elas disseram que as coisas da vizinha eram boas, mas não melhores que as nossas. Nosso bolo recheado é básico, simples, mas quando tu vai comer, dá para sentir que é mais natural — conta Emanoele.
Nenhum produto leva corantes ou conservantes e o prazo de validade de todas as comidas é de 15 dias. Quando a repórter provou um pedaço de um bolo da Liebe, que significa "amor" em alemão, foi inevitável o comentário de que "parecia um bolo feito em casa". Rapidamente, Ingrid e Emanoele responderam:
— E é.
Eleziane reforçou:
— O que a gente não come, não queremos que os outros comam.