Divulgado nas redes sociais na terça-feira (31), um vídeo com trechos de uma aula remota na qual um professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) grita com um estudante durante uma explicação causou mal-estar entre alunos e docentes.
Como resposta, a direção da Escola de Engenharia instaurou processo administrativo para investigar o caso. Já o professor afirma que a fala foi tirada de contexto e que mantém boa relação com estudantes.
Na gravação de 2min20s de uma aula de Circuitos Elétricos I ocorrida no dia 24 de agosto, o professor Tristão Garcia dos Santos, docente em diferentes graduações da Engenharia, grita ao responder diferentes dúvidas de alunos – o vídeo foi editado e não mostra os questionamentos, o que impede identificar quantos alunos intervieram.
— Essa pergunta é horrorosa. Mostra que tu não entende porcaria nenhuma do circuito. Eu expliquei na aula passada, cheguei aos berros a dizer aqui que a fonte é independente, cacete — grita o professor.
Em outro trecho, ele fala:
— Eu respondi na aula passada exatamente essa pergunta. E aos berros, para ver se marcava. Porra, o que vai acontecer com a corrente? Ela é uma fonte de corrente, ela manda! Manda! (...) De onde tu tirou isso? Quem foi o imbecil que colocou isso na tua cabeça? — diz Garcia.
A Ouvidoria da universidade informou a GZH que recebeu nesta quarta-feira (1º) cinco reclamações em relação a Tristão, sem ser possível confirmar a data dos fatos.
A Ouvidoria acrescenta que, neste ano, recebeu outras 35 manifestações com o assunto "Conduta Docente", em relação a outros professores. Cinco foram encaminhadas à Comissão de Ética e duas ao Núcleo de Assuntos Disciplinares.
O órgão observa que "não se trata por assédio moral quando a conduta não caracteriza uma prática reiterada. Assim, quando a manifestação não descreve mais de um fato, não tratamos por assédio moral".
Ouvido pela reportagem, Tristão afirmou que o vídeo usa declarações tiradas de contexto, sem mostrar que ele agradece às perguntas. Também observa que suas aulas não são "um ambiente belicoso", que o grito foi para chamar a atenção ao conteúdo e que, em encontros virtuais, a ênfase precisa ser dada na voz.
— Estamos em uma época difícil, trabalhando à distância. Sabe por que não me arrependo? Porque foi feito para o bem, para demarcar o conceito e não deixar dúvida. Esta deve ser a cadeira mais difícil da engenharia. Ninguém ficou com dúvida sobre como funciona corrente — afirma.
Tristão acrescenta que se relaciona bem com os alunos, cita que foi paraninfo três vezes nos últimos anos e que é rigoroso, mas que incentiva estudantes a crescerem intelectualmente.
— Eu adoro os guris. Sempre falo: vocês são fortes, inteligentes e têm tudo pela frente, podem se divertir, andar com os amigos e estudar. Dou aula com gosto. Claro que eu poderia ter sido mais econômico na ênfase, sem dúvida. Deveria ter sido, inclusive, aí não precisaria dar explicações. Mas o que vale é a intenção, e a intenção foi boa — acrescenta.
Alunos ouvidos pela reportagem afirmam que Tristão tem fama de ser professor difícil e o descrevem como alguém impaciente e que costuma se exaltar com estudantes.
— Esse professor não dá aula do jeito normal. O grito não é pessoal, mas distribuído a todos. Era uma pergunta muito válida do colega sobre circuitos elétricos, e ele (Tristão) surtou porque achou uma pergunta trivial demais. É uma cadeira extremamente difícil, mas ele torna muito mais difícil do que ela é — afirma um estudante presente na aula gravada e que não quis divulgar a identidade por temer represália.
O presidente do Centro dos Estudantes de Engenharia de Controle e Automação, Arthur Irgang, afirma que "diversas reclamações foram abertas" ao longo dos anos contra o docente, mas que "nunca deu em nada". Ele diz que o centro estudantil irá reunir relatos e entrar no caso para evitar represálias individuais.
— Não foi só nessa gravação que foi passada, o professor Tristão acaba sendo grosseiro e humilha, ridiculariza a dúvida e grita com os alunos — diz.
A Escola de Engenharia divulgou nota nesta quarta-feira (1º) na qual afirma que "lamenta profundamente o ocorrido" e que o "caso está totalmente em desacordo com a cultura de respeito defendida por esta instituição". Também orienta os envolvidos a abrirem reclamação na Ouvidoria da universidade.
A diretora da Escola de Engenharia, Carla ten Caten, observa que foi criada uma comissão composta por 10 professores, estudantes e técnicos para apurar o caso e ouvir Tristão e alunos. O grupo irá elaborar parecer que será enviado à Comissão de Ética da UFRGS ou ao Núcleo de Assuntos Disciplinares, responsáveis por eventual punição.
Conforme a Legislação Consolidada do Servidor Público, possíveis penalidades disciplinares a concursados envolvem advertência, suspensão e demissão, a depender do grau de punição aplicado.
Carla destaca que a conduta de Tristão não reflete a realidade da Escola de Engenharia, que recebeu nesta quarta-feira medalha de reconhecimento da Assembleia Legislativa pelos 125 anos de existência. Diz que a postura do professor remete a uma cultura antiga que está em vias de extinção na UFRGS.
— Sabemos que os vínculos são maiores quando o aluno frequenta a aula com prazer e confiança. Não aprovamos esse tipo de vocabulário agressivo em sala de aula e vamos apurar os fatos e dar os devidos encaminhamentos. Eu não teria essa conduta e não a aprovo. Não consigo imaginar que isso possa facilitar o aprendizado. Alunos têm direito a tirar dúvidas, e essa linguagem agressiva não auxilia — afirma Carla.
A diretora da Escola de Engenharia acrescenta que a instituição também irá promover palestras e atividades para reciclar professores sobre o assunto.
— É uma cultura de alguns professores mais antigos. Esse professor, por ser antigo, talvez não tenha se adaptado à nova cultura na qual relações de confiança fazem parte do processo de ensino e aprendizado. Lamentamos o ocorrido, isso não condiz com o que a gente acredita. Criamos a comissão para fazer os procedimentos de escuta, averiguar os fatos e fornecer ampla defesa — diz Carla.