Uma campanha vem mobilizando o Brasil para tentar garantir o adequado acesso à internet, durante a pandemia de coronavírus, por parte de estudantes de cursinhos pré-vestibulares comunitários. Em sua maioria, eles não dispõem de redes wi-fi ou pacotes de dados com capacidade suficiente para suportar as aulas transmitidas ao vivo, a execução das tarefas e a interação com os professores.
A iniciativa 4G para Estudar, encabeçada pela organização sem fins lucrativos Nossas, que milita no campo da política e articula cidadãos em redes de atuação, beneficiará, em um primeiro momento, oito programas preparatórios de bairros da periferia de Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Espírito Santo, que receberão verba para comprar chips, recargas ou planos de internet para seus alunos.
Estipulada em R$ 100 mil, a primeira meta, com o objetivo de amparar 2.256 alunos, foi batida em apenas 12 horas. A segunda, de R$ 350 mil, também já foi superada, ampliando para mais de 7 mil os contemplados com o auxílio. Coordenadores de cursos de outros pontos do país são convidados a entrar em contato com a organização, que tem sedes no Rio e em São Paulo, para preencher um cadastro e pleitear seu engajamento.
A ação 4G para Estudar surgiu depois da movimentação chamada Sem Aula Sem Enem, um apelo pelo adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio. Conquistada a mudança no calendário, era hora de pensar como seguir ajudando. Logo ficou evidente que não bastava postergar a data das provas se o público mais interessado não conseguia se preparar por falta de recursos.
— A evasão dos alunos foi gigante porque eles não têm planos de dados que comportem uma aula online, baixar um livro ou um (arquivo em formato) PDF. Isso não é uma realidade para eles. O acesso ao wifi, então, nem se fala. Então, precisávamos garantir o acesso à internet para, assim, garantir o acesso à educação. Acho que esta é a grande chave da educação na pandemia: a internet virou sinônimo de acesso à educação, o que torna as coisas muito mais difíceis e muito mais desiguais — comenta Isabela Avellar, 25 anos, designer e mobilizadora sênior do Nossas.
Ao acessar o site da campanha, o usuário pode optar por doar R$ 20, R$ 50, R$ 150, R$ 400 ou R$ 1 mil, via boleto bancário ou cartão de crédito. Até o início da tarde desta segunda-feira, o valor arrecadado ultrapassava R$ 404 mil.
— Foi um grande sucesso. A gente não esperava que isso fosse acontecer tão rápido — comemora Isabela, que informa que a arrecadação continuará permitida por tempo indeterminado, enquanto a organização tenta negociar facilidades com operadoras de telefonia.
Rafael Cícero de Oliveira, 35 anos, um dos coordenadores da Rede Ubuntu de Educação Popular, atuante nos bairros Jardim Angela e Capão Redondo, na zona sul da capital paulista, e em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, descreve o perfil dos vestibulandos que terão a chance de navegar por mais tempo e com mais qualidade: são jovens negros, em sua maioria, e pobres, moradores de áreas carentes.
No início do ano letivo, a Rede Ubuntu contabilizava 350 matriculados. Com as restrições impostas pela chegada da pandemia, o cursinho questionou os estudantes se eles tinham acesso à internet. O grande volume de respostas positivas escondia uma dura realidade para quem precisava improvisar, de imediato, uma estrutura de ensino a distância: os alunos tinham, sim, telefones celulares, mas seus planos de dados não permitiam acompanhar lives que se estendem por até três horas.
Hoje, são 280 alunos ativos. A coordenação não sabe informar se os 70 faltantes desistiram ou não estão sendo localizados por estarem desconectados ou porque trocaram de número de telefone. Mesmo com dificuldades, os remanescentes tentam cumprir as atividades e tirar dúvidas — as ferramentas mais utilizadas são o e-mail e o WhatsApp.
— Existe a esperança de que essa campanha vai permitir que todos os nossos alunos tenham acesso à internet. Talvez isso seja o divisor de águas para conseguirmos avançar na preparação para o vestibular. A educação é um direito. Então, se é um direito, tem que ser oferecido, não pode ser opção — avalia Rafael.
O fato de os colaboradores da iniciativa estarem investindo em algo que não sejam alimentos, sempre a necessidade mais urgente em momentos de calamidade, emociona Rafael:
— Doar para a compra de comida todo mundo doa porque move mais o coração. Mas doar para a educação significa que as pessoas acreditam na educação.