Servidores do Instituto Nacional de Educação e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) voltaram a relatar censura em questões da prova do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) e intimidação por parte da atual gestão do órgão. Parte dos 37 funcionários que pediu exoneração dos cargos no último dia 8 de novembro, alegando fragilidade técnica e administrativa da gestão, falou ao programa Fantástico deste domingo (14).
Na entrevista, os funcionários, que não se identificaram à reportagem, relataram interferência nos conteúdos das provas, com censura às questões do exames. Anderson Oliveira, que ocupa o cargo de diretor de avaliação da Educação Básica e tem a função de fazer a leitura dos itens, segundo os servidores, solicitou a retirada de cerca de 20 questões.
"Esse dirigente designado pelo presidente do Inep, Danilo Dupas, foi até o ambiente seguro, fez a leitura das questões que essa equipe técnica havia montado, essa primeira prova do Enem, e solicitou a exclusão de mais de duas dezenas de questões dessa primeira versão da prova", contou um servidor à reportagem do programa da Rede Globo.
As questões que Anderson Oliveira solicitou a exclusão estão relacionadas ao contexto social do país, envolvendo política e economia. "Eram questões que tratavam principalmente da história recente do país, dos últimos 50 anos. Sob o ponto de vista da equipe técnica, não havia qualquer reparo pedagógico a ser feito na primeira versão da prova", afirmou outra fonte.
Os servidores, então, se viram obrigados a elaborar uma segunda versão da prova. Na avaliação deles, o teste ficou com nível abaixo do anterior, enfraquecendo o exame e prejudicando alunos que concorrem a cursos disputados. "E isso foi objeto de um terceiro movimento, de se fazer uma terceira versão de prova", explicou um dos entrevistados. Na terceira versão, alguns itens que haviam sido retirados da primeira prova voltaram, a fim de equilibrar o grau de dificuldade do Enem.
De acordo com os servidores, as tentativas de interferência são uma forma de retirar da prova conteúdos que poderiam desagradar ao presidente Jair Bolsonaro. Em 2018, após ser eleito, Bolsonaro afirmou o desejo de tomar conhecimento da prova antes de ela ser aplicada, referindo-se a uma questão inserida no contexto LGBTQIA+.
"Chega a ser chocante uma prova que não é da gestão atual, que não é do governo atual, que é uma política de Estado para a população brasileira e por isso a nossa necessidade de estarmos aqui e falarmos que essa prova é da sociedade brasileira e deve ser defendida".
Intimidação
Na entrevista, os servidores do Inep explicaram que o Enem é elaborado dentro de um ambiente seguro, protegido em diversas etapas por detectores de metais, biometrias e câmeras de segurança. No dia 2 de setembro, porém – durante o período em que a prova do Enem estava em fase final de elaboração –, um policial federal entrou no ambiente seguro. Os entrevistados consideraram ação como uma tentativa de intimidação.
Da mesma forma, eles também alegam terem se sentido intimidados com um pedido de incluir 22 novos nomes na lista de pessoas autorizadas a ter acesso à prova do Enem. "Eram pessoas que, na nossa avaliação, tinham a confiança do presidente do Inep e a confiança do ministro (da Educação, Milton Ribeiro) para poder observar se essas questões do Enem estavam atendendo aos seus interesses", explicou um dos servidores.
Após reclamações dos funcionários, o presidente do Inep, Danilo Dupas, voltou atrás e retirou os nomes. Entretanto, também foram excluídos da função parte dos servidores técnicos que já trabalhavam na área.
A resposta do Inep
Sobre a visita do policial federal, o Inep afirmou ao Fantástico, em nota, que faz parte de uma avaliação da segurança local e que não houve acesso aos conteúdos. O texto informou que o presidente do Inep e o Ministro da Educação não tiveram acesso à prova.
A prova do Enem permanece prevista para o próximo domingo (21).